Bistrô português

No restaurante Trindade, navegamos pelos sabores e aromas dos pratos e vinhos de Portugal, sempre buscando a harmonia

por Luiz Gastão Bolonhez

Fotos: Luna Garcia

Em homenagem aos nossos descobridores, ADEGA promoveu uma harmonização especial de tradiconais pratos portugueses com vinhos também vindos de nossa antiga Metrópole. O local foi o restaurante Trindade, uma filial descontraída do já consagrado A Bela Sintra, do restauranter Carlos Bettencourt, na badalada rua Amauri, no Itaim, em São Paulo.

O que mais surpreende no Trindade, além da culinária esmerada, é o ambiente e o serviço. Ilda Vinagre, nascida no Ribatejo, comanda as receitas da casa e o sommelier Luciano João Brissan, a adega e o excelente serviço de vinhos. Em nossos longos Enogourmets sabemos que a cadência e o ritmo são fundamentais e, nesse quesito, Luciano foi exemplar.

Pratos e vinhos servidos com uma sintonia e temperatura de deixar todos à mesa impressionados. O ambiente tem certa sofisticação, mas prima pela descontração. O projeto é dos mesmos arquitetos da casamãe, Toninho Noronha e Miguel Vigil, que, no caso do Trindade, retrataram a paisagem da ribeirinha cidade do Porto em uma parede usando um imenso painel feito com lona de caminhão

Combinações portuguesas

O planejamento da noite foi especial, pois os vinhos que tínhamos escolhido para o evento, somente portugueses, eram uma homenagem à casa e também à nossa capa do mês. Lançamos o desafio à chef, que rapidamente sugeriu um menu com base em algumas premissas.

Nossa sugestão foi que iniciaríamos com um espumante acompanhando o fabuloso couvert da casa, seguido de uma salada verde - um desafio, em nossa primeira vez, só com folhas. Depois, tínhamos que passar obrigatoriamente por um bacalhau e um assado. Entre esses dois pratos, não poderíamos deixar de ter o famoso arroz de pato da casa.

A sobremesa, é claro, um doce português, que foi servido com um inusitado Vinho do Porto com mais de 30 anos e, ainda, branco. Nosso encontro contou com Fernado Lisboa (empresário), Rogério Calderón (executivo do setor financeiro), Eduardo Gama (executivo do setor automotivo), Marcelo Moraes (executivo setor financeiro), Régis Andaku (executivo do setor tecnologia da informação), Christian Burgos (publisher de ADEGA) e seu editor de vinhos.

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Espumante e rissole

No começo, o sommelier Luciano discretamente pediu autorização para servir o borbulhante espumante da Estremadura. Nosso escolhido para começar a deliciosa noite foi o espumante Branco de Brancas Chardonnay Loridos 2005. Este vinho é produzido no Solar dos Loridos, nas cercanias da lindíssima Óbidos, ao norte de Lisboa.

O enólogo Vasco Penha Garcia é um dos mais competentes da terra de Cabral e seguramente um dos mais simpáticos. Seus espumantes são carregados de estilo e personalidade. Seu branco de brancas talvez seja o melhor dentre todos e, para nossa sorte, acabaram de chegar ao Brasil.

Por se tratar de um vinho de pouca produção, sempre acaba rapidamente .Pois bem, a acidez, vivacidade e elegância desse espumante casaram de maneira impecável com o couvert da casa. Não estamos falando de um couvert comum.

Os destaques são os rissoles de camarão, o croquetinho de carne e o famosíssimo minibolinho de bacalhau. O destaque da harmonização foi com o cremoso rissole, que casou impecavelmente com o espumante. A acidez do vinho foi contrabalanceada pela cremosidade da iguaria recheada de camarão.

Vinho Verde e salada verde

Chegava a hora do grande desafio de harmonização. Nosso debut de folhas com vinho. A salada foi montada com alface americana, agrião, rúcula e endívia, acompanhada de um leve molho à base de azeite, limão e sal grosso. Sozinha, a salada estava deliciosa, com um marcante frescor. Para estar ao seu lado, escolhemos um dos mais importantes Vinhos Verdes de Portugal, o Palácio da Brejoeira 2006.

O verde e a certa rusticidade da salada precisam de algo mais delicado e com alguma doçura. A harmonização foi pelo contraste e casou muito bem. Para os apreciadores de folhas, o Alvarinho passa a ser uma boa opção. "Casamento perfeito", comentou Calderón, ressaltando que: "O vinho é máxima expressão dos frescos Alvarinhos portugueses".

