Adriano Miolo

"Meu sonho é fazer um vinho de 100 dólares"

A Miolo Wine Group quer ser a maior do mercado brasileiro e Adriano Miolo apresenta suas estratégias para chegar até lá

por Sílvia Mascella Rosa E Christian Burgos

A maior parte dos vinhos brasileiros têm uma semelhança: sobrenomes de família nos rótulos. Mas esses rótulos escondem muito mais do que revelam. Cada uma dessas famílias tem um olhar particular sobre o produto que faz e uma maneira própria de abordar o mercado. A Miolo tem associações e estratégicas que a diferem da grande maioria. Adriano Miolo, 38 anos, é o Diretor Técnico da empresa. Como tantos outros jovens de Bento Gonçalves, ele fez o curso técnico de enologia, partiu para Mendoza para o curso superior e, no ano passado, terminou o mestrado em Marketing do Vinho pela instituição francesa OIV (Organização Internacional da Uva e do Vinho). O curso levou quatro anos para ser concluído e fez o empresário estudar em 12 países. Hoje, Adriano é o enólogo responsável pela criação de dois ícones da vinicultura brasileira, o Miolo Seleção e o Lote 43. No novo escritório da empresa em São Paulo, ele concedeu a seguinte entrevista à ADEGA:

A Miolo começou vendendo uvas para outras vinícolas. Qual foi o caminho traçado para o desenvolvimento da empresa?

Vendíamos uvas para várias empresas, inclusive para a Martini, e tínhamos um laboratório de análises que trabalhou para diversas empresas. No final dos anos 80 começamos a pensar em fazer nossos próprios vinhos finos, com mais qualidade. As primeiras garrafas foram de Miolo Reserva Merlot, produzido em 1990. Chegamos a ficar com quatro safras encalhadas dentro da vinícola e começamos a vender Cabernet Sauvignon e Merlot de qualidade a preço de vinho comum para engarrafadores de São Paulo. Mas a nossa estratégia era o vinho fino de qualidade. Existia um nicho em nosso mercado a ser explorado que era tomado pelo vinho importado. Decidimos investir nele. Mas foi justamente no começo dos anos 90 que o mercado foi tomado pelos vinhos de garrafa azul.

É comum dizer que a garrafa azul ao mesmo tempo em que ampliou o mercado, criou um desvio no caminho do desenvolvimento do vinho nacional. Você concorda?

Com certeza. Ampliou o mercado, mas desvirtuou a evolução do vinho fino brasileiro. Antes da garrafa azul, produzíamos vinho branco brasileiro de qualidade. Estávamos na frente do Chile e da Argentina na tecnologia e na qualidade dos vinhos brancos. As empresas, com a chegada do vinho da garrafa azul, viram que venderiam mais se fizessem vinhos um pouquinho piores e um pouquinho mais baratos. Infelizmente, quase toda indústria brasileira foi por esse caminho. O mercado do vinho de qualidade estava começando a crescer nessa mesma época.

Somente com cinco anos de diferença, a Miolo lançou o Miolo Seleção e o Lote 43. Como a empresa evoluiu de um vinho ao outro?

O Miolo Seleção foi criado pela necessidade de um vinho mais fácil, para o dia-a-dia, que nos permitisse usar para o corte, os mesmos vinhos da linha Reserva, mas sem o envelhecimento. Ele chegou ao mercado em 1994 e foi muito bem aceito. Em 1999 começamos a posicionar o Miolo Seleção como nosso carro-chefe, e a consolidar a marca através desse produto. O Lote 43 apareceu com a evolução do mercado, quando percebemos que tínhamos que fazer vinhos de mais alta qualidade. Começamos na safra 1999, que foi excepcional e nos ajudou a dar um upgrade ao vinho brasileiro. O que muita gente não sabe é que no Lote 43 de 1999 não entrou sequer 10% de uvas de espaldeira, foi quase tudo uva de latada. Só em 2004 foi feito o primeiro Lote 43 que levou 100% de uva de espaldeira.

Você acredita que essa passagem da latada para a espaldeira seja um dos pontos centrais da transformação da vitivinicultura brasileira?

É, com certeza, uma das grandes fases. A viticultura brasileira, na década de 80, começo de 90, era arcaica. Uma viticultura de sobrevivência, de subsistência. Não se investia em qualidade nem em tecnologia. Quanto mais se produzia, melhor. Esse era o modelo, inclusive para o vinho fino. Na mesma época, a Argentina já estava com um vinhedo super tecnificado, moderno. Mas aqui a mudança grande teve que acontecer aos poucos. Em 1998, a Miolo traçou um Projeto de Qualidade para a empresa que, entre outras coisas, previa a transformação completa dos parreirais. Depois de muita discussão em família, decidimos arrancar tudo o que tínhamos. A reconversão, que terminou em 2006, levou praticamente oito anos para transformar tudo em espaldeira. Essa foi a grande – e mais dura – decisão tomada.

Qual é o papel do enólogo francês Michel Rolland nessa evolução da Miolo?

