Uma das variedades viníferas mais plantadas no Rio Grande do Sul até a década de 1980
por Por Eduardo Milan
Como revista especializada, é função de ADEGA estar sempre um passo à frente, identificando e informando tudo o que há de tendência e novidade no mercado de vinhos. E nossa equipe é inquieta por natureza; para nós, além de explorar o que há de novo, é essencial entender o porquê das coisas, delinear pontes, aguçar não apenas os leitores, mas também produtores.
Através de nossas degustações – e também devido à participação na equipe do Guia Descorchados – notamos que, nos últimos quatro ou cinco anos, a Argentina tem produzido vários Cabernet Franc dignos de serem colocados entre os melhores do mundo, sejam eles mais concentrados e potentes – que podemos associar a um estilo mais bordalês – sejam no estilo mais fresco e tenso – que podem ser associados aos elaborados no Loire, mais precisamente em Chinon e Bourgueil.
A Cabernet Franc foi introduzida no Rio Grande do Sul pela Estação Agronômica de Porto Alegre, por volta de 1900
Porém, muito antes de essa onda de Cabernet Franc argentinos começar, o Brasil já cultivava com força essa variedade. Você sabia que, na década de 1970 e 1980, a Cabernet Franc era a variedade de vitis vinifera mais plantada no Rio Grande do Sul? Ou seja, a vocação do nosso terroir para receber essa cepa é indubitável, embora muitos de seus vinhedos tenham sido substituídos por videiras de outras castas. As questões que ficam no ar são: qual o motivo disso e vale a pena recuperar a Cabernet Franc de um modo mais contundente?
Uva de aromas intensos e boa estrutura, parente da Cabernet Sauvignon, a Cabernet Franc é uma das mais antigas cepas de Bordeaux, onde compõe blends, destacando-se também no Vale do Loire, graças a seus varietais.
A história da Cabernet Franc no Brasil vem de longa data. De fato, foi introduzida no Rio Grande do Sul pela Estação Agronômica de Porto Alegre, por volta de 1900. Nos anos 1920, os Irmãos Maristas já a cultivavam comercialmente em Garibaldi. A grande difusão da cepa, contudo, ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, tornando-se a base dos vinhos finos tintos brasileiros nesse período. Mais tarde, acabou sendo relegada a segundo plano e gradualmente substituída pela Cabernet Sauvignon e pela Merlot. Até poucos anos atrás, chegou a ser vendida pelo preço de uva comum.
Não obstante, é uma planta vigorosa, de média maturação, que se adapta bem a solos calcários. E mais, a vinha de Cabernet Franc floresce e amadurece seus frutos mais cedo do que outras variedades. Assim, ela se adapta bem às condições da Serra Gaúcha onde, sabidamente, há anos em que o amadurecimento é mais complicado devido às condições climáticas, principalmente quando se tem incidência de chuva próxima à época de colheita. Fato é que, em vinhedos trabalhados com atenção e cuidado, conseguem-se uvas de boa qualidade, com potencial para produzir vinhos com tipicidade e de padrão excepcional.
Na verdade, em algumas degustações de ADEGA, notamos que, no passado, produziram-se vinhos de muita qualidade e com capacidade de envelhecimento com a Cabernet Franc no Brasil. Foi provando um rótulo da safra 1999 que nos perguntamos qual seria a razão para que não se produza Cabernet Franc em maior quantidade já que mostra tanta qualidade e potencial?
Em uma conversa informal, João Valduga foi contundente: “Os clones que tínhamos plantados não eram de qualidade, tivemos muitos problemas de sanidade das vinhas e acabamos tendo que trocá-las por outras variedades”. Tudo indica que a experiência da Casa Valduga não foi um fato isolado. Em outras vinícolas, videiras de Cabernet Franc também passaram a, com o tempo, produzir menos cachos e uvas com qualidade inferior.
Gráficos da Embrapa mostram que, em 1985, produziu-se pouco mais de 10 mil toneladas de Cabernet Franc e que, em 2001, esse número havia caído para aproximadamente 2,5 mil toneladas. Os números refletem o que aconteceu com a cepa no Brasil: as vinhas foram praticamente erradicadas no Rio Grande do Sul – tanto na Serra Gaúcha, quanto na Campanha – e depois reintroduzidas gradativamente, através de outros clones mais saudáveis.
