Mundo Vino

Solo raro, cinco pioneiros e duas castas levam à glória os vinhos do Priorat

por Redação

O Priorat é rodeado por montanhas e protegido à noroeste pela Sierra de Montsant, na Catalunha. Um terroir especial que estava abandonado antes de virar o palco de grandes vinhos, e de rápida evolução da vitivinicultura

Localizado no centro da província de Tarragona, na Catalunha - região à nordeste da Espanha - o Priorato, Priorat em catalão, é rodeado por montanhas, protegido à noroeste pela Sierra de Montsant. Estando tão próximo de Tarraco - a atual Tarragona -, antiga capital romana da Península Ibérica, acredita-se que seus primeiros vinhedos tenham sido plantados há mais de 2 mil anos.

Todavia, alguns dos primeiros levantamentos sobre sua vitivinicultura datam dos idos de 1163 d.C., quando o vinho teria sido introduzido por monges cartuxos da Ordem de São Bruno que se estabeleceram na região, com a fundação do Mosteiro Scala Dei (em português, "Escada de Deus") - aliás, o Mosteiro Cartuxo Scala Dei ainda existe e é aberto a visitação, uma ótima dica de viagem para aqueles que querem conhecer de perto a história da vitivinicultura espanhola.

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Os vinhos do Priorat estão entre os de melhor qualidade produzidos a partir das castas Garnacha e Carignan, e acredita-se que seus primeiros vinhedos tenham sido plantados há mais de 2 mil anos

Para se ter ideia de como essa região espanhola se desenvolveu de maneira repentina no mundo do vinho, no início da década de 1990, o governo da Catalunha lançou uma publicação com o tema: os 1.000 anos do vinho catalão. O Priorat sequer chegou a ser mencionado. No final da mesma década, contudo, o Priorat já era reconhecido como berço de vinhos de notável qualidade, tornando-se uma das únicas duas regiões da Espanha a ostentar o status de Denominación de Origen Calificada - DOCa (juntamente com Rioja). Mas, afinal, o que há de tão especial nessa pequenina região - de pouco mais de 17 mil hectares, menos de um décimo da área da cidade de São Paulo?

Hoje, os vinhos do Priorat estão entre os de melhor qualidade produzidos a partir de Garnacha e de Cariñena (ou Carignan) - comparáveis aos melhores rótulos do mundo. Porém, no passado, a falta de investimentos e o alto custo de se trabalhar em uma área com as características do Priorat - uma encosta íngreme e vulcânica -, além de levar vários vinhedos a serem abandonados, fazia com que os vinhos lá produzidos fossem apenas medianos.

Entretanto, no final dos anos 1980, um grupo de cinco vitivinicultores pioneiros - Clos Mogador, Clos de l'Obac, Clos Dofi, Clos Martinet e Clos l'Ermita - estabeleceu-se no vilarejo de Gratallops. Cada um deles adquiriu aproximadamente 7 hectares de terra e reconstruiu seus vinhedos. "O grupo era liderado por René Barbier, cujo pai tinha sido proprietário de uma empresa de exportação de vinho em Tarragona, e Álvaro Palacios, vindo da região de Rioja. Em 1989, eles fizeram seu primeiro vinho em conjunto com três outros amigos em uma granja abandonada em Gratallops", conta Christopher Cannan, atual proprietário do Clos Figueras, que na época gerenciava sua empresa de exportação, a Europvin, focada em vinhos de Bordeaux, e conhecia bem ninguém menos do que Robert Parker, que mais tarde seria um dos fatores de mudança no Priorat.

Álvaro Palacios, que precisou vender sua moto para começar o projeto Clos l'Ermita, na região, lembra: "Descobri uma beleza especial, essas costas de vinhas tradicionais com uma geologia especial, e fiquei louco, ainda mais quando cheguei ao monastério de Scala Dei. O declínio na região tinha sido brutal, mas tinha que renascer, porque o solo e o cenário eram maravilhosos", contou em uma entrevista a um site espanhol. "Ao lado de René Barbier, começamos com uns amigos e uma filosofia em que imperava o vinhedo", completou.

Nas três primeiras safras (1989-1991), todas as vinícolas da área juntaram suas uvas, compartilharam uma única cantina e produziram um único vinho, vendido sob cinco rótulos diferentes. Os tintos produzidos eram de um estilo novo - quase negros, encorpados e concentrados - que agradou os paladares do mundo, especialmente Parker. "Um dia René Barbier, do Clos Mogador, apareceu em Bordeaux e trouxe algumas amostras do seu vinho. No início, eu era cético. O vinho era excelente, mas o preço era alto para um produto desconhecido. Tempos depois, decidi mostrar o vinho para Parker em uma de suas degustações no escritório da Europvin. Ele não esperou para escrever um artigo mostrando seu entusiasmo com a região em sua newsletter, além de dar altas pontuações aos vinhos. Depois disso, o mercado finalmente percebeu o que estava acontecendo naquele remoto canto da Catalunha", conta Cannan.

Esse cenário positivo atraiu muito investimento para o Priorat. A partir de 1992, cada produtor começou a vinificar separadamente. As vinhas antigas continuam sendo trabalhadas e novos vinhedos têm sido plantados a cada ano na região. Atualmente, há pelo menos 70 vinícolas ativas.

