Bendita harmonização

De um lado uma das paixões nacionais, a pizza. Do outro, a maior paixão de nossos leitores: o vinho. Acompanhe o embate entre esses ícones

por Luiz Gastão Bolonhez

Como uma das missões de ADEGA é quebrar paradigmas e aproximar o vinho de nossos leitores, nas mais diversas situações, resolvemos inovar no “Enogourmet” de nossa edição de aniversário. Mania nacional e obsessão dos paulistas, a pizza está nas mesas do Oiapoque ao Chuí. Mas uma cidade dá especial atenção a essa delícia. Estatísticas mostram que São Paulo é a cidade que mais consome pizza no mundo. A associação entre pizza e bebida costuma remeter a maioria dos brasileiros à cerveja ou o chopp. Sem dúvida, os maiores motivos do sucesso dessa dupla são o clima, o preço do vinho em comparação ao do fermentado de cevada e, por último e mais importante, a nossa falta de hábito de ter o vinho à mesa. Com todo respeito ao chopp e a cerveja, o que harmoniza melhor com pßizza é vinho.

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A pizzaria escolhida para nossa missão foi uma das mais especiais de São Paulo, A Bendita Hora, projeto familiar de Alexandre Bacellar, sua esposa Eduarda e seus três filhos. Alexandre começou fazendo pizzas em casa, exclusivamente para os amigos. A fama espalhou-se pela vizinhança e não demorou para mudar a trajetória de sua vida. Abriu a primeira Bendita na cidade histórica de Santana de Parnaíba (hoje substituída pela casa de Alphaville).

A casa de Perdizes, no Sumaré, destaca- se por sua unicidade. Uma recepção simpática leva a uma pequena sala que tem uma vitrola e milhares de discos em vinil. Um local disputado pelos apaixonantes chiados. Ao atravessar um corredor e descer uma escada, chega-se a um belo local. A decoração é inspirada na preservação do meio ambiente e da história, com a utilização de material reciclado e móveis de antiquário. Dois grandes fornos de pizza recebem os comensais em alguns ambientes. Um lindo pomar, antigo local de espera, abriga mesas embaixo de árvores frutíferas e um amplo salão.

Foi nesse cenário que reunimos um seleto grupo de apaixonados por vinho e por pizza: Alex Ronay (arquiteto), Bettina Vaz Guimarães (artista plástica), Jussara Ferraz (dentista), Débora Carvalho (assessora de imprensa), Fábio Leme (executivo do setor financeiro), Alfredo Moraes (empresário do setor financeiro), Marcos Bittencourt (executivo de marketing), Christian Burgos (empresário e publisher de Adega) e eu, seu editor de vinhos.

Christian BurgosFábio LemeJussara Ferraz
fotos: Piti Reali
Alex RonayBettina Vaz GuimarãesAlfredo Moraes
Débora CarvalhoLuiz Gastão BolonhezMarcos Bittencourt

A maratona foi muito bem estudada, pois o assunto não é tão trivial quanto parece. O início seria com uma especialidade da Bendita Hora, seguida por seis pizzas, sendo uma doce, para a sobremesa. A única traição à pizza foi o delicioso encontro entre a Berinjela ao Forno e um Prosecco. Foi uma imponente abertura tanto do lado gastronômico quanto do enológico. A berinjela fatiada é coberta com molho de tomate, catupiry e muçarela. Esse conjunto é gratinado no forno com cobertura de parmesão e toques de alho. O companheiro dessa iguaria foi o “Prosecco Rústico”, do produtor Nino Franco. Christian Burgos comentou: “A intensidade da berinjela com o queijo é contrastada pela leve doçura desse Prosecco”. Uma abertura 100% italiana, que tem tudo a ver com pizza.

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"Berinjela ao Forno"

O segundo encontro foi mais ousado. De um lado o “Calzone de Brócolis” e do outro um vinho branco. A escolha dessa harmonização foi muito difícil, pois deveria ser com um branco. Mas qual? Arriscamos um Chardonnay do Chile, com madeira e fruta na medida exata. O Calzone tinha, além do Brócolis, ricota fresca e catupiry, todos refogados no azeite e com uma porção generosa de parmesão, para gratinar. Um Calzone completamente crocante por fora e com muito frescor por dentro. O equilíbrio entre a massa, os queijos e o brócolis é impressionante. Ao casar com o delicioso e jovial Chardonnay, tivemos uma sensação de equilíbrio total na boca. Jussara, uma fã confessa de brancos, não hesitou em votar, no final do jantar, nessa harmonização como a mais perfeita de todas as testadas.

