Simples e saboroso

O chef Benny Novak mostra que a tradição é a melhor base para a criatividade e dá um toque de modernidade na cozinha de bistrô

por Fábio Farah

fotos: Vinicius RealiSegundo o Pequeno Dicionário da Gula, de Márcia Algranti, bistrô é um estabelecimento onde são servidos pratos despretensiosos e simples, ainda que muito saborosos.

Apesar da palavra ser de origem russa (de bystro, que significa rápido), foi por intermédio dos franceses que ela passou definitivamente para o vocabulário da gastronomia. Nos bistrôs, ao redor do mundo, encontra-se a culinária francesa de terroir, como "Carbonnade" e "Soup l´Oignon". Em São Paulo, o Ici Bistrô, comandado pelo chef Benny Novak, não foge à regra. "Faço a comida que os franceses comem em casa. Mas tenho um cuidado com a apresentação do prato e a quantidade servida", diz o chef, que, nas horas vagas, toca guitarra em uma banda de blues.

O menu degustação se inicia com o "Steak Tartar", harmonizado com o "Dolcetto Langue DOC 2004". O detalhe curioso na apresentação fica por conta do ovo de codorna - com a gema mole - sobre o steak. É apenas uma lembrança do elemento na receita original, não seguida pelo Ici. Picada na ponta da faca, a textura da carne é macia no paladar, contrastando com os pedaços de cebola. E ganha em complexidade com a crocância das batatas fritas. Molho inglês, mostarda de Dijon e tabasco imprimem intensidade de sabor.

fotos: Vinicius Reali
"Plat de Cote de Bouf Provençal": ode à cozinha de bistrô
fotos: Vinicius Reali
"Ostras Pôchée ao Beurre Blanc com Brouillade e Trufas Negras": elegância e sofisticação
fotos: Vinicius Reali
"Pain Perdu com Pêra Confit": rabanada francesa
fotos: Vinicius Reali
O chef Benny Novak: domínio dos clássicos

Enquanto a entrada quente se aproxima, a voz da norte-americana Nina Simone preenche os ouvidos - e a alma. As "Ostras Pôchée ao Beurre Blanc com Brouillade e Trufas Negras" trazem elegância e sofisticação. O primeiro aroma que se insinua é o da trufa negra. Servidas sobre sal grosso, as ostras foram escaldadas durante 30 segundos em creme de ovos com trufa. Diferentemente da forma clássica, as ostras estão levemente aquecidas, com a textura e o sabor diferenciados. Os sabores marcantes, no entanto, são um pouco intimidados pelo excesso de sal.

A harmonização com o champagne "Jacquart" evoca a combinação clássica de ostras com champagne. Nesse caso, ela apara algumas arestas, mas ignora a personalidade complexa do prato e é menos satisfatória do que o desejado.

O prato principal, "Plat de Cote de Bouf Provençal", é uma ode à cozinha de bistrô e mostra o domínio das técnicas da cozinha tradicional francesa. A preparação da costela demora até cinco horas. Ela é servida com a redução do caldo utilizado no cozimento. Como acompanhamento, purê de batatas para aliviar a potência do molho, que carrega bacon, alho e azeitona preta. Parafraseando o Pequeno Dicionário da Gula, é um prato despretensioso e simples, mas muito saboroso. Também apreciei a harmonização com o "Luis Pato 2003". A tipicidade da baga, com sua potência e acidez, combina com a rusticidade do clássico. Formado na Le Cordon Bleu, em Londres, Benny ressalta a importância da cozinha clássica francesa: "É onde se aprendem todas as técnicas culinárias. Com elas, o chef tem condições de utilizar sua criatividade para desenvolver outros pratos. É como o jazz. Não adianta improvisar sem saber a escala".

Com "Crème Brûlée", "Profiteroles" e "Souflê", o cardápio de sobremesas preza pelas criações da pâtisserie tradicional francesa. A rabanada que recebo na mesa parece um intruso da doçaria portuguesa disfarçado com o nome de "Pain Perdu com Pêra Confit". Mas Benny garante que o doce surgiu entre as famílias camponesas da França que queriam aproveitar o pão "amanhecido". Em sua versão, o chef substitui o pão de campanha por brioche. O resultado é a maciez mais acentuada do miolo, após embebido em creme de ovos, leite e baunilha. Frita em manteiga clarificada, a rabanada repousa sobre crème anglaise e é servida com uma compota de pêra. Harmonizada com o "Muscat de Riversaltes Domaine Cazes 2002", a sobremesa finaliza muito bem o menu degustação e é um de seus melhores destaques. Ainda mais saboreada com a música "Angel of the Morning", de Nina Simone, ao fundo.

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