"A China pode colocar um chinês ao lado de cada parreira"

O português Luis Pato fala sobre tendências de consumo, critica a produção do Novo Mundo e revela a criação de um vinho para Robert Parker

por Fábio Farah

Formado em Engenharia Química, Luis Pato seguiu os passos dos antepassados e tornou-se produtor de vinhos na região portuguesa da Bairrada, na década de 1980. Na época, seu pai teria afirmado que ele faria um vinho químico, sem a utilização de uva. "Aprendi exatamente o contrário, evitar ao máximo a utilização de produtos químicos e otimizar sempre", diz Pato, que arrancou de seus vinhedos todos os pés de Cabernet Sauvignon para cultivar apenas as castas autóctones, sobretudo a Baga. "Elas não estão ali por acaso. Possuem maior intimidade com o lugar", assegura.

Para ele, as variedades internacionais são Commodity Grapes e o Novo Mundo, especializado em vinhos industriais sem muita personalidade. Entusiasta e criador de novas técnicas (uma por ano), como a vindima verde, ele faz seguidores e colhe prestígio entre críticos internacionais, como a inglesa Jancis Robinson. Nesta entrevista à ADEGA, ele fala sobre vinhos orgânicos, China e outras polêmicas.

A opção por vinhos naturais, com menos química, parece ser uma tendência entre os produtores.

Não sou como os fundamentalistas. Para eles, os vinhos devem ser orgânicos ou biológicos. Vinho orgânico é uma fantasia. Temos que fazer vinhos o mais naturais possíveis. Mas não vender esta idéia de extrema pureza. Por ser de um país atrasado, tenho a vantagem de meus antecessores não terem usado produtos químicos em excesso. Então, para mim, é normal que os vinhos sejam mais naturais. Nos países ditos mais desenvolvidos a natureza se perdeu. E agora elas querem retornar à origem fazendo vinhos biológicos.

Da década de 80 para cá, o que mudou na produção de vinhos em Portugal?

Antes dos anos 80, os vinhos eram feitos por técnicos que não tinham capacidade crítica em relação ao que faziam. Eles seguiam determinadas regras e produziam o que eu chamo de vinhos de receita. Os enólogos atuais são mais viajados, com uma preparação técnica superior. A nova geração também é muito mais criativa e mais livre. Talvez por isso não façam vinhos de receita.

Ao longo desses anos, o senhor implementou novas técnicas na produção de seus vinhos, como a vindima verde.
Qual foi a diferença que elas fizeram?

Todo ano invento ou ensaio novas técnicas em pequenas quantidades. No fundo, esse é meu lado Novo Mundo. Não implemento uma nova técnica sem experimentar primeiro. Normalmente experimento durante um ano. Se eu aprovo, aplico no ano seguinte. A concentração, por exemplo, é um conceito químico que pode ser utilizado para dar ao vinho mais sabor e aromas. Por isso comecei com a vindima verde para os topo de gama. Retiro, na primeira semana de agosto, cachos das videiras - que não podem ser utilizados, pois estão verdes. As uvas ficam mais concentradas.

Quais são as próximas inovações técnicas?

Em 2005, apliquei uma técnica incomum iniciada no ano anterior. Há dois tipos de maceração nos tintos. A prémaceração a frio, muito utilizada na Borgonha, e a maceração tradicional. Eu tentei fazer um misto das duas coisas. A maceração a frio é feita durante a fermentação. Eu tiro uma parte do mosto quando a uva tinta entra em fermentação - da casta que eu trabalho mais, a Baga - deixo a zero graus e injeto novamente o mosto na cuba que está em fermenta - ção. Isso gera um choque térmico, faz uma extração de cor e de aromas que torna o vinho mais complexo e agradável, principalmente ao consumidor que aprecia vinhos mais frutados.

E a técnica iniciada em 2006?

A novidade é uma técnica utilizada em um vinho produzido com minha filha, o FLP, que existe desde 2003. Nós o chamamos de vinho molecular. Como pode ver, a química também funciona no marketing. É batizar algo com um nome óbvio. É um vinho doce e com acidez, para acompanhar a cozinha molecular. Foram produzidas apenas 200 mil garrafas de meio litro. A técnica o torna completamente diferente. Não é um vinho de gelo, pois é vindimado na mesma época dos outros. Ele é branco. E molecular.

Por que o senhor arrancou de seus vinhedos as uvas estrangeiras, como a Cabernet Sauvignon?

Não tenho nenhuma uva francesa. Só tenho uva portuguesa. Eu considero as uvas francesas mais conhecidas do mundo como Commodity Grapes. Isso quer dizer que se você quiser Cabernet Sauvignon, pode comprar onde é mais barato, no Chile ou na África do Sul, por exemplo. Tudo depende da mão de obra e do valor da moeda do país. Isso vale para a Merlot, para a Syrah...

