Grandes degustações

Degustamos safras de 1862 até 1964 para revelar a história do vinhol de Rioja; confira

Em uma verdadeira viagem no tempo, conhecemos a história da adega "Catedral"

por Steven Spurrier

Apenas uma dúzia de pessoas tiveram uma experiência única e muito emocional de degustar “um século todo” dos riojanos de Marques de Riscal, desde a primeira garrafa de 1862 de Don Guillermo Hurtado de Amezaga até sua esplêndida descendente direta de 1964. Apenas 11 safras faltaram e as 92 remanescentes dormiram imperturbadas na adega conhecida como “A Catedral” desde seus nascimentos. Pouquíssimos vinhos foram rearrolhados e nenhum antes de 1926. Cada garrafa foi aberta com tenazes de Vinho do Porto para que o gargalo saísse diretamente sem perturbar os sedimentos.

 O pano de fundo desta degustação incrível começou em 1858, quando o governo espanhol, na ­figura de Don Guillermo (Marques de Riscal) – que tinha vinhedos e uma vinícola na vila de Elciego, em Rioja, mas vivia em Bordeaux – queria explorar formas de persuadir os produtores de Rioja a adotar técnicas então usadas no Médoc para tornar os vinhos da região mais vendáveis. Ele contratou Jean Pineau, enólogo do Château Lanessan, que chegou com 9 mil vinhas de Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec e Pinot Noir.

Don Guillermo e Pineau começaram a experimentar com as variedades de uva, métodos de vinificação e regimes de barrica. A Cabernet Sauvignon se provou uma parceira perfeita para a local Tempranillo, e as barricas bordalesas foram introduzidas, garantindo longevidade, consistência e qualidade. Uma nova vinícola foi construída para abrigar os vinhos, e o primeiro engarrafamento ocorreu na safra de 1862. Dentro de cinco anos, os vinhos de Marques de Riscal começaram a ganhar prêmios e foram aclamados internacionalmente, com o 1895 sendo o primeiro vinho não francês a ganhar o Diplome d’Honneur na Exposição de Bordeaux. Desde o começo, os vinhos eram servidos para o rei da Espanha e continuam sendo fornecidos para a família real até hoje. 

A degustação de Marques de Riscal 

De 1862 a 1873

O 1862 de­niu o cenário com sua cor vermelho amarronzado e fruta naturalmente madura, que parecia ter meros 50 anos de idade. 1863 foi mais perfumado, um vinho amável, quase feminino. 1864, 1865 e 1867 ainda estavam muito vivos. 1869 tinha a cor de um Tawny 30 anos, doce e ágil. 1870 era um contraste robusto como um clarete de 1970. 1871 estava de volta à elegância acolhedora. 1872 agradavelmente terroso. 1873 perfumado e ainda vigoroso. 1874 ainda muito jovem, mais Pauillac do que Rioja (1866 e 1868 ausentes).

De 1874 a 1884

Com as vinhas amadurecendo, esse foi um ‑ight excepcional, com os vinhos mostrando uma profunda cor vermelho mogno. 1874 estava elegantemente robusto, cheio de doçura natural. 1875 estava mais perfumado com maior acidez. 1876 era vibrante e opulento como um Pomerol. 1878, terroso, opulento com um tempero de Natal. 1879, ainda cheio de vigor. 1880 estava um pouco murcho. 1881 ainda mostrava frutas vermelhas. 1882 tinha um textura acariciadora, que contrastava com a opulência de chocolate amargo de 1883 e a “juventude madura” de 1884 (1877 e 1885 ausentes).

De 1886 a 1896

Um flight maravilhoso, com vinhos mostrando pureza, vivacidade e harmonia. 1886 e 1887 tinham preservado a fruta seca e agradável suavidade. 1889 era mais jovem, mais amplo, mas menos elegante. 1890 era quase um Borgonha. 1891 era rico e tinha uma concentração estilo chocolate. 1892 era como Château Clinet 1970. 1893 impressionou pelo vigor de especiaria e lanolina. 1894 mostrou o calor mediterrâneo, enquanto o esplêndido 1895 deu um toque de modernidade. 1896 era uma única obra, um belo vinho (1888 ausente). 

