Designer de vinhos

Em entrevista exclusiva, o enólogo francês Michel Rolland dá suas opiniões sobre as tendências do mundo do vinho e também, obviamente, sobre os produtos nacionais

por Christian Burgos

Fotos: Kleber Ghiggi

Michel Rolland é, provavelmente, o mais conhecido e, porque não, polêmico enólogo do mundo. Endeusado por muitos e criticado por tantos outros, não há dúvidas que Monsieur Rolland, como é chamado, está escrevendo um capítulo da história do vinho no mundo. Seus conhecimentos teóricos (foi escolhido pelo reitor de sua universidade para avaliar o curso de enologia de sua faculdade em Bordeaux) e práticos (a família já era proprietária de um Château em Pomerol e tem mais de 35 vindimas de atividade) são aplicados e enriquecidos por seu trabalho como consultor em centenas de vinícolas ao redor do mundo.

ADEGA conversou com exclusividade com este fenômeno do mundo do vinho em Bento Gonçalves. Encontramos Michel Rolland feliz e aberto a uma conversa franca e amigável, duas horas após o nascimento de seus netos na França.

Sabemos que você trabalha viajando incessantemente por vinícolas em todo o mundo. Como são seus momentos de lazer?
Tenho bons momentos de prazer, gosto de jogar golfe, caçar, ler e adoro música.

Consegue dedicar tempo à família?
Sim, porque, na verdade, viajo seis meses por ano, mas, não seis meses direto. Existem momentos em que viajo muito e outros em que viajo menos, sobretudo no período de colheita em Bordeaux, e assim fico com minha família. Além do mais, toda família trabalha comigo, e isso se revelou ser a melhor maneira de ter minha família ao meu redor, isso inclui minha esposa, duas filhas e genro. Hoje é um dia muito especial para mim, tornei-me avô pela segunda vez, de gêmeos, Arthur e Théo, que nasceram duas horas atrás.

Parabéns! Qual a diferença entre seu trabalho como consultor e o trabalho em sua vinícola?
Na verdade, não existe muita diferença [risos]. Meu trabalho não é ser vinicultor em nenhum lugar do mundo. Inclusive, em minha própria vinícola, tenho outras pessoas trabalhando e faço em casa exatamente como faço em outras consultorias: tenho enólogo e equipe, e trabalho fazendo "coaching" e dizendo como quero que as coisas sejam feitas. O único problema é que, no caso de minhas vinícolas, não sou pago [risos].

Grande parte de seu sucesso se deveu a compreender que o gosto mundial mudou em certo momento. Como isso aconteceu?
Não é uma pergunta fácil. Na maioria das vezes, as pessoas estão sonhando em fazer vinho. Meu trabalho não é sonhar, porque o vinho é um negócio, não é um sonho ou um trabalho de artistas... Temos que fazer um bom vinho e temos que vender vinho. Meu trabalho é entender que tipo de vinho em uma região tem capacidade para ter sucesso no mercado. Então, o que faço há 35 anos é tentar compreender isso. Converso muito com o dono da vinícola, assim como faço aqui com Adriano (Miolo) para tentar entender o que ele está buscando, que vinho quer levar ao mercado.

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Que tipo de vinho pode ser levado ao mercado?
Existem vinhos baratos, vinhos mais caros e vinhos caros. Temos que entender onde vamos estar no mercado, que tipo de vinho o Adriano quer e ajudá-lo. Não sou um vinicultor, sou um designer de vinhos. E assim tento fazer o vinho que a empresa quer colocar no mercado. Certamente meu gosto encontra correspondência num mercado. Minha grande sorte foi ter tido a oportunidade de experimentar muitos e muitos vinhos, viajar muito e por muito tempo e tentar entender para onde está indo o mercado e que tipo de vinho as pessoas gostam mais. Este é meu trabalho. Não dá para saber ao certo se está na tendência ou não. Felizmente, acredito que estou na tendência [risos].