Essa afirmação do senhor desconstrói o conceito de terroir. A Cabernet Sauvignon tem características diferentes, dependendo da região em que é cultivada.

Mas os vinhos são muito parecidos. Não tem nada a ver com o Cabernet de Bordeaux, de onde a uva é originária. Os vinhos são feitos de uma forma industrial, com grande produção por hectare para serem mais baratos, e uma tecnologia que os torna sempre iguais. E nós não podemos competir com isso. Hoje são os chilenos, mas amanhã vão ser vinhos da China. Por isso essas uvas são Commodity Grapes.

O senhor acha que a China tem potencial para produzir vinhos?

Sim. Vai ser um grande produtor. E ela tem uma vantagem: pode colocar um chinês junto a cada pé de parreira, coisa que os portugueses não podem. Por isso, os portugueses não podem competir com eles com as mesmas armas. Têm que usar armas diferentes. Elas são as nossas próprias castas.

#Q#

Há muito ceticismo em relação ao terroir chinês...

Há 20 anos não havia vinhos no Chile, basta investir, chamar enólogos de fora.

Mas o terroir chileno é bem cotado.

O Chile tem uma boa condição climática para produzir vinhos. O Brasil também tem. O Vale São Francisco é um exemplo. Mas você acha que um lugar que produz duas safras por ano tem terroir?

Para o senhor, o que é terroir?

Isso é os franceses que sabem. Para mim é local. O local não é só o solo. É toda a zona envolvente em termos de floresta, de vegetação. E é o clima também. Dois locais diferentes que cultivam a mesma uva em um mesmo solo produzem vinhos diferentes, porque o local é diferente.

As castas autóctones têm mais intimidade com o local de origem. Na sua opinião, elas não podem ser cultivadas em outras regiões?

Elas não estão na região por acaso. O tempo as selecionou para o local. Quando você leva estas castas para outra região, elas não são mais a mesma coisa. Já foram selecionadas e são o clone a, b ou c. É uma variação. No local de origem da casta, há uma variabilidade de clones que dão complexidade ao vinho. Isso não acontece nas novas plantações.

O que o senhor acha da experiência dos Supertoscanos? A introdução de uvas estrangeiras deu prestígio aos vinhos italianos no mercado internacional. É uma experiência inversa a sua.

São vinhos para se vender nos Estados Unidos, na América, que só conhecem as castas internacionais. Era importante para os italianos vender na América. E os americanos não conhecem as castas autóctones italianas. Os americanos não conhecem muita coisa. Eles não viajam. O Bush é o melhor exemplo. Como é um país grande, pensam que o mundo é o país em que estão. Eles têm uma visão limitada. Por isso, muitas vezes, cometem erros como a invasão do Iraque, que foi o berço da civilização deles.

É contra a experiência italiana?

É um começo. Comecei com as autóctones para me libertar das francesas.

Mas o Novo Mundo não tem castas autóctones?

Tem a Isabel, que produz vinho de cheiro e disseminou a filoxera. Não são vinhos bons.

O senhor é contra a produção de vinhos no Novo Mundo?

O Novo Mundo tem uma coisa ótima, uma visão anglo-saxônica de otimização do produto. Por isso, no Novo Mundo nascem os vinhos industriais, sempre iguais. O "Mateus Rosé" foi o primeiro vinho industrial, inventado por um português. Os grandes críticos de vinho do mundo se iniciaram com ele. Tiro o chapéu ao "Mateus Rosé" por sua capacidade de entender o consumidor que estava começando a beber vinho. O que o Novo Mundo fez foi a transformação do "Mateus Rosé" em brancos e tintos. Vinhos sempre iguais. E para serem iguais usam uma coisa externa ao vinho, a madeira. Novo Mundo faz vinho com sabor de sobremesa. Baunilha e côco é coisa de sobremesa, não de vinho. Além disso, fazem vinhos muito alcoólicos, acima de 14,5%, ou seja, vinhos doces ao estilo do Porto.

Qual será a próxima moda no consumo de vinho?

Vinhos com álcool normal, em torno de 12,5%, para você poder beber com comida e não ficar bêbado. Os líderes de opinião ingleses estão nessa moda há dois anos. E na América já há um movimento nesse sentido. Como também sou um bebedor de vinhos e não quero ficar bêbado, meus brancos têm entre 11,5% e 12% de álcool, e meus tintos entre 12,5% e 13%. Também haverá um nicho de mercado para os vinhos que envelhecem bem. Não apenas os de Bordeaux, mas os da Borgonha, do Barolo, da Bairrada e do Dão.

Acho que os vinhos pouco alcoólicos não agradarão muito ao Robert Parker.

Estou fazendo um vinho para o Parker batizado de F, de Formal, com 85% de Touriga Nacional, 10% de Baga e 5% de Bical. Serão apenas mil garrafas. O vinho terá 14,5% de álcool. É alcoólico e doce. Não é um vinho que vou gostar de beber.

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