De 1897 a 1909

A ­filoxera atacou nessa década, com a “Idade de Ouro” terminando em 1909. A safra 1906 foi a primeira com vinhas enxertadas. 1897 estava soberbo, novamente como um Pomerol de 1970, lembrando um Trotanoy. 1898 era quente, mas levemente “corpulento”. 1899 novamente teve especiarias e vigor. 1900 naturalmente maduro, com um tom de couro. 1903, 1904 e 1905 estavam decadentes. 1907 mostrou o frescor das novas vinhas. 1908 bastante leve. 1909 apenas ainda se mantendo (1901, 1902 e 1906 ausentes).

De 1910 a 1920

Um ‑ight muito melhor já que as vinhas enxertadas amadureceram. 1910 tinha um fruta levemente terrosa. 1911, o calor do Pomerol. 1912, incrível limpidez e profundidade. 1914, fruta intermediária madura. 1915 estava leve e perfumado. 1916, mais vigoroso. 1917 mostrava a doçura natural de Rioja. 1918 tinha uma profundidade bem equilibrada. 1919, perfumado, mas com pegada. O 1920 dividiu as opiniões, com barricas novas de carvalho americano sendo evidentes pela primeira vez (1913 ausente).

De 1921 a 1931

Uma década soberba, com os vinhos tendo recuperado totalmente seu calor natural, profundidade e vigor. A suavidade de lanolina de 1921 foi superada pela cor extraordinária, especiarias e opulência de 1922. 1923 era um Rioja robusto. 1924, mais ­no, cheio do vigor do vinhedo. 1925, um cruzamento entre os dois anteriores. 1926, elegante, com Tempranillo e carvalho americano evidentes. 1927, sedutoramente fresco (como um Pomerol 1982). 1928, um pouco mais quente e profundo. 1929, com opulência de chocolate e boa fruta. 1930, verde e frondoso. 1931 ainda cheio de juventude, bom e seco.

De 1932 a 1945

A depressão mundial e a guerra transformaram isso em 14 anos bem variados. 1932 mostrou vigor de carvalho jovem. 1933 faltou maturação. 1934 (a única safra boa de Bordeaux nos anos 1930) foi bom e harmonioso. 1935, um pouco forçado, com taninos nervosos. 1936, boa baunilha e sabores de Rioja. 1937, atraente em um estilo leve. 1938, opulento, elegante com muita profundidade. 1939, apenas estava lá. 1942, boa energia natural. 1943, ainda verde. 1944  de volta para a limpidez robusta. 1945, profundidade e elegâncias soberbas (1940 e 1941 ausentes).

De 1946 a 1955

Como Bordeaux, vinhos maravilhosos a partir do ­m dos anos 40. 1946 estava decadente, mas 1947 mostrou a bela opulência de uma safra quente. 1948 foi ainda melhor, mais elegante e com mais especiarias. 1949, frutas outonais jovens. 1950 e 1951, ambos com suavidade picante. 1952, bom, mais sólido que elegante. 1953, realmente agradável com textura acariciante. 1954, robusto apesar de ‑oral. 1955, mais leve, ainda com algum frescor. 

De 1956 a 1964

Um flight muito equilibrado, terminando em glória. 1956 ainda tinha a fruta quente de Rioja. 1957 era mais concentrado e tenso. 1958, mais leve e com textura charmosa. 1959, opulento com complexidade aveludada. 1960, creme de menta e tão bom quanto. 1961 bom, mas um pouco magro. 1962, bom apesar da profundidade corpulenta. 1963 muito suave, um Rioja agradável. Finalmente 1964, o mais jovem do flight: carvalho, opulência e taninos mesclados juntos, explosivo, porém controlado. Para mim, os melhores cinco vinhos foram: 1874, 1897, 1922, 1945 e 1964.

