Um sonho impossível

A maior prova de Bordeaux 1961 que se tem notícia ocorreu no Brasil. Confira o relato de nosso editor de vinhos que marcou presença no evento histórico

por Marcelo Copello

Provar vinhos ícones como o Château Latour, Château Haut- Brion ou Petrus é sempre uma ocasião especial na vida de um enófilo. Provar um destes grandes nomes de uma safra espetacular, como a de 1961, pode significar provar “o melhor vinho da vida”. Provar todos os grandes Bordeaux de 1961 juntos soa como um sonho impossível, de levar ao delírio o mais exigente dos apreciadores e o mais experiente dos profissionais. Pois este sonho impossível tornou-se realidade no mês passado, quem diria, em solo brasileiro. Quando falamos que existe uma elite de consumidores brasileiros altamente sofisticados, e que por aqui bebe-se do melhor, muitos não acreditam.

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Um grupo de cerca de 40 amigos enófilos reuniu-se no Rio de Janeiro, em Julho, em seis encontros, para desarrolhar nada menos do que 260 garrafas (algumas magnum), de 145 grandes de Bordeaux de 1961. Foram degustados: 30 vinhos de Saint-Emilion, 22 de Pomerol, 21 de Margaux, 16 de Pauillac, 14 de Saint Julien, 11 de Graves, 11 de Saint-Estèphe, 7 do Médoc e 12 de Sauternes e Barsac (além de grandes Champagnes e Cognacs, todos também de 1961). Todos os vinhos míticos da região estavam presentes. Todos os Grand Crus Classés de 1855 também estavam presentes, com exceção de três: o 3ème Desmirail, o 4ème Pouget e o 5ème Pédesdaux. Esta provavelmente foi a maior degustação jamais realizada no planeta desta safra, que foi uma das melhores de todos os tempos em Bordeaux.

Mas porque 1961 foi tão especial? De todas as safras do século XX desta região, 12 são consideradas excepcionais: 1926, 1928, 1929, 1945, 1947, 1949, 1953, 1959, 1961, 1982, 1989 e 1990. Dentre elas, as de 1945 e 1961 destacam-se como extraordinárias. Em 1961 choveu forte na primavera, época da floração, reduzindo o

Christian Bauer/Stock.Xchng
Vinhedo em Bordeaux

numero de uvas sãs. Em seguida, o verão foi quente e seco, proporcionando grande concentração dos frutos que sobraram. Como resultado, o rendimento foi um dos menores da história, com poucas uvas, mas de qualidade notável, proporcionando vinhos profundos e incrivelmente longevos. A maioria dos grandes vinhos de Bordeaux teve o melhor vinho de sua história na safra de 1961, com altos preços já no lançamento. Michael Broadbent, crítico inglês da revista Decanter, maior referência mundial em Bordeauxs antigos, dá nota máxima (5 estrelas) a nada menos que 20 Bordeauxs desta safra, e 6 estrelas, uma exceção, ao Château Latour 1961.

Reunir estes vinhos foi um trabalho hercúleo realizado por um apaixonado colecionador que prefere ficar anônimo (ela também compilou a maior parte das informações contidas nesta coluna). O desafio de agrupar, 46 anos depois, estas raridades, consumiu muito mais do que dinheiro (algumas destas garrafas podem custam vários milhares de dólares), e sim, tempo, conhecimento e dedicação. A dificuldade maior não foi encontrar os vinhos famosos, e sim os nomes menores.

Pude tirar grandes aprendizados desta experiência única. Primeiro, a constatação de que, quando falamos de safras antigas, cada garrafa é uma história. Abrimos, em sua maioria, duas garrafas de cada vinho, que quase sempre estavam bem diferentes. O modo de conservação de cada recipiente, 46 anos depois, faz grande diferença. Outro aspecto a mencionar é que de 10% a 15% das garrafas continham vinho oxidado, bouchonée ou já bastante decrépito, o que é até um percentual pequeno frente a idade. Cerca de 50% das garrafas estava excepcional e muitas viveriam ainda, facilmente, por mais algumas décadas, o que prova a qualidade e a longevidade da safra de 1961. Na hora da análise dos vinhos e da escolha dos melhores, também notamos um forte aspecto pessoal. Mesmo com muitos especialistas presentes, as escolham (fora dois ou três vinhos que realmente se destacaram) foram muito dispersas. A explicação é simples: estávamos degustando vinhos cuja qualidade chega a perfeição, com várias notas 100, e é impossível deixar a emoção de lado ao provar raridades como estas. Impossível e desnecessário, já que a função do vinho é emocionar.

Os 12 preferidos do grupo foram:
1-Petrus (Pomerol),
2-Château Palmer (Margaux),
3- Château Latour (Pauillac),
4-Château Margaux (Margaux),
5-Château La Mission Haut-Brion (Graves),
6-Château Trotanoy (Pomerol),
7-Château L’Église Clinet (Pomerol),
8-Château Ducru-Beaucaillou (St. Julien),
9-Château Cheval Blanc (St,-Emilion),
10-Château L’Evangile (Pomerol),
11-Château Haut-Brion (Graves),
12-Château Pichon Lalande (Pauillac).

Cave de envelhecimento

Destaque para os vinhos do Pomerol, que tiveram quatro menções, mas que poderiam receber outras três, já que também estavam fantásticos: Château La Tou à Pomerol, Château L´Evagile, Château La Conseillante, todos também do Pomerol. É bom lembrar que o estado de cada garrafa foi fundamental. Por exemplo, o Château Margaux 1961, normalmente não tão bem cotado, destacou-se, pois estava em perfeito estado de conservação, enquanto o Château Latour à Pomerol 1961, que alguns especialistas internacionais citam como um dos maiores vinhos da safra, apesar de muito bom, não estava em seu melhor estado. O grande destaque, predileto com expressiva maioria de votos, foi o Petrus. A garrafa (magnum) aberta estava perfeita, mostrando um vinho impressionante, de grande estrutura, um bloco de aromas, de madeira, fruta, chocolate, minerais, caramelo, com grande profundidade gustativa, muito longo e dando sinais de que viveria facilmente por mais algumas décadas. Outro que impressionou pela potência e juventude foi o Château Latour, monumental, ainda com taninos a resolver, 46 anos depois! Infelizmente o espaço é insuficiente para comentar sequer um décimo dos 145 grandes Bordeaux 1961 provados. Como com todos os grandes vinhos que provamos na vida, o que fica é a lembrança compartilhada com os que dividiram conosco tal néctar.

Uma garrafa de vinho é cápsula na qual se pode viajar no tempo e no espaço. Provar vinhos de safras antigas como 1961 é provar um pouco de história, sentir o gosto do tempo e testemunhar uma enologia que não existe mais. Realizar uma mega-prova como esta é, no entanto, muito mais que isto, é um fato histórico.

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