De vinho em vinho

Para rechear uma adega de respeito é preciso ter bom senso e bom gosto, sabendo conciliar os diferentes tipos de vinhos, regiões, uvas e preços. Sem deixar de lado, é claro, a preferência pessoal do colecionador.

por Luiz Gastão Bolonhez

Christian Burgos

Recentemente a renomada publicação norte americana especializada em vinhos Wine Spectator lançou um questionário com uma série de perguntas com o objetivo de levar o leitor a descobrir em qual estágio de colecionador de vinhos está. Pois bem, as conclusões eram: 'Que bom, você está começando!', 'O negócio pegou!', 'Respire, você é fanático!', 'Você chegou a uma coleção Nirvana!' e, por último, 'Você tem uma adega espetacular... convide-nos para jantar'. Acreditem, muitos passam por todas essas fases. Então vamos ao que interessa.

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Espumantes

O primeiro passo é se informar para planejar como rechear a adega. A primeira dica vai direto para os espumantes. Champagnes são absolutamente requeridos em uma boa adega, e mais - os champagnes safrados chamados millesimes ou vintage são insuperáveis para ocasiões especiais. Os champagnes conhecidos como brut, sem safra, devem ser degustados logo após a sua compra. Pode-se guardar um brut por três ou quatro anos. Os outros espumantes, de maneira geral, devem ser comprados e consumidos rapidamente. Não há nenhum problema em ter um champagne brut ou mesmo um bom Prosseco na geladeira. O champagne millesime deve ser guardado na adega juntamente com os outros vinhos de guarda. Dos produtores de champagne que fazem a diferença temos dois grupos distintos. O primeiro formado por empresas que produzem milhões de garrafas por ano e o segundo são as pequenas casas que produzem seus champagnes quase que artesanalmente. Do primeiro grupo temos a Moet et Chandon que produz excelentes exemplares, como o Dom Perignon. Das pequenas casas, que, aliás, produzem quase sempre melhores produtos, os destaques são Bollinger, Gosset, Perrier Jouet e a insuperável Krug, que produz obras primas. Todas essas casas produzem também champagnes rosés deslumbrantes, mas a preços que às vezes não valem muito a pena.

Vinhos brancos

A próxima dica vai para os brancos que, a propósito, andam injustamente em baixa, mas já iniciam uma franca e justa recuperação. O vinho branco é indispensável para se vivenciar uma grande experiência enogastronômica. São vinhos, em sua maioria, elaborados para serem degustados jovens, apesar de existirem algumas exceções.

Ter na adega um jovem Sauvignon Blanc é fundamental. Atualmente a Nova Zelândia e mais recentemente a África do Sul produzem os mais interessantes exemplares dessa especial uva, ao lado dos franceses. Argentina e Chile têm desenvolvido muitas experiências com essa uva, com excelentes resultados. Sem dúvida, a Sauvignon Blanc, principalmente sem madeira (carvalho), é hoje a grande expoente em base mundial.

A Chardonnay, que infelizmente foi banalizada no mundo, é muito importante, pois a partir dessa uva são produzidos os mais espetaculares e intensos vinhos brancos do planeta. Desde excelentes vinhos sem envelhecimento em madeira, até os incríveis envelhecidos em carvalho, principalmente franceses. Fica difícil não sonhar com um camarão ou lagosta condimentada sem pensar num belo Chardonnay com madeira na mesa.

Os Chardonnays sem madeira devem ser consumidos rapidamente e os com madeira, principalmente os franceses da Borgonha, passam a ser o primeiro vinho branco da lista dos colecionáveis. Uma adega que pretende ser mais que completa não pode deixar de ter um Mersault, um Puligny-Montrachet ou Chassagne-Montrachet. Para os que podem, um Montrachet seria a garrafa rainha de toda a adega. Não há na face da Terra nada que alie mais elegância, força e potência, com finesse e delicadeza. Esse vinho pode durar décadas.

