Aos pés do Etna

Os vinhos que nascem sob o maior vulcão ativo da Europa

Conheça os vinhos que nascem sob o Etna, o maior vulcão ativo da Europa, e alguns de seus produtores pioneiros

Imagem Os vinhos que nascem sob o maior vulcão ativo da Europa

por Alessandro Tommasi

Uma história milenar e um impressionante renascimento, produzindo atualmente alguns dos mais elegantes e disputados vinhos da Itália. Em poucas palavras, esta é a trajetória da vinicultura no Etna, maior vulcão ativo da Europa e parada obrigatória para quem aprecia grandes vinhos.

A história da produção de vinhos na Sicília se confunde com a de nossa civilização. A Odisseia, escrita no oitavo século antes de Cristo e atribuída a Homero, já fazia menção aos vinhos locais. Foi com o vinho da região que o protagonista Ulisses teria embebedado Polifemo, o gigante de um olho. Isso teria garantido a liberdade do herói e de seus companheiros.

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Porém, por muitos séculos os vinhos do Etna acabaram se tornando mais sinônimo de quantidade do que qualidade. Por exemplo, logo após a filoxera destruir boa parte dos vinhedos do norte da Itália, grandes volumes dos tintos do Etna iam a granel para outros destinos. Eles eram escoados através de uma rede de ferrovias locais e enviados pelo porto de Riposto para fazer parte do blend de várias regiões, inclusive no Barolo. Nesta época, sua área de vinhedos era cerca de oito vezes maior que a atual. 

Mesmo apesar de historicamente contar com vinhedos de alta qualidade, o que faltava à região era um grupo de produtores determinados a mudar o foco. Em poucas palavras, buscar qualidade ao invés de quantidade. E isso ocorreu a partir do final da década de 1980.

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Em 1988, Giuseppe Benanti criou a vinícola que leva seu nome e, com a participação do enólogo local Salvo Foti, lançou seus primeiros vinhos em 1990. Poucos anos depois, chegaram à região Marco de Grazia (Tenuta delle Terre Nere), Andrea Franchetti (Passopisciaro) e Frank Cornelissen.

A partir do impulso destes pioneiros, o vinho do Etna passou por um enorme avanço em termos de qualidade. Em paralelo, cresceu também em volume, com mais de 300 vinícolas atualmente atuando na região.

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O terroir e as uvas do Etna

Chamado de a “ilha dentro da ilha”, o Etna está situado no nordeste da Sicília. Apesar de ter mais que 3.300 metros de altitude, seus vinhedos se concentram em uma faixa que varia entre 400 e 1.000 metros, formando uma espécie de meia lua em torno da cratera principal. São solos predominantemente vulcânicos, com múltiplas orientações. 

Espalhados em áreas que resultaram de erupções passadas (quase 200 somente nos últimos 500 anos) ou seu entorno, muitos de seus vinhedos se encaixam perfeitamente no conceito de viticultura heroica.

São terraços de pedra, onde a mecanização é impossível e a presença de vinhas velhas (muitas já centenárias) é significativa. Assim como no restante da Sicília, as várias sub-regiões do Etna são divididas em Contrade (são 133 atualmente), definidas tanto por afinidade de terroir como por decisões administrativas. 

Os vinhedos do Etna são predominantemente plantados com uvas autóctones da Sicília, algumas delas com presença significativa somente em torno do vulcão. Entre as tintas, a Nerello Mascalese é a principal, seguida pela Nerello Cappuccio e pela Grenache, trazida há séculos pelos espanhóis. Já entre as brancas, ganham destaque a Carricante e, em menor volume, Catarratto, Grillo, Insolia e Minella Bianca. Há também pequenos vinhedos de variedades internacionais, entre elas Riesling, Chardonnay e Petit Verdot.

Etna
Um conceito importante para entender melhor os vinhos do Etna é o de Contrada, ou Contrade (no plural). Apesar de ser usado em boa parte da Itália, esta expressão assume significados diferentes, dependendo da região. Por exemplo, em Siena, local de uma das mais tradicionais festas italianas (o Palio), Contrada representa uma das 17 frações da cidade. Cada uma destas Contrade tem uma equipe que disputa o tradicional torneio a cavalo na histórica praça central da cidade.
Já no sul da Itália e, especialmente na Sicília, Contrada é uma fração da área de um município, muito usada nas áreas rurais. Cada Contrada tem características próprias, geralmente associadas às suas condições geológicas e geográficas (solo, orientação e altitude), históricas (posse por parte de uma família por muito tempo) ou meramente administrativas. 
No caso do Etna, em particular, existem 133 Contrade mapeadas, que variam bastante de tamanho. Por conta da unicidade de cada uma, o conceito de Contrada vem sendo muito usado pelos produtores de vinho, sobretudo nas últimas décadas. O produtor tem a opção de adicionar o nome da Contrada ao rótulo, com uma forma de ajudar o consumidor a identificar as características do terroir. Por exemplo, a Contrada Guardiola, situada entre 800 e 1.000 metros de altitude, dá origem a vinhos muito distintos daqueles da Contrada Calderara Sottana, a 600 metros. Ao identificar a Contrada de origem das uvas, o consumidor já pode antecipar características do vinho, obviamente dependendo também da safra e do estilo de vinificação adotado. 
De uma certa forma, o conceito de Contrada se aproxima daquele de lieu-dit, muito usado na Borgonha e outras partes da França. Além de características únicas em termos de terroir, também os lieux-dits (no plural) contam com retaguarda jurídica, já que sua definição se deu quando da criação do registro de terras na França, em 1807.

Vinhos em vários estilos

Criada em 1968 e expandida em 2011, a denominação de origem Etna permite a produção de vinhos em diversos estilos. Os tintos são elaborados como Etna Rosso, tendo a Nerello Mascalese como principal variedade, e respondem por cerca de 55% da produção.

Os brancos, com participação de 31%, contam com duas categorias: Etna Bianco e os Etna Bianco Superiore, estes últimos elaborados somente a partir de uvas do município de Milo, no sudeste do vulcão. A Carricante é a variedade dominante, muitas vezes vinificada in purezza, ou seja, como monovarietal.

Completam o leque de estilos os vinhos rosados (Etna Rosato, 8% da produção) e Etna Spumante (com 6% do total). 

O que esperar dos vinhos?

Os tintos são elegantes e equilibrados, com coloração que lembra Pinot Noir e taninos presentes, às vezes comparados com aqueles do Barbaresco. Boa parte é engarrafado como Etna Rosso (muitas vezes também como Terre Siciliane IGT, por conta da decisão do produtor e/ou localização e altitude dos vinhedos).

Porém, o ponto alto são os chamados vinhos de Contrada, elaborados a partir de parcelas específicas e que refletem a enorme diversidade do terroir local. 

Os brancos buscam expressar os solos vulcânicos e altitude através de frescor e mineralidade. Para quem aprecia brancos com maior poder de evolução, os Etna Bianco Superiore são a escolha natural. Os Etna Rosato são leves e frutados, enquanto os Spumanti, elaborados com Nerello Mascalese, seguem em ascensão. 

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