Anos atrás, a variedade chegou a ser vendida a preço de uva comum
A boa notícia é que essas novas vinhas já vêm produzindo, e produzindo bem. Atualmente, temos poucos, mas muito bons, rótulos dessa variedade sendo feitos no sul, tanto no Vale dos Vinhedos, quanto na Campanha Gaúcha, em Flores da Cunha e, principalmente, em Pinto Bandeira. O melhor de tudo é que a Cabernet Franc tem sido aproveitada para vinhos em um estilo mais concentrado e de fruta mais madura, como os rótulos da Valmarino, da Casa Valduga e da Luiz Argenta – que podemos associar a uma inspiração mais bordalesa – e também num estilo mais frutado, fresco, menos concentrado e com mais acidez, como os produzidos pela Aurora – com seu Pequenas Partilhas – e pela Vinha Unna, que podemos associar aos vinhos produzidos em Chinon e Bourgueil, no Loire. Não estamos afirmando aqui que esses vinhos pretendam ser cópias de rótulos dessas regiões, somente que seu estilo remete, positivamente, a esses lugares.
Falando mais especificamente da degustação desses vinhos que nos lembram o Loire e que motivaram este artigo, concluímos que, ainda de um modo discreto, surge uma outra visão, que pode indicar uma nova possibilidade e também um novo estilo de vinho no Brasil, que não repudia os taninos um pouco mais ásperos e a acidez mais evidente, mostrando um outro lado da fruta. Nem melhor, nem pior, mas diferente, o que consideramos ser o mais importante. E, em nossos dias, em que a tendência por vinhos com mais frescor, menos extraídos e menos concentrados está cada vez mais consolidada – estilo que vem sendo aclamado pelos críticos mais influentes do mundo – esses “novos” Cabernet Franc são muito bem-vindos.
OrigemEmbora seja muito conhecida pela importância que tem em Bordeaux e no Loire, pesquisas genéticas recentes determinaram que a Cabernet Franc, na verdade, tem sua origem no País Basco, guardando relação com as uvas Morenoa e Hondarribi Beltza. Teria cruzado a fronteira da Espanha para a França pelas mãos de padres Roncesvalles. |
AURORA PEQUENAS PARTILHAS CABERNET FRANC
Durante a degustação, ficou clara a evolução do vinho para melhor safra após safra, consequência de maiores cuidados no vinhedo e na cantina, mas principalmente por um melhor entendimento da uva Cabernet Franc e do estilo que ela pode dar. Percebe-se uma mudança de interpretação, no sentido de que as notas de pirasina, quando em excesso, podem ser indesejáveis, mas as notas herbáceas lhe conferem uma sensação de frescor e são, no caso dessa variedade, muito bem-vindas.
