A variedade dos vinhos argentinos

Especialistas avaliaram os vinhos argentinos e apontaram caminhos para o desenvolvimento de sua indústria vitivinícola

por Dirceu Vianna Jr

Garcia Betancourt
Carlos Calise
Na década de 1970, boa parte do consumo no país era de vinhos de pouca qualidade

Em 20 de fevereiro, 12 Masters of Wine de diferentes partes do mundo desembarcaram em Mendoza com o propósito de serem jurados no Argentina Wine Awards 2010. Foi uma atitude corajosa da indústria convidar alguns dos mais experientes e duros críticos do planeta para avaliarem os vinhos argentinos.
Depois de três dias de degustações intensas e longos seminários, durante os quais cada Master of Wine explicou, discutiu e revelou algumas oportunidades de mercado em diferentes partes do mundo para mais de 400 membros da indústria, era hora de tomar fôlego.

No fim da semana, enquanto alguns especialistas optaram por uma taça de Champagne antes do almoço e assistiram a um jogo de pólo com os Andes de pano de fundo - na bela propriedade de Cheval des Andes -, um pequeno grupo se reuniu ao redor de Ricardo Puebla, das Viñas de Altura, uma enciclopédia ambulante da indústria de vinhos argentina, para discutir o desenvolvimento desta indústria.

O passado
Considerando que a maior parte dos dados sugere que em 1970 o consumo de vinho na Argentina era de 90 litros per capta, Puebla foi inflexível ao dizer que o consumo era maior do que isso, indicando, precisamente, 112 litros per capta. De acordo com ele, cerca de 70% era branco. Os vinhos eram pobres em qualidade e, na maioria dos casos, com defeitos devido à oxidação. Os trabalhadores costumavam misturar vinho, água gaseificada e gelo para se refrescar durante e após um dia de trabalho. Naquele tempo, diz Puebla, os consumidores, não buscavam qualidade como hoje, ao invés disso, queriam volume. Em muitos casos, os rendimentos da vinha alcançavam 30 toneladas por hectare. Em comparação, hoje, um produtor consciente em Bordeaux limita seu rendimento a 8 toneladas, geralmente menos.

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fotos:Gustavo Sabez
Durante três dias, 12 Masters of Wine discutiram os desafios da indústria vitivinícola argentina com os produtores

Antes de 1990, não havia seleção de uvas. Elas eram colhidas e despejadas em containeres grandes e, algumas vezes, deixadas por várias horas a céu aberto, enquanto a oxidação ocorria. Controle de temperatura era raro. Rosemary George, uma prolífica escritora inglesa e Master of Wine, lembra de ter degustado vinhos durante uma viagem à Argentina em 1989 e concorda com Puebla. A qualidade era ruim e a maioria dos vinhos oxidados.

Foi por volta do fim da década de 1980 que o mercado norte-americano começou a mostrar interesse nos vinhos rotulados como varietais. Por volta da mesma época, as taxas de câmbio ficaram favoráveis às vinícolas, que começaram a importar tecnologia. Foi durante este período que uma grande troca de conhecimento aconteceu, o que ajudou a indústria a dar um salto. Essa consciência recém-descoberta é quase palpável quando se viaja através das regiões vinícolas. Vitivinicultores, produtores e donos de vinícolas trouxeram investimento e conhecimento de diversos cantos do globo, incluindo Itália, França, Estados Unidos, Espanha, Chile e até mesmo Brasil.

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fotos:Carlos Calise

Argentina hoje
A equipe selecionada para julgar a versão 2010 do Argentina Wine Awards degustou 650 vinhos das mais reconhecidas vinícolas, grandes ou pequenas. Depois de um exercício tão intenso, pode-se dizer, com confiança, onde a industria do vinho argentino está atualmente.

Brancos
Começando pelos brancos, há um bom progresso na vinificação de sua variedade emblemática, a Torrontes. Essa uva tende a mostrar um toque de amargor se não forem tomados os cuidados apropriados. Em muitos casos, isso ocorre, mas há muitos exemplos de produtores que trabalharam duro e conseguiram evitar o problema. Crios de Susana Balbo 2009, do Dominio del Plata, certamente vale a pena, assim como o Torrontes da Bodega Tapiz 2009.
Há bons exemplos de Chardonnay como da Bodegas Salentein 2009, se você gosta de vinhos com toque de madeira. O paladar europeu geralmente prefere maior frescor, elegância e finesse. Para consumidores que buscam estes estilos, a Argentina tem campo para melhorar.
Os Sauvignon Blanc argentinos geralmente decepcionam e bons exemplares são raros. Contudo, há vinhos interessante de variedades menos comuns como Viognier e a Bodegas Lagarde oferece uma boa amostra.

