Doutores do vinho

Como dois advogados produzem um dos vinhos mais desejados do mundo?

Os rótulos da alemã J.J. Prüm chegam a custar mais de 12 mil dólares

por Arnaldo Grizzo

Manfred Prüm e sua filha, Katharina, são chamados de doutores. É um termo pouco usado no mundo do vinho, uma reverência geralmente usada diante de pessoas cuja sabedoria incita profundo respeito, ou então diante de algum especialista diplomado em sua área de atuação. Seus “títulos” de doutor, porém, são por terem estudado Direito e terem feito até doutorado na carreira.

Pois bem, é das mãos de dois advogados que nasce um dos vinhos doces mais desejados do mundo. Os poucos rótulos produzidos pela Joh. Jos. Prüm, ou apenas J.J. Prüm, são vendidos a peso de ouro no mercado internacional. Seu Trockenbeerenauslese do vinhedo Wehlener Sonnenuhr, por exemplo, está sempre no top 10 dos mais caros do planeta, com preços que superam US$ 12 mil dependendo da safra.

Um dos segredos dessas “essências do Riesling do Mosel”, como são chamados, está na incrível longevidade desses vinhos. Mesmo o Kabinett – os rótulos de menor concentração de açúcar produzido pelos Prüm – suportam mais de dez anos sem mostrar qualquer sinal de cansaço. É por isso, por exemplo, que as safras mais antigas são vendidas a preços exorbitantes em leilões mundo afora.

Muitos Prüm
A família Prüm se estabeleceu na cidade de Wehlen, no Mosel, por volta do século XII, e muitos se envolveram com a vitivinicultura. Diversos ramos da família se separaram com o tempo e hoje possuem seus próprios negócios. Joh. Jos. Prüm é um deles, mas há outros como S. A. Prüm ou Dr. F. Wein-Prüm, por exemplo. Este último é vizinho dos J.J.

Quem começou a saga do ramo hoje mais famoso foi Sebastian Alois Prüm, ainda no século XVIII. Ele teve seis filhos e apenas um deles, Mathias, se casou. Em 1911, a propriedade familiar acabou dividida entre os sete filhos de Mathias. Foi seu mais velho, Johann Joseph (de onde vem a redução Joh. Jos.), que deu início à vinícola. Johann, porém, não ficou muito tempo à frente do negócio, devido à sua saúde debilitada. Quem realmente começou a criar a fama mundial de seus vinhos foi Sebastian, seu filho, que assumiu a empresa em 1920.

Somente nessa safra seus primeiros Auslese foram criados e, até hoje, apenas 21 safras foram lançadas no mercado. Os Beerenauslese nasceram em 1934 e os raríssimos Trockenbeerenauslese, em 1937. Em 1949, veio o primeiro Eiswein (vinho do gelo), que, segundo a lenda, teve as uvas colhidas congeladas por acidente.

Sebastian construiu a reputação de sua propriedade. Em 1969, após seu falecimento, assumiu o Dr. Manfred, para quem os vinhos superconcentrados e extremamente doces não têm vez. Sob sua supervisão, os rótulos de J.J. Prüm se tornaram cada vez mais equilibrados, uma equação perfeita entre acidez e doçura, além de aromas frescos, numa mistura de mineralidade, flores, mas também com tons exóticos. Desde 2003, sua filha, Katharina, gerencia a propriedade junto com o pai. Sua missão, ela faz questão de frisar, “não é mudar os vinhos de J.J. Prüm”, mas preservá-los.

O relógio de sol
A base dos cerca de 20 hectares que a vinícola possui está no vinhedo Wehlener Sonnenuhr, um dos mais célebres do Mosel, em sua margem direita, de frente para a cidadezinha de Wehlen. São apenas 40 hectares de terras divididos entre 200 proprietários. J.J. Prüm tem oito hectares lá.

No entanto, a marca registrada do vinhedo, além de suas uvas Riesling fabulosas, é o imponente relógio de sol (sonnenuhr, em alemão) cravado na rocha ao alto das vinhas. Aliás, foi um Prüm, Jodocus, irmão de Sebastian Alois Prüm, quem construiu esse relógio, em 1842, assim como o do vinhedo Zeltinger. No século XIX, esses instrumentos eram instalados nos campos para que os trabalhadores pudessem saber o momento da parada para o almoço e o fim do expediente.

Considerando que o vinhedo ostenta um relógio de sol, é de se supor que ele tenha uma boa exposição solar. Mais do que isso, a razão para suas uvas serem tão disputadas é o solo de ardósia acinzentado do período Devoniano (o quarto da era paleozoica), que torna singular – no que tange a mineralidade – os frutos de suas vinhas velhas não enxertadas.

Além de parte do Wehlener Sonnenuhr, J.J. Prüm tem ainda propriedades em outros vinhedos importantes do Mosel, como Graacher Himmelreich, Zeltinger Sonnenuhr e Bernkasteler Badstube.

Aromas estranhos?
Além da doçura delicada, o que marca os vinhos de J.J. Prüm são os aromas. Quando jovens, eles costumam apresentar odores com tons de enxofre, que alguns podem até achar que são causados pelo acréscimo de sulfitos. A vinícola, porém, não os adiciona. A causa está no processo de vinificação.

Tradicionalmente, eles usam leveduras indígenas na fermentação e há uma manipulação mínima dos vinhos jovens para que se possa preservar os delicados aromas e frescor, ou seja, uma vinificação redutora. Ao mesmo tempo em que ela ajuda a garantir o potencial de envelhecimento, forma-se esse aroma de fermentação residual que nem sempre agrada quem não está muito acostumado. No entanto, esse odor desaparece com o tempo em garrafa. Mais do que isso, o tempo premia os pacientes, que verão um mundo de nuances se abrirem numa complexidade aromática poucas vezes vista.

Joh. Jos. Prüm produz apenas cerca de 15 mil garrafas ao todo por ano, sendo que a maioria delas só vai à venda dois anos depois da safra. A colheita, por sinal, é feita cuidadosamente e tende, ainda, a ser realizada mais tardiamente do que a de seus vizinhos. Tudo para aproveitar ao máximo o potencial do Riesling atacado pela Botrytis, a podridão nobre.

Pouco se sabe do que se passa dentro das caves da vinícola, além de que a fermentação se dá de forma espontânea e é bastante longa, pois poucas pessoas de fora da família entraram no local. Segundo a empresa, isso não se deve a algum segredo escondido, mas por sua adega não ter nada de espetacular. De espetacular já bastam seus vinhos.

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