A torre

Château Latour, o mais potente dos cinco Premiers Grands Crus de Bordeaux

por Arnaldo Grizzo

Quem de longe observa a torre redonda no meio da propriedade já sabe onde está pisando. A torre de Saint-Lambert, contudo, nem sempre teve esse formato e, segundo estudos, não foi construída originalmente no local onde se encontra agora. Aliás, por isso mesmo, não é dela que surgiu o nome de uma das principais propriedades vinícolas de Bordeaux, o Château Latour (tour significa torre, em francês).

Erigida no século XIV, durante a Guerra dos 100 anos entre França e Inglaterra, por Gaucelme de Castillon – membro de uma família poderosa no Médoc –, a torre de Saint-Lambert (que já foi chamada de Saint-Maubert e Saint-Mambert) servia de guarnição para tropas inglesas que dominavam a região. Acredita-se que ela ficava a cerca de 300 metros do rio Juillac e seu formato era quadrado. A torre atual, dita como tendo sido construída a partir dos restos da anterior – destruída ao fim da ocupação britânica –, foi erguida por volta de 1630 e serve como casa de pombos.

Apesar de cultivar vinhas desde os tempos de guerra, foi no século XVII que o Château Latour começou a traçar sua história no mundo do vinho, com a família Chavannes e depois a família Clausel. Porém, foi com o Marquês de Segur, Nicolas Alexandre, filho de Alexandre de Segur de Francs e Marie Thérèse de Clausel, que os vinhos passaram a ganhar fama. Conhecido como “Príncipe dos Vinhos”, na época, o marquês ainda possuía os Châteaux Lafite e Mouton (mais tarde Mouton Rothschild).

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Durante esse período, Lafite era a propriedade que recebia maiores atenções. Com a morte de Nicolas Alexandre em 1755 e a divisão de seus domínios, Latour recebeu maiores cuidados e, com a abertura do mercado inglês, começou a ser cultuado. Tanto que chegou a ser um dos vinhos favoritos de Thomas Jefferson, quando embaixador dos Estados Unidos na França. Na ocasião, já valia 20 vezes mais que um fermentado comum de Bordeaux.
Apesar de novas divisões de terra durante a Revolução Francesa, a grande reputação do Château se consolidou em 1855, quando Napoleão III classificou os domínios do Médoc e Graves e concedeu a Latour como sendo um Premier Grand Cru Classé. Assim, o Château (o edifício) foi construído entre 1862 e 64.

Em 1963, os herdeiros do Marquês de Segur venderam 75% das ações da propriedade para grupos ingleses, que a modernizaram. E, depois de 30 anos, ela voltou às mãos francesas de François Pinault, que a comprou por 86 milhões de libras. Além de Latour , o empresário possui um grupo de negócios que inclui as marcas Gucci, Yves Saint Laurent e até a famosa casa de leiloes Christie’s.

O terroir

Luna Garcia

Latour possui 78 hectares de vinhas na AOC (Appellation d’Origine Contrôlée) de Pauillac, sendo 47 que rodeiam o Château, chamada de L’Enclos, há 300 metros do rio Gironde. E somente uvas desta parte são usadas para produzir seu principal vinho, o Grand Vin. O clima no local, mesmo quando em condições extremas, é temperado devido à proximidade do rio e do Atlântico. Com invernos e primaveras com temperaturas mais brandas, a colheita pode ser feita mais cedo.

O solo consiste de pedras de seixo na parte superior, formadas pelo degelo dos Pirineus e do Maciço Central no período Quartenário. Em um solo tão pobre, somente a cultura da vinha sobrevive. Abaixo do cascalho – que permite a passagem da água e absorve o calor – vem a argila, mais rica em nutrientes, essencial na seca de verão, mantendo uma alimentação mínima para a planta, o que otimiza os níveis de açúcar.

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Em L’Enclos, 80% das uvas plantadas são Carbernet Sauvignon, que se valem do solo pobre de cascalho – o que faz com que as raízes, de cerca de 5 metros, procurem água e nutrientes em profundidade. A Merlot, plantada em regiões mais baixas – com isso as vinhas precisam “cavar” menos para alcançar solos mais nutritivos – representa 18% do total. Os outros 2% são de Cabernet Franc e Petit Verdot. As vinhas têm, em média, 40 anos.

O vinho

A fama dos vinhos de Latour é tamanha que os preços de safras históricas encontradas em leilões pode atingir números absurdos, como uma garrafa de 6 litros da mítica safra de 1961 que foi arrematada por US$ 62 mil. Reconhecido mundialmente como o mais potente dos cinco Premiers Cru de Bordeaux, un Grand Vin de Latour pode esperar até 20 anos para ser bebido.

Décadas e décadas a fio, o Château manteve a regularidade de seus vinhos. Suas características viris, com taninos muito presentes, são tidas como reflexos de seu terroir que mistura a potência de Pauillac e a fineza de Saint-Julien, que fazem lhe divisa. Muitas vezes, o Latour é referido também como a síntese entre retidão do Lafite e a opulência do Mouton.

Sua mescla entre força e sutileza também vêm da parte de Cabernet Sauvignon (75%) do blend – o restante é 20% Merlot, 4% Cabernet Franc e 1% Petit Verdot. Esse blend pode variar de ano para ano dependendo das características de cada casta em cada safra. A produção total por ano é de cerca de 400 mil garrafas, somando todas as propriedades – que compreende seu segundo vinho, Les Forts de Latour (também um clássico de virilidade), e o terceiro, Pauillac de Château Latour. O Grand Vin compreende pouco mais 200 mil garrafas anualmente.

Suas safras emblemáticas dos últimos séculos são 1928, 1929, 1947, 1949, 1959, 1961, 1964, 1966, 1970, 1982, 1986, 1990, 1996, 2000 e 2005. É tido que os vinhos da mítica safra 1961 possuem ainda uma juventude e beleza incomuns, com uma cor ainda cintilante – um reflexo alaranjado que se justifica pela passagem do tempo – e um nariz sensacional, com um pequeno toque de frutas, madeira delicada, fundo animal, um lado um pouco trufado e toque de café. Uma verdadeira obra de arte.

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