A versatilidade dos rosés

Adega visita o Barreado, charmoso recanto carioca de culinária brasileira, e colore a casa em vários tons de rosa

por Marcelo Copello

Camarão na Moranga e rosé: combinação tropical
Todos os anos, de junho a setembro, a chique Cote d’Azur é vista através de taças cor de rosa. No sul da França o vinho rosé é quase um estilo de vida. Jovem, leve, fresco, alegre e descomplicado, seco ou meio-doce, ele vem reconquistando a fama que teve no passado.

Até pouco tempo atrás era difícil ver uma garrafa de rosé na mesa de conhecedores. Muitos confidenciavam que antes de aprender a beber adoravam os rosados portugueses, que inundaram o nosso país na década de 70. A má fama se devia à falta de qualidade da oferta. Hoje dispomos de ótimos exemplares deste vinho cheio de sutilezas, refrescante e leve o bastante para ser usado como um branco, mas ainda com alguma relação com os reverenciados tintos.

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Seu charme está, sem dúvida, na cor, que vai de um delicado tom de pêssego até o cereja intenso, quase tinto. Em nossa cultura, o rosa representa a feminilidade, a ingenuidade infantil e o amor fraternal. Nos vinhos, se traduz em bebidas alegres, descompromissadas, quase fúteis. Para entender os rosados é bom lembrar que a cor dos tintos vem quase exclusivamente das cascas das uvas, logo é possível dosar-lhes a cor, controlando o tempo e a intensidade do contato do suco com as cascas das uvas. Assim, os vinhos rosados são obtidos por dois métodos principais: saignée ou sangria, e pressurage direct.

No primeiro filtra-se parte do mosto de um vinho tinto após um curto período de maceração, normalmente de oito a 24 horas. Este processo é o mais utilizado em todo o mundo e gera um tipo de rosado mais encorpado e de cor mais cereja. No segundo a maceração é bem mais curta e dura apenas o tempo em que as uvas são delicadamente prensadas pneumaticamente depois do esmagamento dos bagos (separação das cascas da polpa). O produto é um rosé leve, de cor delicada, que pode ser descrita como salmão, pêssego ou cor de casca de cebola. Este método é o utilizado na Provence e praticamente só lá.

Os rosés são muito versáteis. Podem ser usados como aperitivo, descem fácil se combinados apenas com uma boa conversa. À mesa normalmente se comportam como brancos encorpados ou tintos leves. Adaptam-se a pratos ligeiramente condimentados. As sugestões mais típicas são receitas mediterrâneas, como o Bouillabaisse (sopa de peixe e frutos do mar) e o Ratatouille (prato rústico provençal com vegetais condimentados), a Paella ou o Couscous Marroquino.

Mas estamos em solo tupiniquim e logo vem a pergunta: e as substanciosas receitas verde-amarelas, combinam com taças cor de rosa? Preparamos o Enogourmet deste mês para responder a esta pergunta.

Vinho pede contexto e como disse Goethe, "as cores são ações e paixões da luz", assim os vinhos rosados pedem luz e descontração. Pela primeira vez fizemos um Enogourmet no almoço e ao ar livre. Para tal fomos ao Barreado, um ambiente de boa culinária brasileira e compatível com o espírito de liberdade dos rosés, com mesas entre árvores, suave brisa e brilho do sol. Para dar seus testemunhos sentaram-se conosco: a chef e proprietária da casa Joana Carvalho, o jornalista Hugo Sukman, o empresário Bruno Vasilcovsky, Marcelo Ferreira, designer do Big Brother Brasil- 7 e produtor da série Vinho & Algo Mais, Mário Mamede, músico da banda MopTop, e Marcos Bittencourt, diretor de ADEGA.

Os vinhos escolhidos foram perfilados de modo a mostrar os contrastes entre a grande escola de rosados da Provence, leves e cheios de nuanças, chamados de vinhos de plaisir (prazer) e os mais estruturados, chamados vinhos de repas (para a refeição), aqui representados por um espanhol, um chileno e um brasileiro, todos de safras recentes, 2005 e 2006.

Para os pratos preferimos receitas bem conhecidas da culinária brasileira, que pudessem ser facilmente reproduzidas e, ao mesmo tempo, fossem substanciosas, e representassem, dessa maneira, um desafio aos rosados. Antes de partir para a prova, ouçamos nosso especialista

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A TEORIA por Guilherme Corrêa*

Ainda seduzido pela atmosfera mágica da Provença, de onde cheguei de um tour enogastronômico, escrevo estas linhas sobre a vocação dos vinhos rosés para a mesa. Certamente grandes vinhos rosés não são exclusividade daquela ensolarada terra mediterrânea, na própria França há outras regiões que ameaçam sua supremacia. Ainda na Europa, Espanha, Itália e Portugal entregam vinhos rosés de primeira grandeza.

