Os sabores da globalização

O chef Emmanuel Bassoleil comemora 20 anos no Brasil lançando um livro de receitas e chefiando o restaurante Skye

por Fábio Farah

fotos: Piti RealiA viagem de chefs a países de culturas culinárias distintas transforma a cozinha em um laboratório no qual as panelas são cadinhos alquímicos, combinando sabores clássicos às novas descobertas. Dessa maneira, criações francesas ganham toques asiáticos, ou são coloridas com o exotismo tropical. Um dos exemplos desse intercâmbio gastronômico é Emmanuel Bassoleil. Nascido em Auxonne, no coração da Borgonha, ele aterrissou no Brasil há 20 anos para comandar o Roanne, restaurante paulistano de seu conterrâneo Claude Troisgros. Para comemorar a data, ele acaba de lançar Os Sabores da Borgonha (Senac, R$ 55, 264 págs.), com 30 receitas de sua região, algumas colhidas do caderno de receitas de sua mãe. Com o livro em mãos, chego ao restaurante Skye, do Hotel Unique, em São Paulo, onde ele é chef executivo desde 2001.

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“Carré de Cordeiro com Batatinhas Provençais e Jus d´Agneau com Ervas”

Para iniciar a degustação, a primeira entrada escolhida é o “Toast de Brioche com Foie Gras e Compota de Cebola Roxa Caramelizada ao Vinho Tinto”, uma receita da Borgonha, incluída no livro. Duas fatias de foie repousam sobre o brioche, enquanto uma singela salada de rúcula com radicchio espreita ao lado. Descubro a compota na primeira garfada. A doçura excessiva impede a expressão de outras nuances de sabor. Embora a recomendação de harmonização para o prato, encontrada no livro, seja um Beaujolais – Juliénas ou Fleurie –, minha taça recebe o “Gran Tarapacá Cabernet Sauvignon 2006”. A casa não tem sommeliers e o serviço de vinho – incluindo a sugestão – é feito pelas garçonetes. O casamento de vinho e prato não é adequado. Passo para a segunda entrada: “Cassolette de Escargots com Cogumelos Flambados ao Pastis”, também da Borgonha. A simplicidade da apresentação – um montinho de cogumelos e escargots –, cercado pelo caldo, tem charme e combina com o acento terroso dos sabores. Porém, a temperatura para um prato é tão fundamental quanto para o vinho. Se estiver inadequada, pode mascarar os defeitos – ou esconder suas qualidades. O prato fumegante exalta certos aromas, mas esconde sabores mais sutis. O vinho harmonizado – o mesmo que o da entrada anterior – parece um tratorzinho de taninos, matando os escargots e os cogumelos.

Escolho como primeiro prato principal o “Linguado no Vapor ao Creme de Champagne e Caviar com Purê de Inhame”. No menu, abaixo de seu nome, o cliente pode ler: “Um clássico do chef”. A combinação de elementos evoca minha afirmação inicial e evidencia o talento de Bassoleil. O peixe de águas brasileiras está deitado sobre um purê de inhame, outro elemento gastronômico de nosso País. O conjunto, literalmente pontilhado por caviar, parece flutuar sobre o creme de Champagne. O prato apresenta variações de maciez, emulsionadas no paladar pela cremosidade que banha seus elementos. Até o peixe, no ponto certo, parece envolvido por uma película plástica. Os sabores mais suaves estão em harmonia e o caviar, com sua personalidade marcante, imprime complexidade. Esse prato insinua que os produtos são como notas musicais, dos quais o chef deve extrair uma canção. Degustar é sentir o ritmo, escutar a música dos sabores e aromas. A harmonização é com um prosseco “Villa Sandi”. Uma nota de maçã sobressai do embate e sugere que um champagne, com sua mineralidade, honraria melhor esse “clássico”.

Piti Reali
"Toast de Brioche com Foie Gras“: doçura excessiva"

O “Carré de Cordeiro com Batatinhas Provençais e Jus d´Agneau com Ervas” tem uma apresentação de encher os olhos. Apesar de tradicional, ele possui uma releitura moderna, com o molho em uma pequena xícara ao lado da carne. “Brotando” do carré, um pequeno ramo de alecrim. As batatinhas provençais escondem-se atrás da carne, lembrando quem é o protagonista. Com o jus d´agneau derramado sobre o prato, os aromas ganham força e os sabores tornam-se mais intensos. Um homem acende um cigarro de palha na mesa ao lado. Por mais que a fumaça me incomode, e atrapalhe a degustação, ela carrega uma recordação agradável da infância. Sentado em frente a sua casa, quase na calçada, o Velho Chico usava um canivete para lapidar o tabaco antes de envolvê-lo em palha. Apesar de sua simplicidade, ele fazia isso com uma elegância impagável. Sempre que me sinto desterrado, perdido em um cosmopolitismo necessário, recordo-me do Velho Chico fumando seu cigarro de palha – e da importância em jamais perder as raízes. O leitor deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a crítica gastronômica. Muitos chef’s que se internacionalizam tornam-se impessoais. Antes da sobremesa, meu veredicto sobre Emmanuel Bassoleil já está pronto. Ele tem talento, mas estaria melhor à frente de um bistrô moderno, fazendo a releitura das receitas de seu livro. Com uma taça de “Royal Oporto 10 anos”, faço um brinde ao Velho Chico, que, com seu cigarrinho de palha, continua rindo dos homens e de seus caprichos.

COZINHA
ENTRADA - R$20 a R$51
PRATO PRINCIPAL - R$40 a R$78
SOBREMESA - R$19 a R$21

Avaliação
Sublime
Excelente

Muito Bom

Bom
Médio
-Fraco

Av. Brigadeiro Luis Antônio, 4700 – São Paulo Tel.:(11) 3055-4700

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