Mixologia

Coquetéis com vinho para o verão

Kir, Crustino e coquetéis clássicos com vinho na composição para o verão

por Sílvia Mascella

São duas cenas distintas. Na primeira, o sujeito é levado pela hostess até o balcão de madeira do bar, acomoda-se no banco estofado e é recebido com um sorriso discreto, por um bartender impecável de terno escuro, à vontade em um espaço compacto e super organizado.

Na segunda cena, o mesmo sujeito acomoda-se num banco alto de acrílico, de frente para a cozinha envidraçada, apoiado no balcão de vidro, que não esconde a área de trabalho do(a) mixologista sorridente, de braços tatuados e que maneja com habilidade alguns aparelhos que poderiam estar em um laboratório.

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A pergunta é, nas duas situações, o que o sujeito vai beber? Um "Coquetel de Champagne", por que não? E o atendente vai fazer o mesmo: pegar uma taça flûte, colocar nela um cubo de açúcar, algumas gotas de angostura, completar a taça com Champagne ou espumante Brut e flutuar uma casquinha de limão.

As cenas são contemporâneas, mas poderiam estar separadas pelos dois séculos de história da coquetelaria. Como toda história de bar, ela será um pouco mais doce ou amarga na boca de quem conta. Assim, é de praxe dizer que a coquetelaria moderna nasceu na década de 1920 nos Estados Unidos, por conta da proibição do comércio de bebidas, quando as misturas mascaravam o que não poderia ser vendido em público, e suavizavam os sabores das bebidas falsificadas.

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Há um enorme "porém" nessa história. O primeiro livro de coquetelaria do qual se tem notícia é de 1862, de um americano chamado Jerry Thomas, e só isso já seria suficiente para mudar o calendário da história, não fosse o fato de que as misturas de bebidas (principalmente vinhos) são uma constante na história humana, sejam eles servidos em bares, estalagens ou castelos.

O vinho quente, por exemplo, evoluiu dos coquetéis (chamados "grogues") dos povos do norte da Europa, que por sua vez vieram da tradição medieval de utilizar especiarias e frutos para temperar os vinhos; fosse porque eles já estivessem se transformando em vinagre, ou para melhorar o sabor. Dessa mesma barrica saíram as sangrias e até mesmo os vermutes, muito consumidos no passado como tônicos, ao mesmo tempo em que as técnicas de vinificação aperfeiçoavam os vinhos e lhes davam longevidade.

Kir Royal
Kir Royal, receita clássica francesa

 Mas nas regiões de maior produção, como França e Itália, os vinhos também entravam em misturas populares, que vieram a se tornar coquetéis famosos. Um deles é o "Kir" e seu par inseparável, o "Kir Royal", bebidas criadas na época da 2a Guerra Mundial, por Canon Félix Kir, herói da resistência francesa e prefeito da cidade de Dijon, na Borgonha. Seu coquetel preferido era a mistura de dois produtos locais: o licor de cassis e o vinho branco da Borgonha.

Enquanto os coquetéis evoluíam e ganhavam espaço nos restaurantes e nas casas, a figura do atendente do bar (barman ou bartender) entrou para a história como um personagem sutil e habilidoso, misto de garçom, confessor e alquimista. Discretos dentro da evolução natural da gastronomia e das bebidas, pouca gente se deu conta de que a figura do garçom de bar evoluiu, e os modernos bartenders são hoje conhecidos como mixologistas, e se orgulham de ter um estudo técnico, histórico e científico da evolução e composição das bebidas.

De qualquer maneira, um "Coquetel de Champagne" continua sendo um coquetel de Champagne, por três motivos: sua receita é reconhecida e aceita no mundo inteiro pelos critérios da IBA (International Bartenders Association), qualquer profissional que se preze deve saber executá-la com perfeição e, o óbvio: é uma bebida deliciosa.E que ninguém deixe de provar pelo fato de o Champagne ser caro. É perfeitamente aceitável fazer com um espumante Brut de qualidade.