Baron de Chirel

Batizado em homenagem a um ilustre membro da família, o Baron de Chirel, foi o primeiro “Vino de Alta Expression” em Rioja. Lançado em 1991 com a safra 1986, ele vem de 3 hectares do vinhedo Las Tapias e é produzido apenas nos melhores anos. O blend nunca é menos de 60% Tempranillo e nunca mais de 40% Cabernet Sauvignon, exceto pelo engarrafamento especial Frank Gehry, criado em 2001 em homenagem ao grande arquiteto. Neste caso, um 100% Tempranillo. O segundo engarrafamento do gênero só ocorreu em 2012. Degustamos as 19 safras produzidas até hoje. 

De 1986 a 2001

O 1986 ainda mostra bela cor e fruta, mas termina um pouco verde. 1991 foi mais fresco com especiarias, que o levantaram, e a elegância de Riscal, totalmente maduro agora. 1992 tinha uma fruta mais quente e terrosa, a opulência e ­rmeza do blend riojano de Cabernet, ainda com muita reserva. A safra antecipada e maior em 1994 revelou um bompalato médio doce e taninos ­firmes. 1995 foi mais opulento em um estilo Saint-Émilion robusto. 1996 teve mais Cabernet, não teve a opulência e está pronto agora. 1999, com a colheita muito reduzida pelas geadas, mostrou um concentração jovial e energia para um longo futuro. 2000 foi mais fresco e mais elegante, um vinho lindamente produzido. 2001 completou o trio de safras excelentes, com um 100% Tempranillo perfumado e ‑oral, um belo misto de elegância e potência.

De 2002 a 2012

 Agora a vertente era a madurez, fruta jovial com boa profundidade e muito bom envelhecimento em carvalho francês substituindo o americano a partir de 2006. 2002 mostrou uma boa dose de especiarias, suavidade, opulência e profundidade. 2003, um dos anos mais quentes da história de Rioja, foi um pouco amplo e corpulento, um contraste com a leve falta de madurez de 2004, nenhum deles grandes Baron de Chirel. Mas 2005 foi soberbo, com estilo muito moderno, quase internacional, tão suave que pode ser bebido agora, mas com um belo futuro. 2006 não se mostrou bom, sendo um pouco compotado e “cozido”, mas a forma voltou em 2008, com um vinho opulento, com chocolate e fruta, novas barricas e complexidade potencial. 2010 foi simplesmente soberbo, com todas as características de uma grande safra: maturação perfeita, com profundidade, elegância, pureza e harmonia, produzindo uma frase na mesa: “Tempranillo pode nem sempre mostrar as maiores virtudes, mas onde ela bate todas as outras variedades é em equilíbrio”. 2011 já estava bem aberto com uma boa década à sua frente, enquanto a densidade púrpura do 2012 impressionou com sua fruta perfumada, porém ­rme, toda a pureza e profundidade do vinhedo, um Riscal bem exuberante, para terminar a prova.

Honrarias

Os membros das famílias presentes nesse evento histórico foram Francisco Hurtado de Amezaga, bisneto de Don Guillermo, que também é o enólogo-chefe, seu ­lho, Luis, o diretor técnico, e seus primos, Alejandro Aznar, presidente da Marques de Riscal, e o gerente de vendas, José Luis Muguiro. Riscal continua fi­rme nas mãos da família, para benefício da empresa. A conexão francesa continuou desde a chegada de Jean Pineau em 1858 até que Don Francisco assumiu todas as decisões sobre o vinho 30 anos atrás. Até então, todo mestre de cave havia sido bordalês. Desde 1989, Guy Gimberteau, um talentoso assistente do professor Emile Peynaud, foi consultor até sua aposentadoria em 2000, sendo substituído por Paul Pontallier, diretor técnico do Château Margaux. Um convidado especial entre os degustadores foi Andrew Caillard, autor de “The Rewards of Patience”, que conta a história da Penfolds, famosa pelo Grange, desde 1844. Ele foi comissionado para produzir algo similar para a Marques de Riscal.

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