A Novidade do Porto

Os Vintages mais famosos da história do vinho português que percorreu batalhas e recessões

por Marcelo Copello

Bmann/FLICKR

Paradoxalmente, o Porto é ao mesmo tempo consagrado mundialmente e incompreendido. Para o grande público "Porto é Porto" - aquele tinto docinho servido em pequenos copos com aperitivo. Muitos esquecem da riqueza de tipologias que só ele tem. De tudo que se consome de vinho do Porto no mundo, 88% é do que chamamos de Porto corrente, os mais simples, das categorias Ruby e Tawny. Os 12% restantes ficam com os Vintages, Colheitas, Tawnys velhos (10, 20, 30 e 40 anos), etc.

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A categoria de maior prestígio, sem dúvida, é o Vintage - tipologia que ganhou esta denominação pelos ingleses. Em Portugal, até meados do século passado, era chamado de Novidade. Ao longo dos anos, a nominação inglesa prevaleceu e a portuguesa se perdeu. Só os melhores vinhos, com mais cor e corpo, são Vintage - que só é feito nas melhores safras, normalmente três a quatro anos por década. Em termos de volume, ele significa apenas de 2% a 5% da produção, nos anos em que é feito.

"Vinho do Porto cura tudo, cura até maucaráter.
Pois nunca houve bebedor de Porto que
não tivesse amigos a falar em seu favor."
Anônimo

O Vintage permanece em tonéis ou balseiros por cerca de dois anos até ser engarrafado, o que acontece entre primeiro de julho do segundo ano e 31 de dezembro do terceiro ano após a colheita. Ele sempre traz o ano da colheita no rótulo, não é filtrado, presta-se a longa guarda, evolui por décadas, alguns mais de século. Ao ser aberto, deve ser decantado e totalmente consumido. Se for um Vintage novo, pode agüentar aberto por alguns dias, mas se for uma safra muito antiga é recomendado decantar apenas no momento de degustar, pois o líquido só viverá algumas horas após aberta a garrafa.

Gynoid/FLICKR
Cidade do Porto com o Rio Douro ao fundo

Desde que os Vintages surgiram, em meados do século XVIII, muitos foram os anos famosos, muitas vezes batizados com nomes pelos quais seriam mais conhecidos do que suas safras.

Vejamos alguns dos Vintages famosos e as histórias por trás deles:

1765 - Vinho de grande qualidade, primeiro a constar do catálogo da Christie´s, em 1768.

1797 - Aclamado como o melhor do século XVIII.

1811 - Talvez o Vintage mais falado da história. Vinho de qualidade excepcional, conhecido como Cometa, batizado em homenagem ao "Grande cometa de 1811" (formalmente conhecido como C/1811 F1). Este foi um cometa que marcou uma geração, já que foi visível a olho nu durante 260 dias, enquanto o Porto Vintage Cometa foi apreciado por muitas e muitas décadas.

1815 - Não menos memorável foi o Vintage 1815, uma ótima "Novidade" que se chamou Waterloo, um Vintage inesquecível, especialmente para Napoleão Bonaparte. O 1815 também ficou conhecido como Duque em homenagem ao Duque de Wellington, vencedor de Napoleão em Waterloo, e é citado assim, como Porto Duque de 1815, várias vezes nas obras de Eça de Queiroz.

1820 - Outro ano excepcional foi o de 1820, um divisor de águas na história do Vinho do Porto. Este vinho tinha uma característica que chamou a atenção, que não era usual na época: sua doçura.

Ruud Brouwers/FLICKR

1834 - Famoso como um dos melhores do século XIX. Este Vintage é associado a uma história trágica. Em 1897, o explorador sueco Auguste Andrée, com dois companheiros, decidiu atravessar o Pólo Norte em um balão. Partiram e, em 14 de Julho, o balão caiu no Ártico, onde eles sobreviveram por apenas alguns meses. Trinta e três anos mais tarde, uma expedição encontrou os corpos, juntamente com diários e negativos fotográficos. Este material revelou que, em 27 de setembro, fizeram um banquete à base de carne de foca e uma garrafa de Porto Vintage Ferreira 1834, um presente à expedição do Rei da Suécia.

