"O aquecimento global é o novo desafio dos produtores"

Um dos mais tradicionais produtores de vinho da Espanha, Miguel Torres fala sobre a experiência da empresa no Chile e diz que ainda não encontrou um terroir chinês

por Christian Burgos E Luiz Gastão Bolonhez

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“Precisamos explicar para os chineses o que é vinho”, diz Torres
Encontros regados a vinho prometem histórias fantásticas. Ainda mais se um dos presentes for o produtor Miguel Torres, que, junto com a irmã, administra uma vinícola de 135 anos de história. Ele foi preparado profissionalmente fora da empresa da família, nas indústrias de alimento e perfumes, nas quais paladar e olfato são os sentidos mais aguçados. Justamente os sentidos mais importantes para se apreciar um grande vinho. Acaso? Parece mais como as letras douradas no contra-rótulo de Salmos, que se juntam para desvendar um segredo ao estilo do Código da Vinci. Em sua última visita ao Brasil, apesar da agenda apertada, Miguel almoçou comigo e com editor de vinhos de ADEGA, Luiz Gastão. O resultado é uma entrevista recheada de revelações e tendências do fascinante mundo do vinho, que pode ser conferida a seguir.

O senhor mencionou que o mercado do vinho desenvolve-se bem em Países com tradição de consumo de cerveja. Qual a ligação entre estas duas bebidas?
Bem, eu não sou do ramo das cervejas, mas quanto ao vinho, posso dizer que dentro de cada garrafa, há uma carga histórica. Esse é o aspecto fascinante dos vinhos. Você aprende a vida inteira sobre eles, e ainda terá mais a aprender. Apesar de serem segmentos diferentes, Países que consomem cerveja se revelam, de fato, bons mercados para o vinho.

Há em ADEGA uma seção chamada “Outras Bebidas”. Elas não se transformam de um ano para o outro. Essa é uma vantagem do vinho?
Sim, é uma proposta bem diferente. O vinho tem suas especificidades. Não há como produzir um igual ao outro.

O senhor poderia falar um pouco a respeito da empresa Miguel Torres?
Eu trabalho na área comercial e de marketing da empresa. A Torres produz vinhos há 135 anos. Estamos localizados na Espanha, mas também fomos para o Chile, em 1979, para produzir novos vinhos. Começamos também a produzir vinhos na Califórnia, em Washington River Valley. Acho que nosso maior motivo de orgulho é sermos uma família. Isso é muito importante na produção do vinho. O negócio cresceu, mas ainda somos uma família.

Vocês fizeram incursões vinícolas na China. Como estão indo?
Fizemos alguns experimentos lá. Na China somos a segunda maior importadora de vinhos. Importamos não só os vinhos Torres, mas também outros rótulos. Mas tem sido difícil, pois a produção de vinhos na China ainda é muito restrita. E não parece ser uma coisa que vá crescer rápido. Estamos esperando. Pode ser que, no futuro, achemos o terroir certo, no momento certo. Mas, por enquanto, não foi possível.

Como o senhor compara o mercado brasileiro ao chinês?
São muito diferentes. Aqui no Brasil, posso perceber que o vinho é muito mais importante e, além disso, há uma conexão com o estilo de vida dos povos latinos. Esse estilo de vida tem o vinho presente em cima da mesa, e isso é muito importante. Já a China é uma cultura totalmente diferente. O conceito de vinho para os chineses não é o mesmo para nós. Lá o vinho pode ser feito a partir de qualquer fruta, como a cereja. Então, precisamos explicar para os chineses o que é vinho.

Eu estive no Chile há duas semanas e, quando falava sobre Miguel Torres, as pessoas comentavam sobre o caráter da empresa e sobre a diferença entre os vinhos produzidos por ela. É desejável manter a mesma imagem em todos os lugares onde a empresa produz seus vinhos?
A Miguel Torres tem várias imagens. E não existe a intenção de manter a mesma em todos os lugares. O vinho produzido na Espanha é diferente do chileno. Sempre queremos produzir vinhos de personalidade. Os terroirs são diferentes, portanto os vinhos também são. Não tentamos produzir cópias. Os consumidores que querem comprar vinhos espanhóis ou chilenos têm muitas opções, muitos preços, mas eles sabem que se comprarem um Torres, levarão um vinho de boa qualidade.