No entanto, nenhuma região vinícola do mundo é tão especializada na produção de vinhos da tipologia rosé como a Provença, representando 75% da produção das 3 principais A.O.C.s locais, que por sua vez perfazem 94% da produção total da região: Côtes de Provence, Coteaux d'Aix en Provence e Coteaux Varois en Provence. Dona do vinhedo mais antigo da França, constituído pelos fenícios no séc. VI a.C., a Provença conhece o vinho rosé desde esta época, como atestam as artes antigas que sempre representam figuras de uvas sendo pisadas e o mosto sendo imediatamente drenado das cascas, isto é, sem maceração suficiente para se tornar um vinho A versatilidade dos rosés tinto. Além desta especialização milenar na produção de rosés, estes vinhos revelam um estilo único, que pode assustar aos incautos quando se deparam com uma taça cintilando um rosé cor de salmão extremamente tênue. A técnica da pressurage directe garante que o vinho, mesmo com tão pouca coloração e aromas tão delicados de frutas e flores e, por vezes, um discreto mineral, consiga ter uma boca expressiva, frutada, fragrante, nervosa e ao mesmo tempo macia. Estes deliciosos vin de plaisir afiam o nosso paladar para iniciar uma refeição, e transitam dos peixes e frutos do mar até as carnes brancas, desnecessário frisar o esplendor destes rosés ao lado de uma mesa provençal ou mediterrânea. São também verdadeiros curingas para enfrentar sabores exóticos da culinária japonesa e da tailandesa, além dos tajines marroquinos e dos curries indianos. E por que não com pratos perfumados brasileiros como o camarão na moranga e a moqueca de peixe? No primeiro caso acredito que o Cuvée du Golfe de Saint-Tropez irá trazer muita vivacidade à harmonização, opondo sua acidez vibrante à tendência ao doce da moranga e dos camarões. Talvez falte um pouquinho de estrutura na boca para fechar um casamento harmônico. Os outros dois rosés provençais irão se apresentar com uma moqueca de peixe, a minha opinião é que desempenharão um belo papel, pois estão bastante acostumados a representar em casa ao lado de substanciosos e condimentados ensopados marinhos.

Moqueca de PeixeCamarão na Moranga

Nas outras regiões vinícolas da França, da Europa e do Novo Mundo, predomina o método de saignée de elaboração de rosés, que sofrem uma maceração pelicular mais longa engendrando um vinho de cor rosé cereja mais intensa. Não somente na coloração, mas estes vinhos estão mais próximos dos tintos também no perfil de aromas, com muitas frutas vermelhas, notas herbáceas e especiadas em contraste com a tangerina e o pêssego tão presentes nos vinhos de pressurage directe. A boca também traz mais substância e calor que remetem aos tintos, embora com uma presença tânica quase que imperceptível. Em síntese, os rosés de sangria são mais gordos, mais potentes e amplos olfativamente, embora menos finos e frescos, e são mais vinhos sérios "de refeição" do que jubilosos "de prazer".

Tanto o bem logrado rosé da incrível vinícola Villa Francioni como o da vinícola PradoRey deverão ter a estatura ideal para conversar com o camarão na moranga, mas tenho a impressão que o caráter "cremoso" do vinho espanhol, derivado da fermentação em carvalho, irá criar um jogo de textura bastante envolvente com a moranga. O Santa Digna é um rosé agradável com toques herbáceos da Cabernet Sauvignon, e ficará bem com a moqueca se esta estiver mais ao estilo condimentado e untuoso da Bahia.

De um modo geral, todos os vinhos rosés trazem atributos tanto dos vinhos brancos quanto dos vinhos tintos, e por isso apresentam muita versatilidade à mesa, para alegria dos povos do mediterrâneo e nossa também, enogastrônomos neófitos que estamos descobrindo os seus encantos mais recônditos.

*atual campeão brasileiro de Sommeliers

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A PRÁTICA

O camarão na moranga
A moranga chegou fumegante à mesa, repleta de creme espesso. O prato surpreendeu por sua delicadeza de sabor, deixando a textura cremosa como elemento principal. Nos vinhos o contraste entre o estilo provençal e a força e modernidade dos demais caldos despertou ódio e paixão. Bruno, Marcelo e Hugo preferiram o Cuvée du Golf por seu frescor e maciez. Enquanto isso os demais ficaram com o vinho brasileiro, muito elogiado por todos como a melhor surpresa do almoço. O Villa Francioni ofereceu um meio termo entre o estilo leve provençal e a potência do espanhol. Por outro lado, para Marcos, Mário e eu, Prado Rey foi o vinho ideal para provar a abóbora pura, por sua tendência ao doce e potência de sabor. A única unanimidade da primeira rodada foi o Cuvée du Golf como melhor vinho para ser apreciado puro.