AD 86 pontos
PEQUENAS PARTILHAS CABERNET FRANC 2002
Cooperativa Vinícola Aurora, Serra Gaúcha, Brasil (fora de catálogo). Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos acastanhados e aromas de frutas vermelhas maceradas e ao licor, tudo envolto por pronunciadas notas herbáceas, além de toques balsâmicos e terrosos. No palato, chama a atenção pela acidez vibrante, confirma as frutas do nariz, tem taninos marcantes, com final médio, com as notas de pirasina falando um pouco mais alto do que deveriam. EM
AD 87 pontos
PEQUENAS PARTILHAS CABERNET FRANC 2009
Cooperativa Vinícola Aurora, Serra Gaúcha, Brasil (fora de catálogo). Apresenta cor vermelho-rubi intensa e aromas de frutas vermelhas e negras maduras, notas florais, herbáceas e terrosas. Aqui se tem mais corpo e volume de boca, é frutado e estruturado, com toques de ervas temperando o seu final médio e suculento. EM
AD 87 pontos
PEQUENAS PARTILHAS CABERNET FRANC 2011
Cooperativa Vinícola Aurora, Serra Gaúcha, Brasil (R$ 45). Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos violáceos e aromas de frutas negras maduras, quase em compota, notas florais, de ervas secas e de especiarias doces. Esse perfil mais doce se sente na boca, tem taninos finos, boa acidez e final médio. Aqui se percebe que a uva atingiu uma melhor maturação e o claro desejo de lutar contra as notas herbáceas que, em doses corretas, dão um tempero todo especial ao vinhos dessa variedade. EM
AD 89 pontos
PEQUENAS PARTILHAS CABERNET FRANC 2013
Cooperativa Vinícola Aurora, Serra Gaúcha, Brasil (R$ 45). Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos violáceos e aromas de frutas negras e vermelhas frescas envoltas por atraentes notas herbáceas, além de toques florais e de especiarias doces. É suculento, fresco, marcante, tem final persistente, com toques de grafite. Aqui já se percebe a Cabernet Franc com uma maior tipicidade, apesar de estar presente, a madeira está bem integrada, mas seria muito salutar provar esse vinho, com essa qualidade de fruta, sem a interferência dela. EM
AD 90 pontos
AS BACCANTES CABERNET FRANC 2014
Vinha Unna, Pinto Bandeira, Brasil (R$ 54). Vinho artesanal – somente 105 garrafas produzidas – elaborado com uvas orgânicas e naturais, através de fermentação espontânea – com uva inteira e maceração carbônica, apenas com leveduras da casca e sem a adição de SO2. Chama a atenção pelo frescor e qualidade de fruta, os aromas têm agradáveis notas herbáceas e minerais que envolvem as frutas vermelhas frescas. Um vinho muito fácil de beber e de gostar, que parece simples, mas mostra tensão, ótima textura de taninos e profundidade, num estilo que faz lembrar alguns vinhos do Loire. Uma pena ter tão poucas garrafas. Álcool 12,8%. EM
AD 90 pontos
CASA VALDUGA GRAN RESERVA CABERNET FRANC 1999
Casa Valduga, Vale do Vinhedos, Brasil (fora de catálogo). Mais uma prova de que os vinhos brasileiros podem envelhecer. Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos acastanhados e aromas de frutas vermelhas mais passadas, além de toques defumados, de alcaçuz, frutas do bosque, especiarias doces, tabaco e argila. Em boca, tem um estilo austero, sério, ótima acidez, taninos finos e final persistente e elegante. Demonstração viva do potencial da Cabernet Franc no Vale dos Vinhedos. EM
AD 88 pontos
CASA VALDUGA RAÍZES PREMIUM
CABERNET FRANC 2011
Casa Valduga, Campanha Gaúcha, Brasil (R$ 55). Elaborado exclusivamente a partir de Cabernet Franc, com passagem por madeira, este tinto surpreende pelos aromas exuberantes de frutas negras maduras envoltas por notas herbáceas e florais. No palato, é estruturado, redondo, mostrando boa acidez e taninos de boa textura, que pedem a companhia de carnes vermelhas grelhadas ou ensopadas. Gostoso de beber, com o tempo de copo exibe uma sedutora elegância nos aromas, convidando a mais um gole. EM
AD 90 pontos
CHURCHILL CABERNET FRANC 2008
Valmarino e Churchill, Pinto Bandeira, Brasil (fora de catálogo). Elaborado pela Valmarino sob a supervisão de Nathan Churchill. Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos violáceos e aromas cativantes de frutas vermelhas e negras maduras, notas herbáceas, florais, terrosas e de especiarias doces. No palato, é frutado, estruturado e suculento, tem acidez vibrante, taninos de ótima textura e final persistente, com toques de grafite. Está evoluindo muito bem, mas tem tudo para melhorar ainda mais nos próximos cinco anos. EM
AD 87 pontos
LUIZ ARGENTA CABERNET FRANC 2011
Luiz Argenta, Flores da Cunha, Brasil (R$ 49). Num estilo mais potente, estruturado, que privilegia a fruta madura. A madeira, apesar de bem integrada, é uma das protagonistas, conferindo especiados e tostados, além de certa textura e volume de boca. Apesar de poder ser bebido agora, ainda está jovem e deverá melhorar nos próximos cinco anos. EM