Existem infinitos vinhos brancos que merecem espaço em uma adega planejada. Outro must entre os brancos são os excepcionais e resistentes Rieslings - essa uva produz vinhos potentes com um caráter mineral que dificilmente pode ser alcançado por qualquer rival, como a Chardonnay. Os grandes Rieslings do planeta são produzidos na Alemanha e na França. São os Riesling Alsacianos os únicos vinhos que ameaçam a supremacia dos grandes vinhos da Borgonha. Um Riesling grandcru seco da Alsácia pode ser degustado jovem e também evoluir na garrafa por mais de vinte anos. Um vinho que vai honrar o m² de uma boa adega.

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Tintos

Não há como negar que o vinho tinto de qualidade é atualmente a grande sensação. Nos tintos, a uva Cabernet Sauvignon tem a supremacia em quase todos os continentes. Não se conhece um país vitivinícola do mundo de destaque que não tem um grande Cabernet Sauvignon. Essa uva pode também ter sido um pouco vulgarizada no mundo, mas é a partir dela que se produz a maioria dos grandes tintos do planeta. Em sua terra natal, a França, os melhores vinhos do Medoc (talvez a região mais imponente do mundo do vinho, localizada ao norte da cidade de Bordeaux) têm na Cabernet Sauvignon sua espinha dorsal no blend do vinho. Já no novo mundo, a Cabernet Sauvignon ganhou muita fama produzindo vinhos varietais (produzidos com um único tipo de uva).

Concluindo, uma adega sem grandes Cabernet Sauvignons não pode ser considerada completa. Dos ícones ao redor do mundo dessa uva não se pode deixar de ter vinhos da já citada Medoc. Não necessariamente um premier Grand Cru Classé, mas é indicado ter pelo menos vinhos classificados entre as cinco categorias. Para quem quer e pode gastar, uma recomendação é um Gran Cru Classé de uma safra muito boa, pois de safra excelente os preços são quase proibitivos (para se ter uma idéia um Chateau Mouton Rothschild 2000 tem o preço quase quatro vezes maior que seu irmão mais novo 1999). Pelo que representa toda a região de Bordeaux, ter vinhos de algumas de suas sub-regiões é primordial - Pauillac, Pomerol e Saint Emilion.

Três cantos de Bordeaux

Christian BurgosAs sugestões dos mais admiráveis vinhos de Paulliac são o Chateau Clerc Milon, com seus vinhos marcantes, o Chateau Lafite Rothschild, um dos mais famosos e caros de Bordeaux e o Chateau Pichon Longueville Baron, que tem no seu custo-benefício uma marca, se comparado a seus rivais diretos.

De P,omerol, a situação é outra em relação a preço. Como toda a região possui propriedades muito pequenas, a quantidade de vinho é diminuta e não segura os preços. Quase tudo nessa região é baseado na uva Merlot. É essa pequena região que tem incrustado o grandíssimo Petrus. Além do Petrus (100% Merlot ), Pomerol brindou o mundo com o Chateau La Tour a Pomerol, um clássico, o Chateau Bonalgue, a preços honestos e o Chateau L'Evangile, com sua extrema potência. Não espere preços módicos em nenhum desses vinhos.

A região de Saint Emilion é conhecida por vários ícones como o Chateau Cheval Blanc, mas outros tantos vinhos são grandes sugestões - o excepcional Troplong Mondot, o profundo Chateau L'Angelus e o sempre prestigiado Chateau Cânon la Gaffeliere.

Já em Borgonha...

Com a adega repleta de grandes, intensos e valorizados vinhos, é hora de fazer uma visita a Borgonha, que produz tintos marcados pela elegância e finesse. Na Borgonha existem micro propriedades e produtores de vinhos que repartem um único vinhedo com vários proprietários. Esse é o caso da subregião de Vougeot que, com cerca de 124 acres, tem 77 diferentes proprietários (onde foi produzido o vinho principal do filme "Festa de Babete").

A uva Pinot Noir reina absoluta nessa região e os produtores fazem a diferença. Para nossa tristeza, comprar um bom Borgonha exige verbas avantajadas, pois os bons produtores podem cobrar caro e vender toda a produção de uma safra em minutos. Os produtores de destaque são Domaine Dujac, Dominique Laurent, Armand Rousseau, Comte dês Vogue e o lendário Romanee Conti.