Não podíamos nos dar ao luxo de errar como no passado, afinal, nos últimos oito anos, já foram investidos 90 milhões de reais na empresa. Então, fomos buscar alguém que tivesse uma grande experiência mundial. E não existe hoje homem no mundo que tenha mais conhecimento do vinho mundial do que Michel Rolland. Ele foi a primeira vez na Miolo em 2001, e viu que nós tínhamos um projeto. Quando começamos a trabalhar juntos, dois anos depois, ele nos disse que estávamos no caminho correto. A primeira coisa que ele fez foi tirar a microoxigenção, pois nós a fazíamos de forma irracional. Modificamos muitas coisas ao longo dos anos, mas ele também, como técnico que é, trouxe muitas novidades. Ele diz assim: “Eu vou fazer esse vinho no vinhedo, para fazer esse vinho nós temos que fazer isso aqui no vinhedo”. Na elaboração não tem mais segredo. O segredo só volta nos cortes, na degustação. Ele é um exímio degustador. Sua concentração para fazer cortes chega a assustar.

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Um dos ícones da Miolo, produzido apenas em safras excepcionais

Qual a posição da Miolo em relação aos vinhos de mesa?

O vinho brasileiro vai crescer na produção de vinhos finos quando erradicar o vinho comum de uvas Isabel e híbrida. Isso é o que a Miolo defende. Nós entendemos que o vinho comum só atrapalha a imagem do vinho fino, atrapalha o mercado e é um produto que não ajuda ninguém. Eu não acredito em dois mercados. Estamos falando de um mercado brasileiro formal de 300 milhões de litros. O mercado de vinhos finos é de 25 milhões de litros para os brasileiros e de 45 milhões de litros para os importados. Essa diferença de 230 milhões de litros é um mercado de vinho, só que está sendo mal tratado. A pessoa que gostaria de tomar outro vinho um pouco melhor, e só dispõe de cinco reais, compra um vinho comum, toma dois copos e tem dor de cabeça. Esse consumidor vai acreditar que vinho não faz bem para ele. Para atender a esse público, e fazer vinhos finos nessa faixa de preço, a vitivinicultura brasileira deve mudar. Vamos ter que enfrentar desafios, buscar variedades altamente produtivas. Mas é possível fazer, os argentinos fazem. O que não podemos é ignorar os consumidores que, pouco a pouco, estão subindo de patamar no gosto.

De que maneira a parceria da Miolo no Chile beneficiou a empresa?

A Miolo tem algumas estratégias de crescimento, internas e externas. Sempre soubemos que uma parte desse trabalho não pode ser feita sem auxílio. Acreditamos que as parcerias estratégicas sejam capazes de nos abrir mercados. Com a empresa chilena Via, temos uma bem-sucedida joint-venture e, além disso, fazemos produtos específicos para o mercado chileno e viceversa. E como um de nossos objetivos é atuar no mercado de vinhos importados no Brasil, além da parceria com o Chile, já estamos em negociações com a Argentina e com o Uruguai. Acreditamos que o vinho sul-americano deve se posicionar no mercado internacional como um só.

E em relação aos espanhóis?

Os espanhóis nos procuraram há uns dois ou três anos, dizendo que queriam fazer um brandy no Brasil. Nunca havíamos pensado nisso, mas há mercado de brandy aqui e pudemos fazer o investimento na região no Vale do São Francisco, que oferece as melhores condições para isso. O projeto já está começando a andar e através dessa parceria também colocamos nossos vinhos no mercado espanhol.

Você sente que a Miolo é uma empresa que entrou no jogo global de vinhos?

Nós estamos ensaiando. Não entramos ainda. Estamos começando a nos fazer conhecer, a despertar o interesse dos grandes players internacionais. Tudo o que a Miolo vende hoje no exterior, chega, neste ano, a 10% do nosso faturamento. Começa a ser importante, mas embora estejamos em 20 países, ainda não entramos nas grandes redes. Hoje eu vou a uma feira de vinhos no exterior e falo com pessoas que conhecem a Miolo. A estratégia está indo bem, estamos fazendo as empresas saberem que tem algo de vinho no Brasil, que tem uma empresa que está crescendo, que está organizada. Isso nos ajudará a atrair negócios. Nossa grande estratégia nessas associações é mercado. Quer dizer, se amanhã uma empresa francesa nos disser que quer fazer uma associação com a Miolo, que quer fazer um vinho francês para entrar no Brasil, nós concordaremos, desde que a empresa nos abra o mercado na França. Por isso, essas parcerias são estratégicas, até mesmo se um dia a parceria findar, não der mais certo, já estaremos naquele mercado.

O objetivo do planejamento “Miolo 2012” é produzir 12 milhões de litros?

Um dos objetivos é que queremos produzir 12 milhões de litros ao ano até 2012. O outro é sermos o maior negócio de vinhos do Brasil, do ponto de vista econômico, de produção e de vinhedos. Não somos ainda, mas com os novos projetos, a intenção é chegar a ser o maior negócio de vinhos em 2012.

Qual é o vinho que você sonha fazer?

Sonho fazer um vinho brasileiro de 100 dólares a garrafa, no mercado. Já estamos trabalhando nisso e deve sair em cinco anos. O objetivo é provar para o mercado que, como diz Michel Rolland, ainda não chegamos no limite do terroir brasileiro. Saímos da garrafa azul para vinhos finos, vinhos premium, super premium. Estamos buscando o patamar acima, talvez um ultra premium, luxury como dizem os americanos. É claro, se chegarmos lá e descobrirmos que dá para fazer mais, iremos em frente, mas é óbvio que isso tudo tem um limite, cada terroir tem um limite, mas o nosso ainda não se esgotou.

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