Da mesma forma que, em outro clássico, o italianíssimo "Bellini", nascido no Harry's Bar de Veneza, leva Prosecco da DOC da região, combinado com um delicado purê de pêssegos brancos (que só existem por lá no verão), mas que pode ser preparado com um espumante Prosecco de qualidade de outra região. Difícil mesmo é achar os pêssegos brancos.

Coquetéis com vinho
Espumantes e Vinho do Porto são os mais utilizados na coquetelaria

Além desses clássicos, vale provar um coquetel que era um dos preferidos do escritor norte- -americano Ernest Hemingway (quando não estava bebendo rum, claro) e que tem o nome de um de seus livros "Morte à tarde". É uma combinação de Pernod (bebida francesa à base de anis) e espumante Brut, muito aromática e com sabor peculiar.

O Vinho do Porto também é bastante utilizado na coquetelaria por sua combinação de álcool e açúcar, que dão corpo a muitas composições e nem por isso deixam de ser servidos no verão, como é o caso da "Limonada de Vinho do Porto", que faz o fortificado vinho português flutuar sobre uma camada de gelo picado.

Mas se o teor alcoólico e a temperatura não forem um problema, o "Myra" é uma combinação poderosa de vinho tinto, vodca e vermute, perfumada e saborosa. Seja qual for a sua escolha, não esqueça da frase do bartender/mixologista norte-americano Derek Brown: "Coquetéis perfeitos são como um poema Haikai, simples e podem aparecer em infinitas combinações, seu objetivo é somente fazer as pessoas felizes".

RECEITAS

KIR - Em uma taça coloque três quartos de vinho branco gelado e flutue um quarto de creme de cassis sobre ele.

KIR ROYAL - Em uma taça do tipo flûte, coloque um quarto de creme de cassis e complete a taça com espumante Brut. No Brasil, é comum servir esse coquetel com uma cereja no fundo da taça.  

COQUETEL DE CHAMPAGNE - Em uma taça tipo flûte, coloque um cubo de açúcar e três ou quatro gotas de angostura. Complete com Champagne (ou espumante Brut) bem gelado. Antes de servir, corte uma tirinha de casca de laranja e torça sobre a taça, deixando-a cair.

CHAMPAGNE PICK ME UP -Em um copo alto, coloque dois cubos de gelo e uma colher de chá de açúcar. Acrescente 1/3 da dose de conhaque e 1/3 da dose de vermute branco seco. Misture bem com uma colher e coe para uma taça flûte. Complete com espumante Brut gelado.

CRUSTINO -Separe uma taça de coquetel de boca larga e dois pires. Em um deles, coloque duas colheres de chá de açúcar e, no outro, o suco de meio limão. Encoste a boca da taça no suco de limão e depois no açúcar, fazendo a crosta. Deixe secar uns minutos. Coloque bem no meio da taça duas colheres de chá de grenadine (ou suco de cereja ou amora), o suco de meio limão e uma dose de Vinho do Porto. Misture delicadamente para não tocar na crosta. Complete a taça com espumante bem gelado e decore com uma casca de limão e uma cereja ou amora.

LIMONADA DE VINHO DO PORTO - Dissolva duas colheres de chá de açúcar em uma colher de sopa de suco de limão e coloque em um copo alto. Junte uma dose de conhaque, mexa e acrescente três pedras de gelo moído. Coloque club soda até 3/4 do copo e deixe escorrer pela parede uma dose de Vinho do Porto. 

MYRA (PARA 2 PORÇÕES) - Coloque numa jarra quatro ou cinco cubos de gelo quebrados, duas doses e meia de vinho tinto seco, uma dose generosa de vodca e uma dose de vermute branco seco. Misture bem e sirva sem o gelo.

MORTE À TARDE - Combine em uma taça flûte, uma dose de Pernod e espumante Brut bem gelado.

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