Fotos: Kleber Ghiggi
"Não sou um vinicultor, sou um designer de vinhos. E assim tento fazer o vinho que a empresa quer colocar no mercado"

Entrevistamos Alexandra Marnier Lapostolle logo após seu Clos Apalta 2005 receber o prêmio de vinho do ano pela Wine Spectator. Mesmo reconhecimento dado ao Ornelaia 1998. Além destes, muitos outros produtores passaram a receber notas altas para seus vinhos após sua contratação. O que determina um bom vinho? E o que determina um vinho do ano?
De fato, iniciamos o trabalho em Casa Lapostolle em 1994. Em 1997, decidimos fazer um vinho ícone e, desde então, estivemos trabalhando muito ano a ano. E por vinho ícone digo um vinho capaz de conseguir grandes notas da imprensa. Este é um bom ponto para saber se um vinho é bom ou muito bom. E fizemos muitos bons vinhos. Clos Apalta foi segundo com o 2001 e primeiro com o 2005. Nesse nível, não é uma questão de fazer um vinho bom ou ruim, você pode degustar todas as safras de Clos Apalta e são excelentes vinhos. Você precisa fazer ajustes e conseguir fazer um vinho melhor a cada ano. E minha vida é convencer as pessoas a fazer isto. Alexandra estava começando e desenvolvemos uma grande amizade. Trabalhei este projeto como se fosse nosso.

Como ocorreu a consultoria no Brasil?
Encontrei Adriano oito anos atrás na Argentina e desenvolvemos uma excelente relação. Isso é essencial para que o trabalho funcione. Adriano tem um grande caráter e muito entusiasmo. Havia provado vinhos brasileiros em 1982 e, para ser honesto, não tinha boas recordações. Não estava muito entusiasmado para vir, mas vim por causa do Adriano, um rapaz jovem e forte, que aparentava grande interesse em fazer vinhos melhores no Brasil.

Nos últimos anos, o que mudou no vinho brasileiro, particularmente na Miolo?
O começo é sempre muito simples. É como um grande arbusto que você apara e faz grandes mudanças. Depois de um tempo, cinco ou seis anos, havíamos feito muito em termos de vinhedo, infraestrutura na vinícola, marketing e tudo mais. O negócio do vinho é bastante complicado, você precisa estar envolvido em tudo, nos vinhedos, na produção, ser bom em marketing, e o dono tem que entender de tudo para alcançar sucesso. Em minha opinião, a Miolo avançou muito. O primeiro ponto é conseguir fazer um bom vinho e estamos fazendo. O objetivo é fazer todos os vinhos, do mais barato ao mais caro, crescerem em qualidade. Fica cada vez menos óbvio, mas, assim como no tênis ou golfe, podemos sempre evoluir.

E qual o potencial do "terroir" daqui?
Primeiro, é importante vermos cada vez mais vinhedos em espaldeira, por causa do clima úmido aqui (Bento Gonçalves e região). Em segundo lugar, o solo é muito bom para vinhedos. Assim, a combinação solo e clima é muito boa. Em certos momentos, o clima é bom por não ser muito quente. Às vezes, a umidade é demasiada, mas, lembra-me Bordeaux, que não tem um clima perfeito. Temos que aceitar a combinação de solo e clima que Deus nos dá e fazer o melhor vinho. É por isso que temos certa variação na qualidade ano a ano, mas, em certos anos, quando as condições são quase perfeitas, podemos fazer vinhos muito bons. Além disso, penso que uma variedade que está indo muito bem é o Merlot. E você sabe que nasci no Pomerol e, portanto, amo Merlot [risos]. Para mim, é muito bom estar aqui e trabalhar com Merlot, pois o futuro da região está no Merlot.

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Qual a personalidade do nosso Merlot?
Quero frisar que podemos ter em regiões diferentes, vinhos da mesma casta, com diferentes personalidades e o mesmo nível. Nos últimos anos estamos conseguindo colher as uvas num excelente ponto de maturação e os taninos, que eram um pouco ásperos, estão muito bons. Pegando o Merlot Terroir, podemos não estar no topo ainda, mas estamos próximos e aprendendo a manejar cada vez melhor cada pequeno detalhe no vinhedo, vinícola e envelhecimento. Temos um vinho com muito boa personalidade e muito equilibrado. Porque o vinho é equilíbrio e o Brasil tem a possibilidade de produzir um dos, talvez, melhores Merlots do mundo. Mas temos que trabalhar, pois ainda somos bebês.

E os espumantes?
Os espumantes estão bem, e pelas mesmas razões de clima e solo. Hoje, podemos beber espumantes muito bons aqui.

O que você pensa da diferença entre Bordeaux e Borgonha?
Para mim, é estranho, pois gosto muito de Pinot Noir, embora, como nasci em Pomerol, amo Merlot. Entretanto, por que comparar vinhos diferentes? No final, o que vale é o gosto de cada um.

Vale comparar, pois o consumidor precisa escolher um bom vinho...
Mas, no fim, o que vale é o que você gosta. Você pode até seguir meu gosto, que aliás é muito bom [risos].

