O sabor espanhol do reino de Castilla y Leon

Os brasileiros ainda não despertaram para os vinhos espanhóis. Confira alguns rótulos da terra de Cervantes que podem conquistar os enófilos do País

por Marcelo Copello, De Valladolid

Relíquias vinícolas aguardam para serem descobertas

A participação espanhola no mercado brasileiro de vinhos ainda é muito pequena. Em 2006, apenas 2% das garrafas importadas desarrolhadas aqui eram da terra de Cervantes. Este modesto número é desproporcional à importância do vinho espanhol no mundo (é o 3º maior produtor e exportador mundial). O que falta ao vinho espanhol no Brasil é apenas ser descoberto. Em recente viagem à região de Castilla Y Leon, no noroeste do país, pude visitar bodegas, vinhedos e me encantar com a qualidade e a diversidade dos vinhos.

O reino de León uniu-se à coroa de Castilla em 1037, pelas mãos do rei Fernando I. Já se fazia vinho lá desde o Império Romano, como em quase toda a Europa, mas foi nos séculos XVI e XVII, com a elevação de Valladolid, capital da região, à capital da Espanha, que o vinho teve impulso. A influência do Caminho de Santiago também foi importante para a produção de vinho, pois motivou a instalação de monastérios na Idade Média, e onde há monges, há vinho.

A referência na região é Ribera del Duero, terra do Vega Sicilia (já tratado em nossa edição de número 20), mas há muito mais. As Denominações de Origem (DO) são Rueda, Bierzo, Cigales, Toro e Ribera del Duero, além dos “Vinos de la Tierra”, fora dos territórios ou regras das DO´s.

O clima geral da região é continental, com grandes oscilações térmicas (anuais e diárias). O relevo é suave, devido à erosão do rio Duero, com altitudes entre 400 e 1.000 metros. Os solos, em geral, são sedimentares – areia sobre argila. O estilo geral é de vinhos de consistência profunda, perfumes intensos e personalidade marcada.

Vejamos o que descobri em cada uma das sub-regiões:

Rueda
Rueda (próxima a Valladolid) reina nos vinhos brancos. Lá, os invernos frios, os verões curtos e secos e os terrenos pedregosos são propícios às uvas brancas Verdejo, Viura e Sauvignon Blanc. Rueda fazia brancos tradicionais, oxidados pelo processo de Solera, até que novas bodegas surgiram nos anos 1980, com vinhos jovens e frescos, como os deliciosos Verdejo, que já se tornaram símbolo da região. Lá, visitei a Bodegas Antaño, tradicional produtor, com suntuosas instalações, representado aqui pela Expand. Dos 400 hectares da empresa, que geram três milhões de garrafas ao ano, 80% estão dedicados às uvas brancas. O destaque foi o “Mocén Verdejo 2006” (ainda não disponível no Brasil), muito fresco, lembrando maçã verde, pêssego, com fundo mineral, paladar fresco e equilibrado, com boa textura. Disponíveis por aqui estão o “Mocen Sauvignon Blanc 2004” (R$ 55,00) e o “Mocen Special Selection Verdejo 2004” (R$ 58,00). Uma novidade de outro produtor, que acaba de chegar, é o “Bribón Verdejo 2005”, do Real Sitio de Ventosilla (Decanter, R$ 56,95), rico de aromas, com pêra, menta, maçã, acácia, minerais e com ótima acidez.

Cigales
Associada aos vinhos rosados, DO Cigales fica ao norte do rio Duero. Em Cigales o PH do solo é mais alto, gerando rosados frescos e tintos mais macios. De lá provei vinhos da Valdelosfrailes, representada pela World Wine. O “Val Rosado 2006” (ainda não disponível no Brasil) é expressivo, quase um tinto, mas, por isso, com crise de identidade em seu estilo. O “Val Rosado 2005”, disponível aqui por R$ 42, deve agradar mais. O grande vinho da casa é o “Pago de las Costanas 2001” (R$ 170,00 ). Elaborado com vinhas de 125 anos de idade de Tempranillo, com 26 meses em carvalho novo. Nos aromas a madeira ainda domina, seguida de frutos negros maduros, café, amêndoa torrada, baunilha e muitas especiarias, fundo mineral, com taninos finos e doces.