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Rhône

Ainda da França, é fundamental que uma adega tenha os tintos do Rhône, que, ao norte, tem na Syrah sua principal uva, e a Grenache, no sul. Do Norte é bom ter um Côte Rotie e um Hermitage. Os produtores do Norte do Rhône são, ao contrário da Borgonha, dominados por grandes corporações como Paul Jabolulet (Hermitage), M. Chapotier (Hermitage e Côte Rotie) e E.Guigal (Côte Rotie). Do sul do Rhône, os destaques são os Châteauneuf de Pape, com o Château de Beaucastel como um grande nome. Outras boas opções dessa região para sua adega são o magnífico Château Rayas, o Château de la Nerthe e a Domaine Viex Telegraphe.

Italianos

Renato FariasSaindo da França e rumo à Itália, terra natal de vinhos espetaculares, nota-se uma curiosidade: é o único país do mundo que produz vinhos em todas as regiões. De lá é interessante ter na adega um explosivo Aglianico da Basilicata, um intrigante Nero D'avola da Sicília ou mesmo um Amarone do Veneto, mas na realidade o que realmente faz a diferença na bota são as regiões do Piemonte e da Toscana. O Piemonte tem, além da mais especial e profunda uva, a Nebbiolo, a versátil Barbera. A Nebbiolo é responsável pela produção de vinhos elegantes e famosos, procurados e caros - os Barolos e Barbarescos. Nesses dois vinhos é obrigatório ter 100% dessa uva para receber o prestigiado nome. Destaque para o Ângelo Gaja e seu enólogo Guido Rivella, que já produziu mais de 25 safras para Ângelo.

Mas o Piemonte não é só Gaja. Novos produtores vêm se destacando. Quem quer ter um grande Nebbiolo na adega pode considerar Bruno Rocca, Roberto Voerzio e Alfredo Prunutto, como excelentes opções. A Barbera, menos badalada e prestigiada que a Nebbiolo também produz vinhos muito especiais. Os destaques são Braida com seu Bricco del'Uccelone, Vietti, Coppo e Franco Martinetti, dentre outros.

Da Toscana onde reina a Sangiovese, muitas vezes blended com Cabernet Sauvignon e Merlot, encontram-se os vinhos 'da moda' na Itália - os Super Toscanos. Nessa região um bom produtor costuma levar ao mercado desde simples Chiantis Clássicos até vinhos considerados cult. Os produtores sinônimos de qualidade nesta região são Fonterutolli, Fontodi, Castello de Ama, Castello del Terriccio, Argiano e Ca'Marcanda (de propriedade do Piemontês Ângelo Gaja).

Espanha

Christian BurgosNa Espanha temos uma boa variedade de uvas, mas é a Tempranillo que produz os mais interessantes vinhos. Ela é conhecida por diferentes nomes em todo o País. Tempranillo mesmo na Rioja, Tinta del Pais na Ribera del Duero, Cencibel na Mancha e Ull de Llebre na Catalunia.

Atenção para a uva Garnacha (a mesma que a Grenache da França). Dela são produzidos vinhos modernos, intensos e elegantes na belíssima e supervalorizada região do Priorato, localizada ao sul de Barcelona. Da Ribera del Duero, um vinho inquestionável e raro é o Vega Sicília, além de interessantes produtores como Arzuaga e Carmelo Rodero com estrelas que sobem a cada dia. Da tradicional Rioja é recomendável ter vinhos das Casas Marques de Murrieta, de Vargas, de Riscal e de Cáceres - um forte quarteto de marqueses. Todas essas Casas produzem vinhos de vários preços sendo os premium sempre destaque no mundo.

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Portugal e novo mundo

De Portugal, provavelmente o país que mais se desenvolveu nos últimos anos dentre os europeus, ênfase para a região do Douro. Suas excelentes uvas antes iam apenas para a produção de grandes vinhos do Porto, e hoje também tem destino certo para os vinhos de mesa. Boas sugestões para adega são o Quinta do Crasto, Vallado, Vale do Meão e Quinta de La Rosa.

