Escola do vinho

Como servir uma refeição com vinhos?

O que levar em consideração para criar uma ordem de serviço dos vinhos

por Por Arnaldo Grizzo

Não temos esse costume aqui no Brasil, mas, na França, por exemplo, é tradição um pequeno prato de queijos ao final da refeição, antes da sobremesa, ou, em alguns casos, até substituindo os doces. Já na Itália, é comum que a salada seja servida depois dos pratos quentes para limpar o paladar, e não antes deles, como costumeiramente fazemos aqui, servindo como uma entrada.

Esse preâmbulo é apenas para mostrar que a ordem de serviço das refeições, apesar de ter suas regras (mais ou menos lógicas), também aceita algumas variações e, obviamente, exceções. E o mesmo vale para a ordem de serviço de vinhos.

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Em uma degustação (ou jantar com vinhos), a primeira questão sempre é: “Por onde começar?”. Pode-se começar com um vinho tinto e depois servir um branco? Ou então passar de um fortificado doce para um espumante seco? Deve-se partir de um vinho jovem para um velho ou o contrário? Para facilitar, a seguir, vamos elencar algumas dicas que ajudarão na organização de sua próxima degustação.

Crescendo

Para exemplificar a ideia da ordem de serviço do vinho, podemos usar uma interessante metáfora com a música. Em algumas obras célebres que terminam apoteóticas e arrebatam os corações dos ouvintes, os compositores geralmente se utilizam de uma variação de intensidade chamada “crescendo”. O “crescendo” nada mais é que um aumento gradual do volume das notas, que podem partir do molto pianissimo (intensidade sonora mínima) até o molto fortissimo.

No serviço dos vinhos, vale o mesmo princípio. Portanto, parta do seguinte pressuposto: espumantes, depois brancos, depois rosés, depois tintos e, por fim, doces. Essa regrinha básica funciona bem em 90% das ocasiões. Ela se baseia no “peso” das bebidas. Ou seja, convencionalmente espumantes são mais leves do que vinhos brancos, que, por sua vez, são mais sutis do que os rosés, que têm menos corpo do que os tintos, que são menos densos do que os doces.

Vamos assim, das mais “leves” às mais “pesadas” em um crescente de intensidade – como na música, das notas mais suaves às mais carregadas. Por que isso? Porque vinhos mais “pesados” ou intensos tendem a dominar o paladar e, caso sejam sucedidos por bebidas mais leves, podem comprometer a apreciação, mascarando ou deturpando sabores.

No entanto, esse princípio não funciona sempre, pois nem todos os vinhos obedecem a essas normas de “peso”. Há tintos mais sutis que brancos, por exemplo. Dessa forma, talvez você prefira servir um Valpolicella antes de um Chardonnay norte-americano estagiado em barricas. Pode até parecer um contrassenso em um primeiro momento, mas, diante da potência das duas bebidas, fará sentido.

Voltando à música, é como quando um trompete (um instrumento de grande intensidade sonora) soa uma nota delicada e um violino (de menor intensidade), por sua vez, toca uma mais forte. Então, pensando dessa forma, fica claro como você deve organizar sua degustação caso tenha diante de si vinhos de um mesmo tipo, como tintos, por exemplo. Basta seguir uma linha crescente de peso, partindo dos mais leves, como Pinot Noir, Barbera, Gamay, Bonarda, Dolcetto até chegar aos Alicante Bouschet, Malbec, Cabernet Sauvignon e Tannat, por exemplo. Mas lembre-se: apesar de haver variedades que tendem a resultar em vinhos mais leves, muito do peso do vinho será dado pelo estilo de vinificação.

Um exemplo clássico é o Tempranillo espanhol, que pode ser bastante leve, como os “Joven”, até os extremamente intensos como os “Gran Reserva”, que envelhecem por 60 meses, sendo 18 em barricas de carvalho, ganhando, assim, um grande corpo.

Madeira, álcool, tanino

Aliás, diante de vinhos similares, há diversas maneiras de estipular uma “crescente” de intensidade: o tempo e o tipo de envelhecimento em carvalho, a graduação alcoólica e até mesmo os taninos. Geralmente, quando mais longo o envelhecimento em barricas, maior o peso do vinho. Além disso, quanto mais tempo em barricas novas e menores, também. Ou seja, diante de dois vinhos equivalentes que passaram o mesmo período de estágio em barricas, tende a ser mais leve aquele que envelheceu em barricas de segundo uso ou então em grandes tonéis – se comparado com outro que passou período semelhante em barricas novas e pequenas.  

Outra dica é atentar-se ao álcool. Em degustações de destilados, esse é um procedimento normal: começa-se pela bebida menos alcoólica. No vinho, podemos seguir esse expediente, pois, costumeiramente, vinhos com menos teor alcoólico tendem a ter peso menor. Lembrando sempre de observar essa “regra” quando estivermos comparando vinhos do mesmo tipo, ou seja, tintos com tintos, brancos com brancos etc. Uma outra possibilidade é tentar separar os tintos por seus taninos. Mas, para isso, é preciso que as similaridades entre os vinhos sejam bastante próximas e, além disso, ter certo conhecimento de processos de vinificação que possam interferir na “tanicidade” da bebida. Sendo assim, vamos partir de tintos de safras próximas sem passagem por madeira, por exemplo. Dessa forma, vamos deixar os Tannat, Petit Verdot, Baga, Nebbiolo etc. para o final, pois seus taninos podem comprometer a apreciação de vinhos mais sutis, dando a impressão de que eles são mais tânicos do que realmente são. Já diante de tipos de vinhos diferentes, uma dica importante é partir dos secos para os doces. O açúcar, assim como os taninos, também pode mascarar o paladar na hora de degustar bebidas mais secas a seguir. Ninguém come a sobremesa antes do prato principal, não é?

Quebrando as regras

Por sinal, é graças à “complexidade” que algumas das regras citadas anteriormente podem ser quebradas. Vamos começar pelas degustações verticais, por exemplo. Apesar de a tradição mandar começar pelos vinhos mais velhos, há quem prefira fazer o caminho contrário e iniciar pelos jovens. Por quê? Para pode apreciar com mais nitidez a evolução de aromas e sabores, que se tornam cada vez mais complexos com o passar dos anos.

A complexidade também pode estar por trás da troca de lugares entre tintos e brancos na sequência de serviço, que já citamos anteriormente. Um Meursault, por exemplo, poderia vir depois de uma sequência de tintos leves e médios e isso não seria comprometedor. Há ainda quem prefira finalizar uma sequência de vinhos com espumantes devido a sua acidez e borbulhas, que limpam o palato.

Ou seja, da mesma forma que eles podem começar a sequência por essa razão, poderiam também terminá-la. No campo dos fortificados, que geralmente são deixados para final das degustações, há situações em que eles podem, sim, vir para o início, como no caso dos Jerez secos, tradicionalmente servidos como aperitivos, mas que também podem acompanhar algumas entradas em um jantar.

Por falar em harmonização, um dos fatores que definitivamente pode alterar profundamente a ordem de serviço é a possível combinação com pratos. Nesse caso, vale a pena se atentar mais às possíveis interações entre a bebida e a comida do que tentar seguir uma ordem crescente de intensidade de vinhos que, no fim, não fará sentido com as receitas servidas.

Em uma degustação, assim como em uma música, a perfeita harmonia nem sempre está em um “crescendo” contínuo, mas, às vezes, em variações que, a seu modo, chegam a um final triunfante.

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