Por que procurar outros países para produzir vinho?
Quando encontramos um bom terroir, com um bom potencial, vamos até lá. Por exemplo, quando fomos ao Chile, em 1979, Pinochet estava no comando. Nenhuma empresa estrangeira queria investir no País, pois tinham medo de Pinochet. Mas meu pai e meu avô perceberam que a oportunidade de se fazer vinho ali era fantástica. As pessoas acharam que eles eram loucos e perderiam todo o dinheiro com isso. Hoje está provado que o Chile é um verdadeiro paraíso para a produção de vinhos.

Como é a geração atual na condução da empresa Miguel Torres?
Minha irmã e eu fazemos parte da nova geração, que atualmente administra a empresa. Queremos iniciar novos projetos em outras regiões da Espanha. Estamos começando a perceber o potencial que outras regiões da Espanha têm para a produção de vinhos. Por essa razão, há dois anos, abrimos uma pequena vinícola em Ribera Del Duero. Agora também estamos lançando nosso primeiro vinho do Priorato, que considero um ótimo lugar para quem ama produzir vinhos. Mas não para ganhar dinheiro, pois as condições de produção na região são muito caras. Temos 100 hectares de área no Priorato, com vinhas de dez anos ou mais.

Qual é a proporção de vendas dos vinhos Miguel Torres?
Na Espanha, os brancos vendem mais. Mas para exportação, os tintos fazem mais sucesso. Na Europa, os rosés também apresentaram uma grande mudança nas vendas.

A venda dos rosés aumentou?
Sim, houve um grande aumento. Não somente na Espanha, como em toda a Europa. Existe uma nova paixão pelos rosés. No Reino Unido, a venda dos rosés no ano passado correspondeu a quase cinqüenta por cento. Na Holanda, nosso vinho rosé já é considerado número um nos restaurantes.

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Miguel Torres e sua família: gerações produzindo vinhos

Atualmente, qual é a principal preocupação na produção de vinhos?
Com certeza, a questão a que devemos dar mais atenção atualmente é o aquecimento global, que está afetando muitos países, especialmente no hemisfério norte. Isso pode causar grandes mudanças na colheita. Portanto, o aquecimento global é o novo desafio dos produtores de vinho. Nós teremos que mudar o jeito de cuidar das vinhas.

Qual seria a principal mudança no tratamento das vinhas?
Provavelmente teremos que mudar o local onde plantá-las, colocando-as em lugares de maior altitude, buscando, assim, uma temperatura mais baixa. As vinhas que normalmente seriam plantadas numa área a 200 metros do nível do mar, agora estão sendo plantadas a 900 metros, ou seja, numa área muito mais alta.

Existe uma iniciativa por parte dos produtores para amenizar os efeitos do aquecimento global?
Sim, mesmo que muitos ainda tentem esconder o problema. A Miguel Torrres tem uma grande preocupação com o tema. Nossa intenção não é agravar ainda mais a questão, por isso estamos promovendo algumas mudanças na produção dos vinhos. A energia que usamos durante o processo, por exemplo, é agora proveniente do Sol.

Também estamos plantando mais árvores em torno das vinhas para absorver mais carbono e liberar mais oxigênio. Nossos automóveis a gasolina estão sendo substituídos por carros híbridos. As iniciativas ainda são recentes, mas temos que começar a respeitar mais a natureza.

Isso gera marketing positivo para a vinícola?
Por enquanto não, mas provavelmente a partir do próximo ano seremos a primeira produtora de vinhos na Espanha a compensar o carbono gerado durante a produção. O índice de oxigênio que produzimos já ultrapassa o nível de carbono que emitimos. É bom ter uma empresa que se preocupa com questões ambientais. Temos cerca de 4000 hectares pelo mundo. Podemos promover um grande trabalho com isso.

Nascer em meio aos vinhedos da Miguel Torres é estar predestinado à produção de vinhos?
É uma ótima pergunta (risos). Assim que terminei a faculdade, não fui logo trabalhar na Torres. Trabalhei em algumas outras empresas e depois me envolvi diretamente com a empresa da família, pois quando se nasce em meio a uma vinícola, ela vira parte de você. E sou muito feliz por ter entrado na área de produção de vinhos. É uma verdadeira paixão. Para mim, esse é um dos mais belos trabalhos do mundo.

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