Massa portuguesa (?) e branco pungente

O próximo encontro foi a surpresa da noite. Em Portugal, é quase impossível achar massa. Nosso macarrão por lá é raridade. Pois bem, a chef resolveu inovar e servir um Penne integral com molho também italiano, de nome Pizzaiolo. Ele foi preparado à base de tomate, alcaparras, tenras azeitonas pretas, manjericão, toques de alho e azeite extravirgem.

O conjunto estava provocante, com a azeitona e a alcaparra colocando força no prato. Para estar ao lado desse diferente conjunto para um restaurante português, escolhemos talvez o mais exuberante vinho branco de Portugal, o Esporão Private Selection 2007. Prato firme e com personalidade harmonizou perfeitamente com a pungência, acidez e adorável corpo desse delicioso branco.

Eduardo Gama, que apesar do sobrenome português também é fã da culinária italiana, comentou: "Uma deliciosa massa, que alia leveza e força, precisava de um grande branco.Aconteceu o que queríamos. Vinho e prato cresceram um ao lado do outro".

Bacalhau! Tinto ou branco?

A próxima sonata, o famoso Bacalhau Nunca Chega, ao lado do primeiro tinto. Que vinho pode acompanhar a potência do bacalhau cozido e desfiado preparado com batata palha frita, presunto magro, salsinha e ovo mexido? Um branco? Tinto?

Para esse prato teremos sempre um risco eminente com brancos, e tintos especiais podendo fazer bonito. Escolhemos um tinto, dos mais elegantes do país de Camões, o Quinta dos Roques Reserva 2003. O prato potente e complexo, com o ovo e o presunto complementando a força do bacalhau, casou muito bem com a acidez, fruta na medida e personalidade do delicioso tinto.

Marcelo Moraes elogiou a harmonização, mas não deixou de comentar que voltou ao Esporão Branco e achou a harmonização até mais adequada. Vale a dica, sempre tendo em mente que, para esse prato, não podemos ter vinhos ralos e sem presença.

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Arroz de pato e Cabernet

Após o bacalhau começaríamos a subir na intensidade dos pratos. O conjunto foi, de um lado, o tinto português de alma francesa, o Cabernet Sauvignon Grande Escolha Coleção Privada Martim Avilez 2003, em garrafa Magnum (foram engarrafadas somente 500 unidades nesse formato), do outro lado, o fabuloso e delicioso Arroz de Pato, que deveria ter o sobrenome Bettencourt, pois tanto no Trindade quanto no A Bela Sinta, esse prato faz realmente muito sucesso.

O arroz foi servido muito quente em uma pequena forma de cobre com uma linda apresentação. O prato esbanja força, com muito azeite unindo o pato desfiado a um delicioso paio português. A sensação no palato é de muita riqueza e intensidade e, para acompanhá-lo, somente um vinho com características semelhantes. "O Cabernet português cumpriu muito bem esse papel", disse Fernando Lisboa.

Alentejo e Douro juntos

O último encontro "salgado" foi o extratenro Cordeiro Assado à Alentejana. Para apaziguar a rivalidade entre as duas regiões mais importantes quando se fala de vinhos em Portugal, decidimos colocar um dourense de estirpe, o Poeira 2005.

Sem dúvida foi a mais fácil harmonização da noite, pois o prato estava delicioso e com enorme equilíbrio. O vinho extremamente perfumado, com toques de frutas maduras e muita carga floral, estava em total sintonia e fez o cordeiro ficar ainda mais especial. Sem nenhuma briga à mesa, Douro e Alentejo fizeram uma boa dupla.

Fotos: Luna Garcia

Porto

Depois do show de sincronia, talento e dedicação do time do Trindade, tínhamos pela frente uma harmonização convencional, mas nem tanto.

A sobremesa, para fechar essa esplêndida noite, foi a Sericaia do Alentejo - que vai bem com Porto, mas normalmente com Porto Tinto. Ousamos e colocamos um Porto, mas branco.

A sobremesa sutil e ao mesmo tempo forte estava com uma textura impressionante. Provocantemente doce, esperava por um vinho também doce que tinha de ter personalidade, pois, na Sericaia, o ovo é a espinha dorsal. O Special Reserve White Port da Casa de Sta. Eufêmia - vinho elaborado com uvas da longínqua safra de 1973 - fez bonito, encerrando uma noite portuguesa com certeza

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