O próximo encontro foi com uma das pizzas ícones da casa, a de Abobrinha. O consorte dessa delícia foi o vinho “Concentus 2004”, do produtor Pizzato, da nossa Serra Gaúcha. Importante ressaltar que a Bendita Hora reserva espaço especial para as vinícolas brasileiras em sua carta de vinhos. A pizza é realmente deliciosa, pois é uma tradicional pizza de muçarela coberta por finas fatias de abobrinha com toques de parmesão. O Concentus, de acidez marcante e muita vivacidade, precisava de muita untuosidade na boca. Bingo! A intensidade da muçarela cremosa, atenuada pelo frescor da abobrinha, casaram com perfeição com o vinho escolhido. Alex denominou essa combinação de Light, pois tanto vinho quanto pizza apresentavam média intensidade.

"Calzone de Brócolis"

Nessa altura todos já estavam seguros de que vinho e pizza tinham tudo a ver. Nesse momento chegou à mesa um vinho francês, mais precisamente um Crozes-Hermitage. O primeiro ataque desse Syrah é de um vinho natural, com toques selvagens, de terra, muita personalidade. Para acompanhar esse delicioso vinho precisávamos de uma pizza com muita personalidade. A pizza “Italiana” do Bendita é elaborada com muçarela, tomatinho e manjericão, e coberta por muçarela de búfala. Uma pizza que não queima a língua, pois a muçarela de búfala chega morna, justamente por ser in natura. O clímax dessa intrigante harmonização foi o detalhe do tomatinho crocante cru, que tinha certa acidez para equilibrar a gordura da muçarela e preparar a boca para o selvagem Syrah. Essa harmonização foi a mais difícil e, talvez por isso, a mais impressionante. Débora suspirou e disse: “Parece que foram feitos um para o outro, pizza e vinho”. Um encontro franco-italiano, digno de final de copa do mundo.

A penúltima pizza “salgada” foi a “Trio Funghi”, com Shimeji, Shitake e Cogumelos, com lascas de parmesão gratinado. Uma pizza que apesar de parecer simples é muito intensa. Para acompanhar essa miscelânea de aromas e sabores decidimos colocar um vinho de aromas marcantes e intensos, com muita estrutura no corpo. O “Cadus Malbec 2002” foi o escolhido. Na mesa, um encontro de dois pesos pesados em personalidade. A predominância da pizza eram os toques marcantes do trio de funghi que se entrelaçaram com a força aromática e a presença desse imponente Malbec.

"Pizza de Abobrinha"

O último encontro antes da pizza doce foi entre uma das mais queridas e famosas pizzas, a calabresa, e um dos vinhos italianos de maior prestígio no mundo, um Chianti, que “casa” de maneira genérica com pizza. A “Calábria”, como é batizada na Bendita Hora, chega à mesa com muçarela fumegante e finas fatias de calabresa, levemente apimentadas, quase queimadas, com algumas azeitonas pretas. Essa versão calabresa da pizza, com mais charme, já que tem muçarela em sua base, foi aplaudida por todos. O “Chianti Riserva Riecine 2000” estava delicioso e macio. Essa maciez foi fundamental para termos a combinação mais harmônica entre todas da noite, na opinião da maioria dos presentes.

"Pizza de Chocolate"

Depois dessa degustação de delícias chegou a hora da mais clássica das harmonizações da noite. Chocolate e Banyuls. Harmonizar vinho e chocolate é uma tarefa difícil; só um vinho fortificado e doce pode enfrentar algo tão intenso como o chocolate. Um vinho do porto tawny é uma opção, mas é o Banyuls que leva a medalha de ouro com chocolate. Esse vinho, produzido no Roussillon, sul da França, com uvas Grenache, é fortificado com aguardente vínica (muito parecido com o processo da produção do vinho do Porto). A pizza é preparada com chocolate em barras e creme de leite, como se fosse um fondue. Vai ao forno e chega à mesa crocante, com o chocolate cremoso e consistente. Esse monumento de sobremesa, ao receber a doçura e a força alcoólica do Banyuls (16%), transforma o palato em uma sinfonia. Provar uma harmonização como essa é um privilégio e deve ser experimentada por todos os amantes da boa mesa. Como tudo no Brasil, acabamos em pizza, mas nesse caso acabamos muito felizes. Na era do Papa Bento XVI, acabamos todos abençoados por Benditas Harmonizações.

