Componentes do vinho Parte II

Como surge um determinado aroma num vinho? De onde vem o gosto amargo ou salgado? A essas e outras questões, ADEGA responde na segunda parte da reportagem sobre o complexo mundo dos fenóis, sais, pectinas, gomas, ésteres e aldeídos.

por João Afonso

fotos: Revista de Vinhos - Portugal
A lenta evolução e transformação dos esteres condiciona o aroma dos vinhos velhos).

Os principais componentes do vinho responsáveis pelos gostos amargo e salgado, e pela maior parte das sensações aromáticas, são fundamentais à sua expressão, mesmo sem intervenção direta nas características organolépticas do líquido.

Substâncias de gosto amargo
Pertencem a um vasto grupo de compostos, que tem por elemento comum o fenol - daí o nome 'compostos fenólicos'. Antocianas - que dão cor aos vinhos tintos, taninos e muitos outros compostos responsáveis pelo aroma e sabor do vinho fazem parte desse grupo. Na uva, estão mais presentes na parte lenhosa do fruto (engaço, película e grainhas), mas podemos também encontrá-los na polpa e no sumo.

São muito solúveis em água e as uvas tintas possuem, via de regra, mais compostos fenólicos do que as uvas brancas. A temperatura e o álcool produzido durante a fermentação, assim como a fase de maceração, aumentam a solubilidade e todo o processo de extração. Durante o estágio e o envelhecimento do vinho, os fenóis reagem uns com os outros, como o caso clássico das antocianas com os taninos; o resultado é que o vinho evolui em cor, aroma e sabor.

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Um copo de vinho branco, deixado ao ar, oxida muito rapidamente.

Fenólico é também um termo de prova, com sentido levemente pejorativo, na medida em que traduz um vinho com excesso de compostos fenólicos, com caráter adstringente e sabor eventualmente amargo. Na saúde, os compostos fenólicos desempenham importante papel devido à sua ação antioxidante, inibindo a oxidação das lipoproteínas de baixa densidade, responsáveis pelo elevado nível de colesterol nas artérias.

Substâncias de gosto salgado
Os sais, não são o 'sal' do vinho, mas, se o vinho tem um gosto 'salgado' (e em teoria tem), é devido a esses elementos. São os sais minerais existentes na uva propriamente dita - provenientes do solo, fertilizantes ou mesmo de pesticidas, e os sais dos ácidos orgânicos resultantes da fermentação ou estágio. A concentração de sais varia entre poucas partes por milhão a frações de partes por bilhão (ou vestígios), e totaliza entre 2 a 4 g/l.

Entre todos os sais, destaca-se o bitartarato de potássio, que, de longe, é o que tem maior presença e por vezes se deposita no fundo de garrafas com vinhos sem estabilização tartárica, formando um depósito de cristais brancos. Esse depósito é de todo inofensivo e não altera aroma nem sabor.

Outras substâncias
Pectinas, gomas e mucilagens fazem parte do grupo de substâncias coloidais que intervêm na fase de clarificação do vinho. As pectinas são encadeamentos de unidades de ácido galacturónico e existem em todos os frutos, pois entram na constituição das paredes celulares. Durante a fermentação são hidrolisadas e precipitam em sua maior parte. As gomas são polissacarídeos mais ou menos polimerizados sob a forma de colóides, e as mucilagens são substâncias gelatinosas, de estrutura complexa, que reagem com a água aumentando de volume e formando uma solução viscosa.

As substâncias azotadas existem na ordem de 1 a 3 g/l e, apesar de terem pouca importância no vinho final, são fundamentais para o desempenho correto das leveduras e bactérias durante o processo de fermentação.

Vitaminas
Tal como qualquer outro fruto, a uva contém vitaminas - C, B1, B2, B6, B12, H, PP -, apesar de sua presença ser relativamente baixa em comparação com outros frutos.

As vitaminas aumentam com a maturação e, à semelhança das substâncias azotadas, desempenham o papel de fatores de crescimento para as leveduras e bactérias. O emprego de anidrido sulfuroso diminui os teores vitamínicos do mosto e respectivo vinho.

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fotos: Revista de Vinhos - Portugal
Na película das uvas encontra-se uma boa parte dos compostos fenólicos.

Gases
Além do dióxido de carbono existente em alguns tipos de vinho - resultando naturalmente da fermentação, como nos espumantes; ou introduzido artificialmente, como nos espumosos ou em alguns vinhos verdes -, existe um 'gás' que é comum a todos os vinhos de qualidade: o dióxido de enxofre ou anidrido sulfuroso, antioxidante poderoso sem o qual todo o vinho teria um período de validade bastante encurtado. Encontra-se em formas combinadas (80 a 200 mg/l) e em estado livre (10 a 50 mg/l). Nos vinhos jovens e em doses excessivas (como no caso dos vinhos meio secos ou doces) tem um aroma penetrante, picante e muito agressivo, além de diminuir o aroma e sabor do vinho em causa.

Componentes do aroma
Por último e porventura o mais importante critério de avaliação - o 'aroma' ou 'nariz' do vinho. O aroma é proveniente das substâncias voláteis que se distribuem por vários grupos (álcoois, ácidos, esteres, aldeídos etc.), mas uma boa parte dos aromas positivos que podemos inalar vem dos esteres. São compostos formados através das reações dos ácidos orgânicos com os álcoois. Nessas reações, os ácidos são esterificados pelos álcoois, principalmente pelo álcool etílico - aquele com maior presença no vinho.

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O aroma de um vinho provém das suas substâncias voláteis.

Os dois tipos de esteres mais comuns no vinho são os que resultam do processo fermentativo e aqueles que resultam do envelhecimento ou estágio prolongado do vinho. Os aromas primários frutados sobrevêm na sua maioria dos esteres de fermentação; e alguns vinhos novos, muito ácidos, devem essa característica à esterificação parcial dos seus ácidos orgânicos. À medida que a esterificação continua, outros esteres são formados, e os vinhos perdem com a idade o gosto ácido e agressivo para se tornarem suaves e macios, enquanto aromas secundários ou terciários mais complexos surgem.

As reações entre ácidos e álcoois não é instantânea e se dá em várias fases e por vezes ao longo de muitos anos. Uma forma dá origem à outra. Enquanto um estere se forma, outro desaparece, e assim sucessivamente, em busca de um ponto de equilíbrio que nunca é atingido, porque a formação de determinados esteres é extremamente lenta e ultrapassa na maioria das vezes a capacidade de envelhecimento de um vinho. O fato de os esteres se formarem em diferentes níveis e alguns só atingirem o equilíbrio após décadas explica a mudança dos aromas do vinho com o envelhecimento. Do lado oposto, ou negativo, o acetaldeído constituí um elemento importante na avaliação aromática de um vinho. É um aldeído muito comum que, além de ser um produto da fermentação alcoólica, resulta também e posteriormente da oxidação do álcool. Tem um aroma desagradável quando isolado, mas diluído no vinho não apresenta inconvenientes exceto quando ultrapassa determinado nível e faz o aroma surgir plano, choco, cansado e sem a frescura de fruto. Diluído e em altas concentrações, apresenta o aroma dos 'vinhos de flor' da região de Xerez, em Portugal.

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