O vinho teria sido introduzido na região por monges cartuxos da Ordem de São Bruno, com a fundação do Mosteiro Scala Dei (em português, 'Escada de Deus')

Clima e solo

O solo do Priorat - chamado localmente de llicorella - é pouco comum. Composto por camadas de uma espécie de ardósia vermelha, permeada com pequenas partículas de quartzitos que brilham ao sol, esse tipo de solo auxilia no amadurecimento das uvas por reter bastante calor. Além disso, apesar de ser muito pobre em nutrientes, devido à sua profundidade, a llicorella é capaz de reter quantidade suficiente de água para a raiz das vinhas durante todo o seu período de crescimento.

Assim, embora o nível pluviométrico anual normalmente fique abaixo dos 400 mm, as raízes penetram pelas falhas da llicorella e encontram água. Os vinhedos plantados nas encostas com maior inclinação recebem boa exposição solar durante o dia e, durante a noite, beneficiam-se de temperaturas frias, graças à altitude que varia de 500 a 700 metros. Como consequência disso tudo, as vinhas - especialmente as mais antigas, de Garnacha e Cariñena, que já estavam no local quando da chegada dos cinco pioneiros - têm baixa produção, com frutas muito concentradas, característica que se reflete nos vinhos.

O clima do Priorat é mediterrâneo, com verões longos, quentes e secos e invernos frios, com risco de geadas, granizo e, eventualmente, períodos de seca. A região sofre ainda influência de ventos frios vindos do norte e ventos quentes vindos do leste, como o Mistral, por exemplo.

O solo pouco comum, chamado de llicorella, auxilia no amadurecimento das uvas por reter bastante calor, composto por camadas de uma espécie de ardósia vermelha, permeada com pequenas partículas de quartzitos que brilham ao sol

Os vinhos do Priorat

Os vinhos de Priorat são caracterizados por uma coloração tinta profunda, com taninos muito finos e ótima textura, além de fruta exuberante e suculenta acompanhada por gostosa acidez e muita elegância. Os aromas são bastante concentrados, geralmente com frutas negras e vermelhas mais maduras, características notas florais, minerais, lembrando grafite, e de alcaçuz, além de aromas aportados pela passagem em madeira, como notas tostadas e de especiarias doces.

A transformação do Priorato ocorreu ao redor do vilarejo de Gratallops, onde o primeiro vinho foi feito em 1989 por um grupo de cinco vitivinicultores 

Os mais famosos vinhos do Priorat são os tintos. Embora Garnacha Tinta e Cariñena continuem sendo a base principal dos blends, produtores da região têm gradativamente inserido variedades internacionais - especialmente Cabernet Sauvignon - em seus vinhos, estas vindas de vinhedos plantados mais recentemente, já quando o Priorat havia conquistado sua boa reputação. Outras variedades autorizadas pela DOCa são a Garnacha Peluda, Merlot e Syrah. Poucos são os brancos - normalmente encorpados, estruturados e fermentados em barrica - e rosados produzidos. As cepas brancas que podem compor os blends da DOCa são Garnacha Blanca, Macabeo, Pedro Ximénez e Chenin.

Quanto ao envelhecimento dos vinhos DOCa Priorat, os critérios a serem observados são os seguintes:

Crianza: deve permanecer por seis meses em barris de carvalho e 18 meses em garrafa
Reserva: deve permanecer por 12 meses em barris de carvalho e 24 meses em garrafa
Gran Reserva: deve permanecer por 24 meses em barris de carvalho e 36 meses em garrafa

divulgação Genium

Garnacha Tinta e Cariñena são a base dos principais vinhos, porém, os produtores gradativamente vão inserindo variedades internacionais, como a Cabernet Sauvignon

Para receber a DOCa Priorat, o teor alcoólico tanto em tintos quanto em brancos e rosados deve estar entre 13,75% e 18%, mas geralmente, esse teor fica entre 14,5% e 15,5%.

Os vinhos do Priorat estão entre os de melhor qualidade e são comparáveis aos melhores rótulos do mundo. No passado, a falta de investimentos e o alto custo de se trabalhar em uma encosta íngreme levou vários vinhedos a serem abandonados 

O nível dos vinhos e dos produtores é muito bom, mas merecem destaque: Clos Mogador, Clos Figueras, Cims Porrera, Mas Igneus, Celler Pasanau, Mas Alta, Scala Dei, Ônix, Torres, Genium Celler, Mas Doix, Mas Martinet, Clos Erasmus, Clos Dominic, Costers del Siurana, Cal Grau, Dits del Terra, Álvaro Palacios e Vall-Lach.

Na região, produzem-se, ainda, sem o selo DOCa, vinhos das categorias "Generoso" - feitos a partir de Pedro Ximénez, juntamente com outras uvas, que apresentam álcool entre 14% e 18% - e "Rancios" - vinhos mais velhos, que passam por envelhecimento em carvalho por pelo menos quatro anos, cujo teor alcoólico fica entre 14% e 20%. 

Vinhos Avaliados

ADEGA pôde constatar a qualidade e a consistência dos vinhos tintos do Priorat na degustação de 10 rótulos de alguns do melhores produtores da região. De fato, algumas características foram comuns em todos os tintos provados: a ótima qualidade da fruta que, mesmo madura e doce, é muito bem equilibrada por uma acidez vibrante; a madeira muito bem trabalhada que aporta complexidade ao conjunto; o teor alcoólico, que, apesar de alto, é perfeitamente incorporado e se sente num aspecto positivo de suculência e volume de boca; e, por fim, a principal delas, a exuberante maciez dos taninos, que aportam uma textura granulada, quase mastigável, mas ao mesmo tempo sólida, que sustenta, junto com a acidez, toda essa exuberância de fruta. Em geral, são vinhos grandes e opulentos, mas em nenhum momento enjoativos. São, sim, muito elegantes e equilibrados.

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