Mas, então, qual é o papel dos críticos de vinho?
Boa pergunta. Não é um grande problema. Na verdade, precisamos da mídia, até porque o negócio do vinho é um sucesso mundial hoje por causa dos mais importantes veículos de mídia deste mercado. Mas, o problema é que alguns veículos, por não serem bons degustadores, apontam para seu próprio gosto. Por isso, muitas vezes, o mesmo vinho recebe notas diversas. No fim, o rei é o mercado. Consegui ser claro?

Fotos: Kleber Ghiggi
"Ele (Parker) trabalhou muito, não matou ninguém. Bem, talvez alguns vinhos. [risos]"

Mas dado que parte de seu sucesso é baseado no reconhecimento que você recebe dos grandes críticos do mundo, como avalia Robert Parker, que às vezes é acusado exatamente pelo que você disse: avaliar segundo o próprio gosto?
Você sabe que somos muito amigos, de um tempo em que éramos Michel e seu pequeno laboratório e Bob (Robert Parker) tentando degustar e compreender vinhos. Ficamos amigos porque conversamos muito sobre vinhos. Hoje, isso é impossível por nossas agendas. Não tenho um julgamento sobre Parker, mas, definitivamente, é o mais poderoso crítico do mundo. E porque este cara se tornou o número um? Realmente não me importo. Ele trabalhou muito, não matou ninguém. Bem, talvez alguns vinhos. [risos]. Também sou um dos mais famosos consultores do mundo e não consigo explicar exatamente o porquê.

Sucesso atrai sucesso...
Verdade, mas, no fim, este é um negócio. Adriano Miolo, no fim do período, tem que apresentar o resultado final a seus sócios. E, perder dinheiro uma vez, ok. Mas, perder uma segunda vez, é demais [risos]. Por que Adriano me contratou? Porque ele acredita que posso ajudá-lo a conduzir melhor o negócio. Minha vida não tem sido fazer vinho para mim, mas para o mercado. Não é muito poético, desculpe, mas é verdade. Também não gostaria de dizer que fazemos vinhos pensando nos críticos, mas é parte da busca por sucesso. Parker e eu enfrentamos críticas, mas deve ser como no negócio das revistas. Se você não tem sucesso, ninguém o critica. E, se você tem sucesso, é como na política, 50% é seu fã e 50% contra você.

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Fotos: Kleber Ghiggi
"Minha vida não tem sido fazer vinho para mim, mas para o mercado. Não é muito poético, desculpe, mas é verdade"

Num mundo onde sucesso atrai sucesso e também copiadores, como manter- se na frente num mercado onde se copia o que está dando certo?
Você tem que correr mais rápido! Estou velho e continuo correndo[risos].

O mundo está enfrentando uma crise que, felizmente, não está se materializando com tanta intensidade no Brasil. Como você vê isso afetando o mundo do vinho?
Os dados apontam para o fato de que o consumo per capta não está diminuindo pela crise. Temos, sim, uma diminuição, talvez, no patamar de preço do vinho consumido e acredito que esse é um momento passageiro. O mais importante é que pensei, a princípio, que as empresas buscariam economias no processo produtivo, mas estava muito errado, pois nunca tive tantas consultas no sentido de melhoria de qualidade. O importante é que os produtores estão entendendo que o único meio de manter-se no negócio do vinho é melhorar a qualidade, mesmo no caso de vinhos baratos, pois é importante entender que até vinhos baratos podem e devem ter cada vez mais qualidade.

Você já faz parte da história do vinho mundial. Como gostaria de ser lembrado?
Primeiramente, obrigado. Acredito que, em primeiro lugar, 90% do sucesso é trabalho e, em segundo lugar, é necessário ter um pouco de sorte. Nasci em 1947, fui à universidade nos anos 60 e entrei no mercado nos anos 70. Penso que, nos últimos 30 anos, o mundo do vinho passou pelas maiores mudanças de sua história. Não mudei tudo, mas, como disse antes, surfei a onda. Você pode surfar bem ou mal e fui feliz em surfar bem. E por isso estou aqui, depois de 35 anos. Tive a oportunidade de estar no lugar certo na hora certa. Muitas pessoas estavam na mesma onda, mas tive sorte, pois estava na França, que era o local mais avançado do mundo do vinho. Fui um produto puro da escola francesa de enologia e era jovem o suficiente para estar em todo lugar ao mesmo tempo e maluco o suficiente para viajar mais do que qualquer outra pessoa poderia. Então, gostaria de ser lembrado por ter tido sorte, trabalhar no limite do que alguém poderia trabalhar e sempre com muito entusiasmo



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