O garimpo nas adegas

Tudo o que você precisa saber para descobrir os melhores rótulos. Confira nossas dicas e sugestões, e boas compras!

por Ronald Sclavi*

Um vinho só alcança o seu real valor quando é capaz de traduzir uma experiência, uma trajetória, uma história. Como as pedras preciosas, as edições limitadas de grandes clássicos da literatura, os carros antigos, boa parte do prazer que um vinho reserva está na sua descoberta. Entre os milhares de rótulos disponíveis no mercado, poucos terão uma linha direta com a sua alma, uma relação íntima com o seu momento. Por isso, é preciso garimpar, com cuidado e dedicação.

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O bom garimpeiro de adegas é aquele capaz de identificar e separar as boas gemas de falsas promessas, do ouro de tolo e outras armadilhas. A seguir, algumas regras que devem fazer parte do cotidiano dos desbravadores do mercado.

Sua pedra preciosa pode estar mais perto do que imagina

Não há um lugar certo para encontrar um grande vinho. Ele pode estar na loja do importador, na gôndola do supermercado, em bons empórios ou naquelas adegas de bairro - cada vez mais freqüentes e interessantes. O fato é que comprar apenas de um fornecedor é a pior escolha. É como ler apenas um jornal, não mudar o canal da TV ou fazer sempre o mesmo caminho. Pode ser cômodo, mas também é limitado. Os importadores normalmente têm pontos altos e baixos. A regra é: compre o vinho que você quer beber, que pode não ser necessariamente aquele que o importador precisa vender.

Os supermercados apresentam uma coleção previsível de rótulos extremamente comerciais. Apostam no que vende bem. O bom garimpeiro deve fazer uma cuidadosa varredura nas prateleiras sem esquecer, dos lugares mais escondidos. Lá estão grandes relações custo x benefício e o melhor: vinhos fora de tabela. São rótulos com preços até 70% abaixo do mercado. Outra dica é comprar tintos no alto verão, quando as vendas caem ou fazer as compras em meses de acertos de balanço financeiro. Mas fique atento com a conservação do produto (leia dicas abaixo).

Nos empórios e adegas, o segredo é freqüentar e se fazer conhecido. Neste tipo de loja há uma relação bem mais forte entre cliente e fornecedor. Com o tempo, você será avisado da chegada do produto, das oportunidades de compra, dos vinhos da sua preferência, enfim, é uma venda mais customizada e carinhosa. Mas não perca os preços de vista. A lei da oferta e procura está sempre em vigor.

Escolha bons guias para suas expedições

Conhecer o seu vendedor é essencial na procura dos melhores rótulos. A cultura brasileira de vinho é muito recente. Falta tudo, principalmente, gente treinada para vender. Certa vez, procurando um bom Bordeaux, safra 2000, o vendedor me ofereceu, de primeira, um Château Petrus. Ora, se eu quisesse comprar um Petrus pediria um Petrus e ponto. É como procurar um bom carro e o vendedor oferecer uma Ferrari. Pra isso, ninguém precisa de vendedor, apenas de dinheiro - e muito.

Mas, se falta informação, sobra sensibilidade e ginga. O bom vendedor de vinhos é aquele que sabe que mais importante que vender muito é vender sempre. Esses - mesmo com pouca informação - aprendem a interpretar o gosto do cliente e oferecer os vinhos com segurança e responsabilidade.

Essa relação envolve sutilezas e troca de experiências. Um vendedor me ensinou a degustar um excepcional branco português acompanhado de um risoto de camarão. "Deixe o camarão esfriar um pouco, ponha na boca e depois misture com o vinho", explicou. Lembrei de cada detalhe da lição no momento do jantar e o resultado foi incrível. Outra vendedora, especializada em bons argentinos, escolhe meus vinhos e põe na sacola logo que eu entro na loja. "Esse você não pode perder". Bingo! Ela me conhece.

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Percorra as suas próprias trilhas

Você não precisa - e nem deve - ter as mesmas preferências do crítico de vinhos do jornal ou daquele enochato amigo seu que acha que sabe tudo. É preciso entender o que você está bebendo. Há vinhos mais simples, com sabores e aromas mais fáceis. Nem por isso são ruins. Pelo contrário, podem ser grandes pedidas. Enfim, caminhe neste universo respeitando os seus limites.

Informação nunca é demais. Cadastre-se em sites, leia de tudo um pouco, enfim, procure planejar sua viagem. Só assim você poderá otimizar o garimpo.

Outra dica é degustar. Degustar muito. Degustar sempre. Há um sem número de possibilidades no mercado. Desde degustações elaboradas acompanhadas de grandes pratos, até experimentações simples em corredores de supermercados. Sempre vale experimentar.

Em um famoso empório de São Paulo descobri uma combinação extremamente sofisticada de um espumante francês com pasta de caviar (receita do próprio empório). O preço? Módicos R$ 60. Se não tivesse parado para experimentar, perderia essa oportunidade deliciosa.

Pedras falsas estão por toda parte

No mundo do vinho, os preços enganam. É preciso muito cuidado com ofertas milagrosas. Elas estão em toda parte e, por vezes, escondem vinhos mortos, muito além do seu ponto ideal de consumo. Os brancos, em especial, são vítimas dessas armadilhas. Produzidos para um consumo mais imediato, quando esses vinhos estão muito baratos, representam um forte e luminoso sinal amarelo.

Isso não quer dizer que vinho caro é vinho bom. Todos os grandes fornecedores promovem vendas especiais e liquidações. Mas, quase sempre, as marcas em promoção não têm uma grande possibilidade de guarda. Ou seja: na liquidação vale comprar para consumir, no máximo, em um ano.

É a mesma relação com grifes de moda. Aquela roupa caríssima no lançamento pode ficar bem mais barata na liquidação, desde que ela chegue até esse momento. As melhores peças normalmente esgotam muito antes disso. Portanto, se você descobrir um grande rótulo, não espere tanto.

Ouro de tolo

Só uma experiência pode sufocar o prazer da descoberta de um grande vinho. É quando o garimpeiro conclui que sua pedra não tinha a preciosidade que o primeiro olhar prenunciava.

Portanto, cuidado. Não compre vinhos expostos em vitrines, armazenados em locais abafados ou dispostos na posição vertical.

A rolha é um grande aliado para revelar a qualidade da bebida. Ela deve estar sempre úmida para se expandir evitando vazamentos e contaminações. Mas atenção. Se a ponta da rolha estiver degradada, corrompida, a bebida se perdeu. Devolva o produto e parta para uma próxima busca.

A rolha é um grande aliado para revelar a qualidade da bebida. Ela deve estar sempre úmida para se expandir evitando vazamentos e contaminações. Mas atenção. Se a ponta da rolha estiver degradada, corrompida, a bebida se perdeu. Devolva o produto e parta para uma próxima busca.

*Ronald Sclavi é jornalista e também garimpeiro de adegas.

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