Mendoza

Os que romperam com o passado

por Redação

fotos: Tomás/ laimagendelvino
A influência italiana em Medoza começou com a chegada de Cesar Cipoletti

Além das questões geográficas e de terroir, dois fatos históricos ocorridos há cem anos encarregaram-se de definir a província de Mendoza como a região vinícola por excelência na Argentina. Dois desses fatos envolveram a Itália.


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Influência italiana
O primeiro foi a contratação do engenheiro italiano Cesar Cipoletti para desenvolver o sistema de irrigação dos solos mendocinos – até então estéreis e secos – a partir das águas do degelo dos Andes. O Dique Cipoletti, no município de Luján de Cuyo, testemunha a ação do engenheiro, imortalizado por uma estátua no local, ao lado de seu teodolito.

O segundo foi a chegada massiva de imigrantes italianos a Buenos Aires, muitos deles conhecedores de vinhas e vinhos. O governo de Mendoza chegou a pagar um Peso aos agentes de colocação por cada imigrante que se fixasse na província. O resultado foi uma superprodução escandalosa: em 1914, sem um consumo correspondente, vinte milhões de litros tiveram de ser jogados fora para ajustar estoques.

Qualidade limitada
A partir dessa lição, a relação produção/ consumo/estoques normalizouse razoavelmente, com altos e baixos, segundo as crises políticas repetidas no país. Durante os sessenta anos que se seguiram, o consumo de vinho elevou consistentemente, levando os argentinos a se tornarem, em meados do século vinte, o quarto maior consumidor per capita de vinhos do mundo e o quinto maior produtor.

Não entrava em consideração a questão qualidade e a exportação era pequena.

Os produtores argentinos voltavamse para o gigantesco mercado interno e para consumidores pouco exigentes, dados inclusive ao costume de adicionar água ao vinho.

A história mudou nos anos 80 com a significativa redução do consumo interno, a necessidade de moeda forte e, conseqüentemente, de exportar – enfrentando uma concorrência externa acirrada, ávida por qualidade.

Um caso exemplar
Um caso de caráter individual ilustra a mudança. Se você dialoga com um mendocino que passou dos cinqüenta, há de saber das incertezas que cercam a biografia de Hector Greco (1928 – 1988), empresário portenho radicado em Mendoza.

Dedicado ao imenso mercado argentino de vinhos populares, ele movimentou uma dinheirama que soube multiplicar em tempos inflacionários: assumia dívidas que devolvia desvalorizadas para armazenar a bebida que revendia valorizada. Rico e influente, foi proprietário de jornal e dono de um banco que acabou falindo quando suas próprias empresas eram devedoras da instituição. Com a vigência do regime militar, passou a ser vigiado e investigado, acabando preso por mais de um ano.

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A ruptura aconteceu em 1988 com investimentos locais e externos

Quando de sua morte em acidente de carro, aos 60 anos, estava tão encrencado em processos legais que seus familiares pouco herdariam da fortuna que conseguira amealhar. Seu desaparecimento simboliza o fim da era dos vinhos argentinos medíocres, em grandes volumes, para o consumo interno, denominada “era Greco”.

foto ilustrativaA virada
De 1988 em diante viria a ruptura com o passado. A vitivinicultura mendocina passaria a receber os investimentos, locais e externos, em melhoria que a colocariam no lugar de destaque que agora ocupa no mercado internacional de vinhos de qualidade.

No campo, procurou-se a diminuição do rendimento dos vinhedos. A casta Malbec, que encontra em Mendoza o seu habitat ideal, ultrapassou em quantidade e qualidade a Bonarda, até então absoluta devido a alta produtividade. Investe-se em irrigação por gotejamento e proteção antigranizo. Novas cantinas são construídas dentro dos procedimentos mais modernos com uso de cubas de inox com cintas de refrigeração.


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Novos tempos
Enólogos e vinicultores argentinos como Nicolás Catena (bodega Catena Zapata), Santiago Achával (bodega Achával Ferrer), Susana Balbo (Domínio del Plata), Roberto de la Motta, entre outros, apresentam produtos surpreendentes e passam a receber avaliações positivas e prêmios internacionais.

Juntam-se a eles estrangeiros como Michel Rolland (Clos de los Siete), Michael Halstrick (Norton), Jeffrey Stambor (Navarro Correas), Alberto Antonini (Nieto Senetiner), Jacques Lurton (Lurton), Juan Carlos Jara (Bodegas Séptima) e assim por diante, compondo uma longa lista.

É assim que, já em 1995, a Wine Spectator incluía o Catena Cabernet Sauvignon 1993 entre os cem melhores vinhos do mundo. Em 2004, o Malbec Finca Altamira, da Achável Ferrer, recebe 92 pontos dessa influente revista americana.

Nações amigas
Algumas das antigas propriedades que conseguem sobreviver aos novos tempos – Weinert, Lagarde, La Rural, Trapiche, Bianchi, entre muitas outras – se modernizam no campo e na cantina. E com os investimentos estrangeiros, a Mendoza contemporânea é uma verdadeira organização de nações amigas: Áustria na Norton, Portugal na Finca Flichman, França na Terrazas e em várias outras, Espanha na Séptima, Itália na Achaval Ferrer, os EUA na Peñaflor, a Grécia na Krontiras e assim por diante, além dos países vizinhos, o Chile na Trivento e o Brasil na Finca Don Otaviano.

Uma ruptura com o passado e um salto formidável em menos de vinte anos.

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