Novas fronteiras da enologia chilena

A fusão das duas associações chilenas de vinho aponta para uma mudança no posicionamento do País no mercado internacional da bebida

por Christian Burgos

Em agosto, estive no Chile a convite da vinícola Viña Ventisquero para conhecer seus vinhedos em três terroirs do País. Dois, os Vales de Maipo e Apalta, já produzem excelentes vinhos, e o terceiro, Lolol, tende a ser uma das vedetes do País em breve. Isso me deu a oportunidade de acompanhar, em primeira mão, novidades da indústria vitivinícola chilena. Também pude me reunir com dirigentes da nova Viños de Chile, resultado da fusão das duas antigas associações vitivinícolas do País.

Atualmente, o Chile é o maior exportador de vinhos para o Brasil, e o que planejam lá tem influência direta no que bebemos por aqui. Antes de mais nada, vale ressaltar que o Chile, com sua pequena população, optou, há algumas décadas, por um modelo econômico de forte inserção no comércio internacional. O País tornou-se uma economia onde até pequenos produtores de frutas estão inseridos no mercado internacional. Isto foi pela compreensão dos setores econômicos que, com fortes diferenciais competitivos, foram foco da desburocratização, da implementação de boa infra-estrutura e da desoneração tributária da cadeia produtiva.

Entre os setores diferenciados destacam- se a mineração, sobretudo de cobre, a celulose e a fruticultura (e, conseqüentemente, a vitivinicultura). É impressionante como um país com base industrial extrativista converteuse em uma economia tão saudável. Especificamente na vitivinicultura, o Chile parece estar caminhando a passos largos e sobre uma base sólida. No quesito qualidade dos vinhos, é um processo de continuidade. A novidade fica por conta do portfólio de produtos e de como posicioná-los.

O Brasil é o oitavo destino das exportações chilenas de vinho, mas ganha destaque por sua proximidade e pela liderança de vendas que eles possuem por aqui. O mercado brasileiro em crescimento, seu amadurecimento e o excelente trabalho que a Argentina e outros países estão fazendo em nossas terras, mobilizam os chilenos. Durante anos, os vinhos chilenos se beneficiaram da justa imagem de "vinho seguro" para compra (quem diante de uma carta de rótulos desconhecidos nunca optou pelo chileno, justamente para não errar?). Isto foi um enorme diferencial antes que outros países, sobretudo a Argentina, começassem a nos enviar mais vinhos acessíveis e de boa qualidade.

O interessante é ver o Brasil - e o resto do mundo - exigir mais, e o Chile vem respondendo a estas expectativas de maneira bastante pró-ativa. Esta viagem me proporcionou uma visão mais clara das três linhas de frente do vinho chileno.

A primeira é a luta para a elaboração de grandes vinhos com sua uva ícone, a Carmenère. É latente no Chile a certeza de que é possível produzir grandes vinhos à base de Carmenère, principalmente após a avaliação de 97 pontos, de Robert Parker, para o chileno "Carmin de Peumo Carmenère".

Na minha opinião, os argentinos e seu Malbec estão passos à frente dos chilenos no posicionamento de sua uva ícone, mas a briga promete, sobretudo nos cortes onde a dupla Cabernet Sauvignon/Carmenère fazem bonito. Nas palavras de René Merino, Presidente da Viños de Chile: "Temos a consciência de que a Carmenère exercerá um papel fundamental em nossa indústria. Mas precisamos fazer como os Australianos que se apossaram do syrah em todos os sentidos, da elaboração de uma nova personalidade até o próprio nome: Shyraz, que está definitivamente associado à Austrália. Além do grande trabalho que está sendo feito nas vinícolas, do ponto de vista de marketing, precisamos começar desde a decisão de como se escreve Carménère: com um, dois ou sem nenhum acento. Eu advogo que devermos tirar os dois assentos e ainda "chilenizar" seu nome, e rebatizá-la como Carmener e ponto final!".

Uma segunda vertente é o investimento na elaboração de vinhos mais elegantes e destinados à harmonização enogastronômica. Palmas para eles. Isso não quer dizer o abandono da assinatura chilena e do Novo Mundo na produção de vinhos potentes, mas o atendimento a um consumidor com maior cultura gastronômica.

#Q#

Este ponto se associa a um terceiro fator: a descoberta e o desenvolvimento de novos terroirs, em sua maioria menos quentes e com forte influência do Oceano Pacífico, proporcionando um clima com menor amplitude térmica e próprio ao cultivo de variedades que beneficiam-se de um processo mais longo e gradual de amadurecimento. Aqui incluem-se as variedades brancas e a Pinot Noir. Tive a oportunidade de degustar ótimos Pinot Noirs, e o vinho Syrah Pangea, que traz em si a estirpe da elegância e das possibilidades enogastronômicas. Se como eu, você quiser acompanhar este desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se delicia com as descobertas, aconselho que deguste os Pinot Noirs, pois estamos presenciando a construção do que será a tipicidade desta uva no Chile.

Aqui no Brasil, conhecemos bem Vales como Leyda e Apalta. Se fosse possível buscar num anúncio de classificados estes novos terroirs, ele teria a seguinte descrição: "Procura-se vale pequeno, com poucos hectares e excelentes vizinhos, para produção de vinhos de qualidade e personalidade, mas nunca em grande volume". Nestes terroirs, os vizinhos, embora concorrentes, torcem para que os outros elaborem grandes vinhos que venham a aumentar o prestígio local.

Pude presenciar isto em Apalta, onde Fernando Tosso, enólogo chefe da Ventisquero, confidenciou: "Aqui temos excelentes vizinhos - Montes e Casa Lapostolle - e não há mais terras disponíveis para compra. Então, nós torcemos pelos vinhos deles para aumentar o prestígio do vale, ao mesmo tempo que fazemos a nossa parte com a elaboração de vinhos cada vez melhores."

A busca dos melhores terroirs está se tornando uma saudável caça ao tesouro no País, como pude perceber em conversa com José Yuraseck, grande empresário no Chile e no Brasil e diretor da Viños de Chile. No segundo semestre do ano passado, ele comprou a tradicional vinícola Undurraga. "Não estou apenas investindo na modernização da vinícola e dos vinhedos existentes, estamos ativamente comprando novos vinhedos. Estabelecemos um projeto batizado de "Terroir Hunter", com um enólogo especialmente contratado para identificar e comprar vinhedos nos dez melhores e mais promissores terroirs do Chile", confidencia Yuraseck.

Todos estes movimentos da iniciativa privada parecem seguir na mesma direção, e agora com uma associação única deve resultar numa melhor ação conjunta dos vinhos chilenos no Brasil. De acordo com Rene Merino: "Nós temos tarefas pendentes com o Brasil. Primeiro, temos que recuperar nosso crescimento e participação de mercado. Segundo, devemos fazer mais ruído na mídia e na comunicação com os consumidores, como fizemos com os eventos do Rio de Janeiro e São Paulo (Pró-Chile). Também temos que mostrar aos brasileiros que a Carmenére produz grandes vinhos e é um grande concorrente para o Malbec".

Com certeza, os brasileiros podem contar com novidades e ainda melhores vinhos vindo do Chile.

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