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Vinhos da Noite
fotos: Piti Reali

Prosecco Rústico, Nino Franco, Vêneto, Itália (Expand, R$58,00). Primo Franco comanda a casa que seu avô fundou com incrível maestria. Seus Proseccos são sensacionais. Perlage muita fina e não muito abundante. Aromas deliciosos e frescos com toques levemente cítricos. Na boca é confirmado o frescor, mas tem corpo e finaliza quase doce, sem nunca ser enjoativo. Um vinho ideal para começar qualquer evento.

Legado Chardonnay 2005, De Martino, Vale de Limarí, Chile (Decanter R$45,08). Mais um branco delicioso da mais nova sensação do Chile, o lindo Vale de Limarí, no distrito de Coquimbo ao norte de Viña del Mar. Linda cor amarelo com toques esverdeados. Aromas muito limpos de fruta madura. Temos maçã e pêra. A madeira tostada é presente e seu final é levemente amanteigado. Na boca é volumoso, rico e com ótimo retrogosto. Pronto para ser degustado.

Concentus 2004, Pizzato, Vale dos Vinhedos, Brasil (Pizzato, R$40,40). Um blend de Tannat, Merlot e Cabernet Sauvignon. Um belo tinto que mostra de verdade que estamos no caminho certo. Isso é fruto de muita dedicação de Ivo Pizzato, que decidiu fazer um assemblage com três de suas melhores cepas. Cor rubi presente. Aromas levemente rústicos, mas com fruta e madeira presentes. Na boca, apesar de ainda estar muito jovem, mostrou presença e não fez feio a vinhos de muito mais prestígio. Ficar melhor com mais um ano de garrafa.

Crozes-Hermitage 2005, Domaine de Colombier, Vale do Rhône, França (WorldWine/La Pastina, R$ 96,00). Bonito rubi com toques púrpuras. No nariz, o primeiro ataque é de um vinho selvagem, natural e com muita personalidade. Super apimentado, com fruta e álcool, na medida, e muita presença. Na boca é realmente diferente, com toques terrosos e final de especiarias. Muito bom hoje e com mais três anos de plenitude na garrafa.

Cadus Malbec Single Vineyard 2002, Nieto Senetiner, Mendoza, Argentina (Casa Flora, R$128,00). Cor rubi quase violeta (toques azuis) de tão profunda. Muita fruta com destaque para ameixas negras e saborosas notas tostadas. Finaliza com uma deliciosa baunilha. No palato é intenso e de corpo marcante. Seus taninos são de boa qualidade, fruto de uva madura de uma das melhores safras dos últimos anos de nossa vizinha Argentina. Um vinho para quem gosta de força e presença. Bom hoje, mas estará melhor em um ano.

Chianti Clássico Riserva 2000, Riecine, Toscana, Itália (Vinci, US$99,50). Cor rubi. Seu nariz é encantador. Maduro, profundo, delicado e muito concentrado. Na boca seus taninos parecem polidos. Muito caráter e boa intensidade de frutas maduras. Tudo na medida. Sua acidez suave e equilíbrio encantam. Um exemplo de vinho prontíssimo para ser degustado. Finaliza com muita maciez e elegância.

Banyuls 2004, M. Chapoutier, Roussillon, França (Mistral, R$68,98). Elaborado com uva Grenache, ele é fortificado com aguardente vínica. Seus aromas são encantadores, com muita fruta madura, madeira de boa qualidade e final levemente lácteo (chocolate e baunilha). Na boca é equilibrado, vigoroso e intenso. Um vinho doce com final fresco. Seus 16º de álcool estão na medida certa. A grande companhia para chocolate. Muito bom hoje e com mais dez anos de guarda.

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