Para muitos, o trabalho de rechear uma grande adega poderia parar por aqui, mas para fortuna dos interessados por vinhos o novo mundo tem se esmerado em produzir grandes vinhos. Austrália e África do Sul já são potências em mercados competitivos, como os EUA e a Inglaterra. A Austrália ainda não tem muita representatividade no Brasil e seus principais vinhos sempre chegam por aqui em quantidades muito pequenas. O país que adotou a Shiraz (a mesma Syrah da França) como sua principal uva tem uma produção concentrada em grandes corporações. Vale destacar os produtores com presença no Brasil, a Penfolds (do conglomerado SouthCorp) e Yalumba. A região da Austrália que mais vem se aprimorando nos últimos anos é a região 'Western Austrália' que, diferentemente do sul do país, tem ainda pequenas casas produzindo vinhos muito especiais.

A África do Sul pode parecer estreante, mas é um país que produz regularmente vinhos especiais há mais de 300 anos. Dos tintos, os destaques são o Shiraz, Merlot e Cabernet Sauvignon, pois a uva símbolo desse país, a Pinotage, não consegue com regularidade produzir grandes vinhos. Os principais produtores são Vergelegen, Rust em Vrede e Kaapzicht todos de Stelenboch.

Ainda do novo mundo, a América é representada com força pelos EUA, Chile e recentemente Argentina. Os EUA também com pouca penetração no Brasil, principalmente pelos preços altos, produzem verdadeiras esculturas líquidas baseadas na Cabernet Sauvignon. Não há como não sonhar com um Caymus, um Dominus, do mesmo proprietário do Chateau Petrus, um Arrowood de propriedade dos Mondavi, um Heitz Cellar Martha's Vineyard ou um Chateau Montelena. Todos esses vinhos são produzidos na Califórnia nas regiões de Napa e Sonoma.

O Chile inegavelmente é a grande sensação no mundo do vinho nos últimos dez anos. Apesar de apostar na uva prata da casa, a Carmenere, bordolesa de origem, é na Cabernet Sauvignon que o país produz os mais destacados vinhos. Ter um Montes Alpha M, um Don Melchor, um Almaviva, um Domus Áurea, na adega hoje é imprescindível.

A Argentina também produz expressivos Cabernets Sauvignons e conseguiu fazer da Malbec a grande uva do País. Hoje é a Argentina que atrai o maior número de novos investidores em todo o mundo do vinho. Um fenômeno. Nesse país existe um homem que se tornou uma lenda - fez um trabalho muito importante para toda essa nação, fazendo com que o vinho argentino conquistasse um lugar ao sol. Seu nome? Nicolas Catena. Na Argentina, além dos vinhos Catena, vale citar grandes casas tais como Trapiche, La Agrícola (Santa Julia), que com seus vinhos ícones, respectivamente Iscay e Zeta, fazem deste país uma verdadeira potência. Bom apostar nos vinhos de Suzana Balbo e Doña Paula, que melhoram a cada dia.

Doces

Por último, para termos uma adega completa é preciso lembrar dos vinhos doces. Esses vinhos têm duas principais vertentes, os fortificados com o Vinho do Porto como seu maior representante e os vinhos doces não fortificados que tem no Sauternes a grande força. Outra dica são os de colheitas tardias, que têm presença em quase todos os países vitivinícolas do mundo. Dos Portos os longevos vintages (de uma única colheita) imprimem respeito à adega. Os produtores de maior prestígio são Fonseca e Taylor´s, seguidos de perto por Noval, Graham's e Nieport. Dos Sauternes, o grande rei é o "Golden Liquid", Chateau D'Yquem, vinho singular que eleva os doces ao topo.

Das casas produtoras de especiais Sauternes, os destaques são os Chateaux Rieussec, Climens, Suduiraut e Raymond Lafond. Ainda nos vinhos doces é preciso ter na adega um doce alsaciano. Pode ser um "Vendages Tardives" ou um "Selecion des Grains Nobles" dos produtores Domaine Weinbach, Trimbach, Hugel e Marcel Deiss.

O conceito final é balancear a adega com espumantes, brancos, tintos e doces, para não deixar de ter boas garrafas para bons momentos. Ah! E o mais importante, respeite seu paladar. De gustibus non disputandum est (gosto não se discute)... Saúde!

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