O produtor Ricardo Pérez Palácios e vinhas velhas com 50 graus de inclinação

Bierzo
No extremo noroeste da província está Bierzo, um terroir sui generis. Lá os vinhedos, que podem chegar a mil metros de altitude, ficam em encostas inclinadas, algumas com mais de 60 graus. Os solos são de xisto com argila,com vinhas velhas, de mais de 100 anos. Faz sol (2.200 horas ao ano) e chove muito em Bierzo (900mm anuais). Esta umidade só não inviabiliza a produção de bons vinhos porque a inclinação dos terrenos e sua composição fazem com que a água escorra e não comprometa as uvas. A grande cepa é a tinta Mencía, de cor violeta e pele grossa, que gera vinhos frutados e de ótimo frescor.

Em Bierzo, visitei a Descendientes de J. Palácios, representados pela Mistral. Fundada em 1999 por Álvaro Palácios e Ricardo Pérez Palácios, a Bodega possui apenas 27 hectares de vinhas de até 110 anos de idade, espalhados em 200 pequenos lotes, cultivados de maneira biodinâmica, com rendimentos de apenas 20 mil kg por hectare. Provei vinhos excelentes, alguns direto dos barris. O “Pétalos del Bierzo 2006” , ainda não disponível no Brasil) é excelente, limpo e elegante no nariz, mineralidade explícita, paladar macio, taninos finos, acidez baixa, mas bom frescor. Tive a honra de provar o “Faraona 2006” (não disponível no Brasil), top da casa, de um pequeno vinhedo que gera apenas um barril e meio ao ano. A amostra de barril provada já está um veludo, taninos volumosos e finos, muito mineral.

Toro
A região de Toro é uma das melhores novidades espanholas surgidas nos últimos anos. O clima continental da Castilla Y León chega ao máximo de intensidade em Toro. Enquanto os tintos de Bierzo são marcados pelo frescor, os de Cigales pela redondez, e os de Ribera del Duero pela elegância clássica, os de Toro traduzem a dureza do clima em intensidade gustativa. Lá o relevo é suave, com altitudes ao redor de 700 metros. O solo argiloso é coberto por uma camada de pedras e areia brilhante que ajuda a aumentar o calor e a insolação nas uvas (por refração), melhorando sua maturação, enquanto a argila retém a água para que a planta resista à aridez do clima. A grande tinta local, a “Tinta de Toro”, uma variante da Tempranillo, gera vinhos de grande concentração e cor, frutados e florais.

Visitei o projeto Maurodos (lê-se “Mauro-2”), representado pela Grand Cru, segunda vinícola da famosa Bodegas Mauro, de Ribera del Duero. Esta bem equipada boutique faz apenas dois vinhos, o Prima e o San Román (o top), ambos excelentes. As vinificações são feitas em parcelas, com macerações curtas, pois a Tinta de Toro facilmente já traz muita concentração. A acidez é normalmente corrigida com ácido tartárico, prática comum na região. O “San Román 2001” (R$ 180,00), passa 20 meses em madeira, com tostados e fruta negra madura em primeiro plano, especiarias, balsâmicos, florais, estruturado, com taninos doces, macio (14% de álcool). O “San Román 2004” (ainda não disponível no Brasil), engarrafado uma semana antes da prova, é mais elegante e equilibrado que o 2001, embora menos volumoso, a madeira vem de mãos dadas com a fruta, especiarias, minerais, boa acidez, na boca uma montanha de taninos doces, bem presentes.

De uma pequena vinícola passei a uma menor ainda, a Bodegas Leda (representada pela Mistral). A empresa possui 54 pagos (pequenos vinhedos), bastantes dispersos na região, de vinhas de mais de 50 anos. O conceito aqui é saber trabalhar cada parcela e, posteriormente, misturar os vinhos para alcançar o melhor resultado. O “Leda Vinas Viejas 2004” (Mistral, US$ 113,50), com 18 meses em madeira francesa nova, intenso e profundo no nariz, com fruta negra madura, madeira bem trabalhada, taninos volumosos e doces, acidez moderada, toque lácteo. É um grande vinho.

Em toda a região, o vinho que mais impressionou foi o “Termantia”, representado pela Península. Em visita à bodega Numanthia Termes, pude provar amostras de barril e visitar vinhedos, a 840 metros de altitude, com vinhas préfiloxéricas plantadas rasteiras ao solo, de até 140 anos de idade. Provei uma amostra de barril do “Termenthia 2005” (ainda não disponível no Brasil), potente, com muito chocolate, violetas, especiarias, mineral, alcaçuz, ameixa madura, paladar excepcionalmente pronto para uma amostra de barril, polido na boca, uma montanha de taninos, mas ao mesmo tempo um veludo em grande equilíbrio, de acidez, corpo e álcool (14,8%). Um privilégio provar este vinho, o melhor de toda a viagem.