1840 - Grande ano. Foram elaborados mais secos, pois havia uma moda contra os Portos doces.

1851 - Outro grande ano. Conhecido como Great Exhibition Port. A Great Exhibition em questão, também conhecida como Crystal Palace, foi uma feira internacional ocorrida neste ano no Hyde Park, em Londres. Esta foi a primeira de uma série de eventos internacionais, exibições de cultura e indústrias, que tornaram-se populares no século XIX. O famoso crítico inglês Michael Broadbent provou o Porto Great Exhibition-1851 em 1975 e relatou ser "o mais magnífico porto velho que jamais provou".

1863 - Um ano famosíssimo por sua qualidade, um dos maiores da história do Porto, todas as empresas fizeram grandes Vintages neste ano.

1878 - Vintage excepcional, o último Vintage antes da Filoxera, já com produção reduzida pela praga.

1887 - Conhecido como Queen Victoria´s Golden Jubilee Vintage. Um vinho excepcional, bela homenagem à rainha britânica, mas de produção escassa.

1897 - Conhecido como Royal Diamond Jubilee Vintage. Uma curiosidade é que neste ano faltou aguardente no Douro e a casa Sandeman fortificou seu Vintage com whisky escocês. O Sandeman 1897 é considerado lendário.

1911 - Bom ano, embora não excepcional. Apenas a Sandeman fez Vintages, em homenagem ao coroamento do rei Goerge V.

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1927 - Clássico, um dos melhores da história. Exportado em 1929, coincidiu com a Grande Depressão e foi difícil vendê-lo. Uma parte foi misturada a Portos comuns, fato lamentado até hoje por especialistas saudosos.

1931 - Um dos melhores do século, mas poucas casas sequer chegaram a engarrafar por causa da crise econômica mundial. Foi o primeiro Vintage Noval com a denominação Nacional.

1935 - Ano excepcional. A curiosidade é que muitas empresas não o engarrafaram por ainda terem muito estoque do 1934, que era bom, mas inferior ao 1935. Em 1937, a Sandeman engarrafou o seu Vintage 1935, comemorando, simultaneamente, o Jubileu de George V (1935) e a Coroação de George VI (1937) através de dois medalhões alusivos gravados nas garrafas.

fotos: cyberroach.com
O Vintage permanece em tonéis ou balseiros por cerca de dois anos até ser engarrafado

1942 - Ano excelente, mas pouco foi exportado devido a II Guerra Mundial, sendo praticamente todo consumido em Portugal.

1945 - Ano excepcional, quase todo engarrafado em Portugal devido às restrições inglesas de guerra. Abriu um precedente importante para o engarrafamento dos Vintage em Portugal e o fim das exportações a granel.

1950 - Vintage excepcional em sua delicadeza e doçura, conhecido como Lady´s Vintage.

1963 - Grande ano, muito intenso, ficou conhecido como Vintage Apotheosis.

1975 - Ano apenas bom, mas notável por ter sido o primeiro Vintage declarado após a Revolução dos Cravos, de 1974, em Portugal, e o primeiro Vintage a ser totalmente engarrafado em Portugal.

1994 - Um dos maiores do século XX, muito intenso. Os Vintage 1994 das casas Taylor´s e Fonseca Guimaraens foram Wine of the Year da revista Wine Spectator em 1997, marcando a primeira vez que um Vinho do Porto recebe tal honraria e a primeira vez que há um empate neste certame.

Sala de degustação

É importante lembrar que o vinho do Porto faz parte da vida inglesa tanto quanto a de seus heróis. Reza a lenda que o almirante Nelson, para muitos o maior gênio em estratégia naval da história britânica, na famosa batalha de Trafalgar (batalha naval que ocorreu entre a França e Espanha contra a Inglaterra, em 21 de outubro de 1805), teria desenhado o plano de combate para seus oficiais no tampo de uma mesa com um dedo molhado em Vinho do Porto. Só fica a dúvida, se foi possível usar o referido Porto como tinta, provavelmente tratava-se de um Vintage, mas de qual ano? Fazendo as contas, seria possível supor que o ilustre almirante usou como tinteiro um cálice da histórica safra de 1797?

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