Rosés
Com o consumo de rosé crescendo rapidamente ao redor do mundo, não é de surpreender que alguns produtores tenham começado a levar essa categoria mais a sério. Um rosé bem feito é repleto de personalidade, agradável e refrescante. Essa tendência certamente irá se desenvolver no Brasil. Sem gastar muito dinheiro, um bom exemplar é o Crios de Susana Balbo Malbec Rosé 2009.

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Tintos - Malbec
É impossível falar dos vinhos argentinos sem mencionar o Malbec. Entretanto, é um fato surpreendente que a Bonarda tenha sido a variedade mais plantada na Argentina até o ano passado, segundo Ricardo Puebla. "A Malbec não era percebida como uma variedade de qualidade quando

saiu da França para a Argentina no começo dos anos de 1990", diz o encantador Hervé Birnie-Scott, diretor da Möet Hennessy. "As pessoas estavam arrancando as vinhas de Malbec mais antigas.
Tive de interrompê-las e explicar a elas que certamente havia potencial de qualidade ali", lembra Puebla.

Em uma das pontas da cadeia, a Argentina está produzindo belos Malbecs de bom custo-benefício, que podem ser apreciados sem gastar muito. Procure pelo Bodegas Nieto Senetier Reserva Malbec 2009. No lado de cima da escala de preços, há alguns exemplares interessantes do que a Malbec é capaz.
Vale a pena procurar pela Viñas Cobos Felino Malbec 2008, Pulenta Estate Gran Malbec 2007 e Finca Sophenia Synthesis Malbec 2008. Os preços podem ser altos, mas os vinhos mostram a real exuberância da fruta, excelente concentração de sabores e madeira bem assentada. É fácil entender por que os consumidores norte-americanos estão se apaixonando por esse estilo de vinho.

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Entre esses dois extremos há espaço para avanços. Muitos produtores estão sendo ambiciosos demais fazendo vinhos para envelhecer, o que, comercialmente falando, é suicídio. Neste estágio, é importante notar que mais de 95% dos vinhos comprados no mundo são consumidos em 24 horas. Na maioria dos casos, os poucos sortudos que possuem uma adega capaz de envelhecer vinhos a preencherão, quase que com certeza, com vinhos clássicos europeus; em certos casos eles podem incluir alguns exemplares top do Novo Mundo, mas raramente um vinho intermediário. Por que eles fariam isso?

Estes vinhos não costumam impressionar amigos ou ganhar valor com o tempo. Eles têm um propósito: dar prazer quando a rolha é sacada, mas muitos estão superextraídos, tânicos, com toque de amargor. É uma pena que os produtores, muitas vezes, estejam estragando uma fruta de tão alta qualidade.
Essa mensagem foi dada aos produtores durante o seminário realizado após a degustação. Esperemos que os produtores tomem nota para que, assim, possamos apreciar uma boa garrafa de um Malbec intermediário sem sermos atacados pelos taninos ou termos de esperar diversos anos que eles se suavizem.
Qualquer que seja o caso, se quiser apreciar um Malbec intermediário sem ir à falência, por que não apoiar um dos nossos e procurar uma garrafa de Penedo Borges Gran Reserva 2007, da Finca Don Otaviano, que pertence a um grupo de ambiciosos empresários brasileiros? O vinho ganhou uma respeitável medalha de prata na competição.

Outros tintos
A Argentina está começando a mostrar diversidade além da Malbec. Houve alguns exemplares excelentes, incluindo o Petit Verdot de Fincas Rewen 2008, o Pinot Noir de Salentein da safra 2008, o Bonarda da Bodegas Santa Ana 2008 e o Tempranillo feito pela adorável família Zuccardi, safra 2007. No entanto, o grande destaque desta prova foram os blends. Muitos vinhos receberam uma resenha positiva do painel de jurados, incluindo Cantinian Reserva 2008, Bodega Navarro Correas Strutura 2006, Viña Las Perdices Tinamú 2007 e Magdalena Toso, da Bodegas y Viñedos Pascual Toso. O último está certamente entre os mais finos vinhos argentinos do momento.
Este resultado é suficiente para considerar se o futuro da Argentina é realmente a Malbec, ou eles poderiam produzir seus melhores vinhos usando a Malbec como variedade dominante no blend, mas adicionar profundidade e complexidade através de parcerias com Merlot, Syrah, Petit Verdot, Cabernet Sauvignon ou Cabernet Franc?