Bodega Protos: a Tempranillo impera absoluta

Ribera del Duero
A região de Ribera del Duero é uma das mais tradicionais da Espanha. Boa parte dos grandes tintos do país vem daqui, como o já citado Vega Sicilia. O clima da região é marcado pela continentalidade, com grandes contrastes de temperaturas, podendo ultrapassar os 40°C no verão e os 20°C negativos no inverno. Às margens do rio Duero, a região é um planalto de 800 metros de altitude, com solos de sedimentos, chuvas moderadas (450mm), 2.400 horas de sol, amenizadas por ventos frios. A principal uva é a tinta Tempranillo, que em geral, produz vinhos de bom teor alcoólico, com bons taninos, de acidez moderada, concentrados, equilibrados e longevos.

Comecei visitando a Bodega Protos (representada pela Península), fundada em 1927. Esta grande empresa possui 275 hectares de vinhedos próprios e outros 427 contratados, tudo isso com apenas uma uva, a Tempranilllo. Em seus dois quilômetros de caves subterrâneas, pude ver mais de 10 mil barris de carvalho. Os destaques foram: “Crianza 2003” (R$ 149,00), muito bem em seu estilo clássico, com madeira na frente, frutas maduras, largo e bem equilibrado no paladar; “Gran Reserva 2001” (R$ 365,00 ), de cor granada clara, aromas potentes, madeira bem trabalhada, especiarias, complexo, taninos macios, para longa guarda.

Outra importante empresa da região é o grupo Matarromera (representado pela World Wine), composto por quatro vinícolas, três em Ribera del Duero: Matarromera, Emina e Renacimiento, e a Valdelosfrailes, em Cigales. A Matarromera é a mais tradicional, com vinhos em estilo clássico. A Emina, cujas belas instalações visitei em Valbuena de Duero, produz vinhos mais modernos, além de uma linha de cosméticos derivados do vinho. A Renascimiento é uma boutique que faz apenas 16 mil garrafas de um único vinho, o “Rento”. Nas provas os destaques foram: “Matarromera Crianza 2004” (R$ 160,00), elegante e equilibrado, com boa relação entre frescor, fruta e madeira. “Matarromera Pago de las Solanas 2001” (R$ 1.500, 4 estrelas), o top da casa, muito elegante e complexo, com defumados, especiarias, tostados, cedro, tabaco, taninos finos, boa acidez, grande persistência, deve envelhecer lindamente. “Rento 2002” (R$ 230,00), a melhor surpresa da prova, com aromas potentes, deliciosa fruta madura bem casada com madeira, chocolate, alcaçuz, tostados, baunilha, violetas, couro novo, tabaco. Chama atenção pelo conjunto bem integrado.

A World Wine acaba de lançar em seu catálogo outro produtor da região: Carmelo Rodero, empresa familiar que em 1990 parou de vender uvas e começou sua própria produção. O “Crianza 2004” (R$ 120,00) é moderno, com madeira bem integrada, com fruta madura, equilíbrio pendendo para a maciez. O “TSM 2003” (R$ 390,00) é um corte de Tempranillo 75%, Merlot 15% e Cabernet Sauvignon 10%, chama atenção pelo frescor, boa fruta, café, alcaçuz, couro e toque mineral, médio-bom corpo, equilíbrio pendendo para a maciez.

Em Sardon de Duero, próximo a Valladolid, visitei a premiadíssima Abadia Retuerta, também da Península. A propriedade inclui 200 hectares de vinhedos, moderníssima vinícola com cinco mil barris de carvalho e uma abadia do século XII, totalmente restaurada. Os vinhos são fantásticos, com destaque para “Selección Especial 2004” (R$ 152,00), “PV 2004” (R$ 1.260,00) e o “Pago Negralada 2003” (R$ 909,00). O primeiro é uma ótima compra. O PV (Petit Verdot) é mastigável, taninos e madeira em profusão, muitos tostados, toffee, tabaco. O “Pago Negralada” é um bloco de aromas e sabores, o mais equilibrado, profundo e complexo da casa. É um dos grandes vinhos da Espanha.

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