A ervilha gourmet

O Piselli* chega ao terceiro ano para o deleite dos amantes da boa gastronomia italiana, impulsionado pela criatividade e simpatia de Juscelino

por Fábio Farah

O restaurateur Juscelino Pereira gosta de comparar o mundo a uma ervilha. É a versão gourmet de “O mundo é pequeno”. E é tão pequeno que pessoas próximas cruzamse a todo instante, em lugares improváveis. Sentado na mesma mesa que Juscelino, em seu restaurante inaugurado há três anos, percebo como sua afirmação faz sentido. Ele passou a infância em Joanópolis, interior de São Paulo, e é amigo de familiares que conheci apenas no ano passado. Enquanto o chef prepara o menu selecionado por

"Bresaola di Pesce”

ele, as histórias de pessoas que se cruzavam com a minha, em algum ponto do passado, são contadas com detalhes saborosos, temperadas com o sorriso de Juscelino.

A “Bresaola di Pesce” chega à mesa com taças do “Cellarius Brut Berlucchi 2003”. Fatias de agulhão, defumado no restaurante, apresentam um sabor intenso, com um toque adocicado, pontilhado pela acidez do limão. “Testamos vários peixes do Amazonas. Mas o agulhão foi o eleito”, explica Juscelino. A textura cremosa do peixe intensifica-se com a vivacidade do espumante italiano e seus sabores são salientados no paladar.

“Stinco D´Agnello con Polenta Fresca”

Uma entrada com personalidade e frescor que satisfaz o comensal na medida exata até a chegada do próximo prato. O de nossa seqüência é o “Prosciutto D´Anatra con Grana e Insalatina”. Após alguns dias imerso em sal, açúcar e ervas, em um processo de cura, o magret de pato é cortado em finas fatias. Elas são servidas com um fio de azeite, rúcula, radicchio e lascas de grana padano. O sabor característico do pato é “temperado” com a rusticidade saborosa do queijo italiano. A rúcula e o radicchio – originário da Itália – imprimem amargor à composição. Para harmonizar com o prato, Juscelino, que já trabalhou como sommelier, sugere o vinho “da casa”, produzido no Piemonte. O “Rubino di Cantavenna 2003” resulta de um corte de Barbera, Grignolino (25%) e Freisa (5%). Um vinho de médio corpo que “encara” o prosciutto sem decepcionar. “É verdade que você tem um projeto de produzir vinhos em Joanópolis?”, questiono Juscelino.

“Papardelle con Ragù di Fagiano”

Por mais improvável que o terroir pareça à primeira vista, a resposta é afirmativa. Ele até já delimitou a área de plantio – com maior insolação – e definiu a melhor casta para o terreno. “Meu primo trouxe na bagagem uma uva portuguesa que cresceu muito bem lá”, revela o restaurateur até ser interrompido pelo “Papardelle con Ragù di Fagiano”. O faisão, assado e desfiado, é enriquecido com manteiga de tartufo nero antes de ser unido ao papardelle (massa fresca preparada no restaurante). O prato é salpicado por pinolis – sementes de um pinheiro nativo da região do Mediterrâneo –, responsáveis pela suave crocância. É um prato intenso nos sabores e delicado na textura. O “Gavius Monferrato 2003” foi escolhido por ter Pinot Nero (50%) no corte com a Barbera. “O Pinot Noir, pela finesse, gosta de aves sofisticadas como perdiz, faisão e

“Crostata di Mele con Gelato”

pato”, justifica Juscelino. A combinação cai bem. “É verdade que Joanópolis é conhecida como a terra do Lobisomem? Já viu algum?”, provoco, enquanto esperamos pelo próximo prato.

Meus bisavôs contavam histórias aterrorizantes sobre as noites de lua cheia em Joanópolis, uivos na escuridão, animais desaparecidos... “Toda criança tem medo dessas histórias. Quando escurecia, eu evitava sair de casa. Se estava fora, corria feito louco até chegar em casa”, confessa Juscelino. Um “Stinco D´Agnello con Polenta Fresca” invade a mesa, harmonizado com um “Adornes Barrique 2003”. A textura da polenta está uma maravilha, mas a carne é menos saborosa do que o desejado por mim e esperado pelos amantes de cordeiro. Ela deixa desamparado o vinho, que tem corpo e exige sabores mais acentuados. Teria encerrado no prato anterior e esperado pelas sobremesas.

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A “Coppa di Meringa ai Frutti di Bosco” (taça de merengue com frutas

“Coppa di Meringa ai Frutti di Bosco”

vermelhas) encanta os olhos e prepara a alma para uma experiência lúdica, pois remete à infância. Em nossas taças, o “Malvasia di Casorzo 2004”, produzido com Malvasia Vermelha. Um frisante doce: alegria da maioria das mulheres. Alguns estilos de vinho não agradam aos enófilos mais puritanos. Este é um deles. Mas a maioria reveria os conceitos ao provar essa harmonização. “A sobremesa e o vinho estão namorando”, diz Juscelino. “Eu não chamaria isso de namoro. É uma cópula enogastronômica”, brinco. Segue-se a “Crostata di Mele con Gelato” (torta de maçã quente com perfume de canela e sorvete de creme), servida com “Torrontes Late Harvest Michel Torino 2005”. Um bom casamento, embora a exuberância do anterior não o deixe a vontade para se expressar. Em vez de um espresso para encerrar o banquete italiano, Juscelino recomenda um “Barolo Chinatto Ceretto”, produzido com diversas ervas. Para petiscar, lascas de chocolate amargo. Mais um pouco de história de lobisomens, terroirs exóticos, vinhos lendários, antepassados admiráveis e loucos. Compartilhar a mesa com Juscelino me faz recordar outro amigo do interior, o escritor Antonio Fais, para quem a companhia transforma pratos e vinhos em meros detalhes.

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