A moqueca de peixe
Ao ser destampada a panela de barro que guardava a moqueca, o aroma do prato espalhou-se rapidamente e combinou- se com os suspiros dos que aspiravam os aromas do primeiro vinho, o Pétale de Rose. Este primeiro rosado largou na frente, mas ao longo da prova perdeu um pouco dos aromas e foi ultrapassado por seu conterrâneo, o Cuvée Marion, que acabou como unanimidade, coisa rara em termos de harmonização. Todos elegeram-no como o vinho predileto para a moqueca por sua complexidade, perfil aromático e boa acidez. O Pétale de Rose, muito fino, teve sua maciez enfatizada com o prato e o perfil quase tutti-fruti do chileno não conversou com os coentros e o dendê do prato. Para Mário, Marcelo e eu o chileno deixou ótima impressão e saiu-se muito bem harmonizado com o pirão que acompanhava o peixe.

Como diria o russo Wassily Kandinsky (1866-1944) "A cor é a tecla, o olho o martelo e a alma o piano de inúmeras cordas". Possivelmente este grande pintor gostava de vinhos rosés e os escolhia pela cor e não só pelo paladar...

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OS VINHOS

PARA O CAMARÃO NA MORANGA

Cuvée du Golfe de Saint-Tropez 2005, Les Vigneron de Grimaud, Provence- França (KB-Vinrose, R$ 60). Elaborado com Grenache 80% e Cinsault 20% por pressurage directe. Cor muito clara em tons de salmão e rosa chá. Nariz delicado e elegante com notas florais e de frutas frescas. Paladar leve, macio, com 12,5% de álcool, de boa acidez, longo.

Villa Francioni Rosé 2006, Villa Francioni, São Joaquim- Brasil (R$ 52). Elaborado com Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Malbec, Syrah, Sangiovese e Pinot Noir, com 13,4% de álcool. Cor entre cereja e casca de cebola, muito bela, límpida e brilhante. Aroma elegante, de médio ataque, com frutas vermelhas na frente, embora não dominem e deixem espaço para especiarias e florais. Paladar seco, macio, elegante, bem equilibrado e longo. Confirma a qualidade e o bom gosto dos vinhos da Villa Francione, a melhor novidade surgida no vinho nacional nos últimos dois anos. Vale mencionar que garrafa é belíssima.

Prado Rey Rosado 2005, Real Sitio de Vontosilla, Ribera del Duero-Espanha, (Decanter, R$ 53). Elaborado com uvas Tempranillo, fermentadas em barris de carvalho onde permanecem por três meses. Um rosado dos mais estruturados, com 14,8% de álcool, aporte da madeira, pouco usada em vinhos rosés. Cor cereja intensa, límpida e brilhante. A intensidade da cor se reflete na potência aromática, muito frutado e com toques de baunilha e leves tostados da maderia. Paladar estruturado, quente e muito macio, quase com uma ponta de doçura no fim de boca.

PARA A MOQUECA DE PEIXE

Pétale de Rose 2005, Régine Sumeire, Provence-França, (KB-Vinrose, R$ 110). Elaborado com Grenache, Cinsault, Syrah e Mourvedre por pressurage directe. Cor muito clara, um rosa chá e quase amarelo pálido, com reflexos dourados. Aromas impressionaram bastante no início da prova, com elegância e complexidade (florais, frutas cristalizadas); Porém, eles se perderam após alguns minutos na taça. Paladar onde a maciez se sobrepõe a acidez moderada, com 12,5% de álcool, longo com final com toque de doçura.

Cuvée Marion 2005, Domaine du Val de Gilly, Provence-França, (KB-Vinrose, R$ 70). Elaborado por pressurage directe, 90% de Grenache e 10% de Barbaroux. Cor muito clara com tons tangerina, brilhante com reflexos dourados. No início seu nariz estava mudo, fechado, mas depois de alguns minutos abriu-se e mostrou elegância e boa complexidade, com toques florais e frutas secas. Paladar leve e de acidez muito boa, que se sobrepõe a seus 13% de álcool, longo.

Santa Digna Cabernet Sauvingnon Rose, Miguel Torres, Chile 2005 (Reloco, R$ 41). Um Cabernet Sauvignon elaborado por sangria. Cor de cereja intenso e brilhante. Bom ataque aromático com um inconfundível toque herbáceo dos Cabernets Sauvignon chilenos, além de amoras pretas, especiarias e muito frescor. Paladar macio, com 13,5% de álcool, boa estrutura de taninos para um rosado.

Tabela de notas
Extraordinário ( de 95 a 100 pontos)
(93 a 94)
Excelente (90 a 92)
(88 a 89)

Muito Bom

(85 a 87)
(83 a 84)
Bom (80 a 82)
(76 a 79)
Médio (70 a 79)(70 a 75)
-Fraco (50 a 69)(50 a 69)
= Beber
= Beber ou Guardar
= Guardar
Obs: preços aproximados no varejo, sujeitos à variação.

fotos: Geraldo Garciafotos: Geraldo Garcia
Joana CarvalhoMarcelo Copello
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Mário MamedeBruno Vasilcovsky
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Hugo SukmanMarcelo Ferreira
fotos: Geraldo Garcia
Marcos Bittencourt

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