Antigos diplomatas

A história da vinícola mais antiga do mundo ainda em atividade

Conheça a Marquês de Goulaine, hoje nome da marca que é conhecida pela produção de vinhos da família em seu Château na região do Loire

por Por Arnaldo Grizzo

Por mais de 30 anos, entre 1562 e 1599, os franceses viveram uma sangrenta guerra civil-religiosa. De um lado, Huguenotes (protestantes). De outro, católicos. Estes últimos, maioria, perseguiram os seguidores da Reforma. Os conflitos, contudo, só terminariam quase 200 anos depois, já perto do fim da dinastia dos Bourbon na França.

Nessa época conturbada, o primeiro rei da casa de Bourbon, Henrique IV – originalmente um protestante, mas que acabou se convertendo ao catolicismo para poder governar – foi coroado. Ele promulgou o Édito de Nantes, garantindo a tolerância religiosa, apesar de a religião oficial do país ser a católica.

Como forma de recompensar aqueles que o ajudaram, Henrique IV distribui títulos nobiliárquicos. Um dos agraciados foi Gabriel de Goulaine, descendente de uma antiga família nobre da região da Bretanha, que possuía propriedade não muito longe de Nantes. Gabriel – com cinquenta lanceiros – e seu irmão Jean, Barão de Faouët, lideraram campanhas que resultaram na conquista de de dois importantes Châteaux na região, Château de Trogoff (em Plouescat) et Château de Kérouzéré (em Sibiril), em 1590.

Gabriel, portanto, se tornou o primeiro “Marquis de Goulaine” (Marquês de Goulaine), hoje nome da marca de vinhos com que é conhecida a produção de vinhos da família em seu Château na região do Loire – tida como a vinícola mais antiga do mundo em atividade.

Leopardo e flor de lis

Mas tanto o vinho quanto a família Goulaine possuem história anterior ao título de nobreza concedido por Henrique IV no século XVI. Em 1149, Jean de Goulaine era o capitão da vila de Nantes. Seu filho, Mathieu, teria sido um dos intermediários nas negociações entre os reis franceses e ingleses que disputavam o domínio da Bretanha na época.

A relação dos Goulaine com ambos os reinos é um pouco controversa. Os primeiros representantes da família ajudaram os britânicos, na ocasião senhores da Bretanha, nas batalhas contra os franceses. No entanto, anos mais tarde, por volta de 1248, os Goulaine se juntaram ao exército reunido por Luís IX que marchou em direção à VII Cruzada.

De qualquer forma, acredita-se que eles estabeleceram uma boa relação de diplomacia com ingleses e franceses e isso, aliás, levou ambos os reis a concederam aos Goulaine que pudessem usar suas insígnias no brasão da família. Dessa forma, metade da heráldica ostenta os três leopardos sob fundo vermelho, símbolo da casa real britânica, e a outra metade tem a flor de lis sob fundo azul, representando a coroa francesa. Além disso, seu mote era simbolizado pelo acordo das duas coroas.

Acredita-se que nessa época os Goulaine já produziam vinho em sua propriedade familiar. Não se sabe a data e tampouco se a bebida era comercializada (provavelmente era feita apenas para consumo familiar), mas ainda assim o Château de Goulaine – erguido no começo do século XVII – é considerado o terceiro negócio familiar mais antigo do mundo.

Marcha da Bretanha e borboletas

Apesar de o Château só ter sido construído no século XVII, foi Jean de Goulaine quem fortificou a propriedade da família que ficava ao redor do pântano de Goulaine para se proteger dos ataques do normandos. Diz-se que essa fortificação, juntamente com os Châteaux de Nantes e Clisson constituíam uma das principais linhas de defesa dos bretões contra os ataques do rei da França, especialmente das “Marche de Bretagne”, campanhas que queriam varrer a influência britânica na região e chegaram a ser guiadas por Orlando, o lendário sobrinho de Carlos Magno, personagem de epopeias medievais. O edifício atual foi construído com pedra calcária anos mais tarde, com influência arquitetônica tanto da Renascença quanto da Idade Média.

Os Goulaine se sucederam ininterruptamente na propriedade até 1788, na Revolução Francesa, quando o Château foi comprado por um banqueiro holandês, Piter Deurbroucq, que conseguiu preservá-la diante da sanha revolucionária. Em 1858, os Goulaine reassumiram o controle da propriedade.

Até pouco tempo atrás, Robert de Goulaine, o 11o Marquês de Goulaine, era o proprietário do Château da família – em sua 30a geração. Ele comprou a propriedade em 1957 de seu tio, Geoffroy de Goulaine, e se dedicou a recuperar seu esplendor. Dessa forma, além de restaurar o edifício e seu belo jardim, criou um viveiro de borboletas exóticas e também um museu, que conta com a coleção de arte de Lefevre-Utile, a companhia de biscoitos conhecida pela logomarca LU.

Vinho e literatura

Robert de Goulaine, falecido em 2010, dedicou-se ainda à literatura, publicando seu primeiro romance em 1992. Três anos depois, publicou “Le livre des vins rares ou disparus” (O livro dos vinhos raros ou desaparecidos), em que conta a história de diversos rótulos clássicos do mundo do vinho. No entanto, ele também trabalhou na promoção dos antigos vinhos de sua propriedade.

Ele mesmo redesenhou os rótulos, com o brasão dos Goulaine e também com suas queridas borboletas. O Château produz vinhos sob as denominações Sancerre e Vouvray, e possui vinhedos próprios onde estão plantadas uvas para seu Muscadet, mas também Chardonnay e a menos conhecida Folle Blanche. Mas eles também produzem tintos como Chinon e Crémant do Loire.

Hoje, o Château é parte do patrimônio histórico francês e é aberto à visitação, além de receber eventos e de ter se tornado um hotel (o quarto duplo pode ser alugado por 110 euros). Quem quiser reviver os tempos gloriosos da Bretanha saboreando um vinho do Loire, aqui está.

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