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Espumantes
Os vinhos espumantes, na maioria dos casos, não conseguiram impressionar. Sim, há alguns exemplares adequados, mas, em geral, a qualidade deixa a desejar. Quando bons exemplares são encontrados, os preços são muito altos para representar bom custo-benefício. Isso pode dar aos produtores de espumantes do Brasil uma oportunidade de entrar no mercado mundial mostrando que eles são capazes de produzir vinhos com preços razoáveis.

Late Harvest
Uma novidade e agradável surpresa foram os poucos, mas extremamente bem feitos, Malbecs late harvest (colheita tardia). Dependendo do estilo, as uvas são colhidas por volta de maio ou junho com alto potencial de álcool. Estes vinhos são fermentados a aproximadamente 13% de álcool, deixando altos níveis de resíduo de açúcar presentes. Este estilo de vinho pode não ser um produto de alta rotatividade, mas certamente é um ponto de diferenciação e pode fazer um par glorioso com sobremesas mais ricas. Além desse estilo, houve alguns grandes exemplares de vinhos de sobremesa, como Famiglia Late Harvest Semillon 2004, da Valentin Bianchi Sacif.

O futuro
O futuro da indústria vinícola argentina está em boas mãos. Os produtores são apaixonados pelo que fazem. Eles são otimistas, profissionais e muitos são indivíduos talentosos que estão ansiosos para trocar conhecimento com o resto do mundo, para aprender e se adaptar.
A Argentina é abençoada com um grande terroir, incluindo sol abundante e recursos hídricos dos Andes.
Devido à contínua troca de conhecimento, a maioria das vinícolas possuem tecnologias modernas que as capacita a fazer um vinho de boa qualidade em diferentes faixas de preço.

Experimentos
Um alerta: os produtores devem olhar mais para o futuro. Experimentos com novas variedades de uvas são raros, os níveis alcoólicos dos vinhos já estão no patamar mais alto, a acidez é tipicamente baixa e, quando o aquecimento global começar a mostrar sua cara, esta questão pode ser agravada. Isso certamente será um problema se não forem feitos planos apropriados. Por que não há mais produtores experimentando uvas que se desenvolvem bem no calor? Variedades como Marselan, Verdelho, Tempranillo, Vermentino, Caladoc, Petit Verdot etc.

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A julgar pela qualidade do blend dominado por Malbec, há, sem dúvida, espaço para esses vinhos no futuro e algumas dessas uvas podem ter um papel a desempenhar. Será interessante se os argentinos puderem criar suas próprias terminologias para esses vinhos, como os norte-americanos fizeram com o blend bordalês, nomeando-o "Meritage" - embora seja preferível uma terminologia mais atraente.

Evolução do estilo e diversidade
É provável que vejamos uma evolução nos estilos. Vinhos potentes, ricos, com muita madeira que costumeiramente são favorecidos pelos consumidores norte- americanos evoluirão em direção a um estilo mais elegante, com menos fruta aparente e menos madeira. Alberto Arizu, da vinícola Luigi Bosca, acredita nisso e sua opinião é compartilhada por muitos outros produtores. Um pedido de muitos Masters of Wine, jornalistas e membros da indústria, especialmente os europeus, é que os argentinos diminuam o peso das garrafas que usam para vinhos ícone, a fim de reduzir as emissões de carbono na atmosfera e demonstrar responsabilidade social.
Olhando para o futuro, é provável que comecemos a encontrar mais diversidade na terra da Malbec. A competição revelou quão bem variedades como Bonarda, Pinot Noir, Tempranillo, Shiraz, Petit Verdot e Viognier se desenvolveram. Isso ficará aparente nos próximos anos. A Argentina está em alta e, dado todos os fatores positivos observados nessa visita, o melhor ainda está por vir.

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