O primeiro climat

A história do Clos de Bèze, o primeiro Grand Cru da Borgonha

Um dos primeiros Grand Cru da Borgonha, o Clos de Bèze tem uma história que remonta ao século 7

Imagem A história do Clos de Bèze, o primeiro Grand Cru da Borgonha

por Arnaldo Grizzo

Diz a lenda que, em 628, o rei merovíngio da Borgonha, Dagoberto I, pediu a três de seus vassalos, entre eles o duque Amalgaire, que matassem Burnulfe, tio de seu irmão, para assim consolidar sua autoridade e poder.

Ele então teria recompensado os três com vastas propriedades. O duque Amalgaire recebeu as terras de Fons Besua (região de Bèze na Borgonha) e decidiu construir a Abadia de Bèze, que dotou com uma considerável quantidade de terras e vinhedos, tendo como líder um de seus três filhos, o monge Waldalene – sua ideia seria compensar suas faltas diante de Deus.

“Ele [o duque Amalgaire] deu a Gevrey uma quantidade não insignificante de vinhedos, com viticultores e colonos, florestas, campos e todas as coisas adjacentes. Tudo de maneira perfeitamente livre e, em suma, alheio a qualquer reivindicação de direito consuetudinário”, aponta um texto dos arquivos da aldeia.

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Clos de Bèze
Em vermelho as regiões de Appellations Grands Crus

Assim, entre 630 e o século XIII, a Abadia de Bèze formou o “clos” que viria a ser o climat hoje conhecido como Chambertin-Clos de Bèze, um dos mais famosos vinhedos Grand Cru da Borgonha e tido como o primeiro a ser reconhecido como tal juntamente com Chambertin.

Até então, os vinhos eram reconhecidos pelos nomes das vilas principais, mas Clos de Bèze e Chambertin fugiam a esse padrão. Eles foram a primeira indicação geográfica precisa, diferente de Beaune ou Dijon, usada para nomear um vinho.

No entanto, a primeira menção explícita a um local pertencente aos monges de Bèze surgiu em um documento datado de 1219. Nele, o abade de Bèze, Henri, e os seus monges, vendem à catedral de Langres parte das suas vinhas de Gevrey, mencionadas sob a denominação de “nosso Clos Gevrey” (clausi nostri de Gevreio).

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Dessa forma, o Clos de Bèze tornou-se propriedade da catedral de Langres. No entanto, os monges de Bèze não seriam os únicos proprietários dessas terras, já que, em 1247, um tal Benoît teria vendido “um certo pedaço de vinhedo localizado no recinto do capítulo de Langres, chamado Clos de Bèze”.

Com o tempo, os cônegos de Langres passaram a adquirir alguns lotes contíguos. Em março de 1334, eles compraram de Guillaume Raule “uma certa peça de vinhedo localizada em Gevrey em um lugar chamado Dessus le Clos de Bèze, em direção à estrada comum de um lado e ao vinhedo dos cônegos e do capítulo de Langres por outro lado”.

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A maioria das aquisições parece ter sido concluída em 1336. O registro de terra dos cônegos sobre sua propriedade em Gevrey descreve-as, em 1502, como um anexo fechado de cerca de 50 “jornais” (medida de área agrícola na época correspondendo a cerca de 0,5 hectare) com um muro ao redor.

Inquilino perpétuo

Clos de Bèze

Durante muitos anos, Clos de Bèze geralmente era arrendado a diferentes associações de viticultores de Gevrey, que cultivavam, cada uma, um quarto dele. Os contratos de arrendamento eram na maioria das vezes celebrados por 6, 9 ou 12 anos. Mas, entre 1626 e 1651, as terras foram adquiridas por Claude Jomard, advogado do Parlamento de Dijon, que se tornou seu proprietário em regime de arrendamento perpétuo em 1651.

Quando assumiu a propriedade em 1626, Jomard reconheceu que, entre as propriedades dos cônegos em Gevrey, “havia um pedaço de vinhas de Gevrey en Montagne comumente chamada de vinhedo de Baize contendo cerca de quarenta ‘jornais’ dos quais foi anteriormente composto, o excedente tendo sido e sendo reduzido a arbustos e pousios, o que era mais um encargo do benefício para os veneráveis senhores e seu administrador, especialmente porque era principalmente pousios e o que foi plantado ali eram mudas ruins que rendeu nada ou muito pouco”. Portanto, é fácil entender por que os cônegos de Langres tomaram a decisão de se livrar de Bèze em 1651.

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Cerca de 100 anos depois, o nome de Claude Jobert ficou marcado na história de Clos de Bèze. Em 1750, ele comprou metade das terras dos herdeiros de Jomard e, ao assumir as posses de Madame de la Marche em 1752, ele se viu proprietário de três quartos do Clos. Ao mesmo tempo, seu irmão Alexis Jobert permaneceu no controle de uma parte, assim como a família Perreney de Grosbois, proprietária do restante do climat.

Brancos e tintos

Clos de Bèze

Os inventários das pesquisas de adega durante o período da Revolução Francesa fornecem informações sobre a produção do Clos de Bèze e o envelhecimento dos vinhos deste climat nas propriedades de Jobert e Perreney de Grosbois. Em 1792 e 1794, os comissários fizeram algumas observações: primeiro, o vinho de Clos de Bèze se confundia com o de Chambertin em termos de denominação; então, neste climat, no final do século XVIII, produzia-se tanto vinho tinto quanto branco.

Outra observação interessante: os vinhos estagiavam na adega durante 3 a 8 anos, como atestam as colheitas presentes nas caves de 1784 a 1793.

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Até finais do século XVIII, poucos proprietários partilhavam a propriedade. Um mapa elaborado em 1813 por ocasião de uma demarcação mostra que os donos do Antigo Regime foram definitivamente substituídos naquela época. A propriedade continuou a se fragmentar e havia cerca de 30 proprietários diferentes por volta de 1930 e cerca de 40 hoje. 

O climat de Chambertin-Clos de Bèze ficou marcado como local de origem de um vinho de excelência no final do século XVII. Uma deliberação do conselho da cidade de Dijon testemunhou pela primeira vez em 1676 a superioridade adquirida pelos vinhos de Bèze e de Chambertin sobre outros.

O promotor da cidade apontou para os vereadores responsáveis a importância de fixar uma taxa já que “nos últimos anos, evitávamos fazer um pé (taxa) particular sobre os vinhos que são coletados nas vinhas de Baise e Chambertin de Gevrey, embora eles superem os outros em bondade. Isso causou grande dano aos viticultores que os cultivam”. Assim, a Câmara Municipal decidiu estabelecer uma tarifa especial para os vinhos Clos de Bèze e Chambertin.

Confusão com Chambertin

Os vinhos do Clos de Bèze foram vendidos por muito tempo sob o nome de “Chambertin” durante o século XVIII. Foi também por volta de 1772 que os topónimos “Clos de Bèze” e “Chambertin” se encontraram definitiva e intimamente ligados, como na atual denominação de “Chambertin-Clos de Bèze”.

Um livro de memórias escrito pelo advogado Argenton em 1761 falava do “Clos en Bèze dit Chambertin”; enquanto outro escrito no mesmo ano por um cônego de Langres, M. Rigollot, referia-se ao vinhedo como “Clos de Bèze Chambertin”.

Depois da família Jomard, deve-se dizer que Claude Jobert foi um dos grandes arquitetos da reputação de Chambertin-Clos de Bèze, conduzindo-o na direção de uma produção de qualidade. O nome do climat adquiriu tamanha fama em seu tempo que chegou a ser apontado, em 1756, com título honorário de “Jobert de Chambertin”. Este vinho era então, simplesmente, o mais famoso Cru da Borgonha.

No início de sua fama comum, os climats de Bèze e Chambertin eram considerados distintos entre si, cada um compartilhando a fama igualmente. A lógica do comércio dos finais do século XVIII e inícios do século XX favorece o desenvolvimento de denominações de renome na estrita geografia dos lugares e, assim, o nome de Bèze foi desaparecendo pouco a pouco em benefício de Chambertin – do qual falavam então todos os trabalhos sobre o vinho sem necessariamente mencionar o primeiro. Na época, a produção do Clos de Bèze era totalmente subserviente ao nome de Chambertin.

A volta

No entanto, com o movimento de adoção dos decretos de denominação, o nome de Clos de Bèze recuperou seu lugar ao lado de Chambertin. Os sindicatos do vinho que se formaram em Gevrey-Chambertin nas décadas de 1920 e 1930 conseguiram que os legisladores admitissem a distinção e, portanto, o reconhecimento dos diferentes climats que então reivindicavam o nome de Chambertin.

A associação de defesa da denominação Chambertin criada em 1929 e integrada, sob a presidência do General Lambourseau, pelos proprietários dos dois climats, estipulava em seus estatutos o objetivo explícito de defender as denominações Chambertin e Chambertin-Clos de Bèze. Isso foi feito pelo julgamento de delimitação de 2 de fevereiro de 1931, no qual os membros do sindicato eliminaram desta área de denominação os proprietários de Mazy, Latricières, Mazoyeres, Charmes, Griotte e Chapelle.

Eles, portanto, tiveram que incluir seu climat preciso nos rótulos, apenas reforçados, se assim o desejassem, pela denominação de Chambertin. Finalmente, o decreto AOC emitido em 31 de julho de 1936 reconheceu oficialmente as duas denominações bem definidas de Chambertin e Chambertin-Clos de Bèze. E hoje os nomes não se confundem mais.

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