Previsão de mau tempo na colheita

por Christian Burgos

Para aquele que trabalha seu vinhedo o ano inteiro e se prepara para uma colheita histórica, a ameaça de chuva às vésperas da colheita gera sentimentos mistos de ansiedade, inconformidade, urgência e, em alguns casos, resignação derrotista. Afinal de contas, a colheita perfeita está perdida, o trabalho desperdiçado, restando ao produtor ou antecipá-la (e não atingir a maturação plena), ou posterga-la para depois da chuva (também perdendo a qualidade dos frutos), ou até perder toda a colheita por estragar incorrigivelmente os frutos.

Seja como for, numa apólice de seguros, isso seria categorizado como "ato de Deus" - algo acima da compreensão e influência humanas. Mas o que fazer se virmos o próprio viticultor conduzindo a chuva para seus vinhedos no dia que precede a colheita? Essa é nossa desconcertante percepção do momento atual.

Estamos experimentando um amadurecimento quase perfeito de nosso mercado, com o brasileiro aprendendo a degustar por prazer e beber com moderação por saúde. Acompanhamos e trabalhamos muito pela colheita perfeita de consumidores conscientes e apaixonados pelo vinho, mas nuvens negras estão se formando. Uma luta fratricida - "vinho de mesa x vinho fino", "vinho brasileiro x vinho importado", "produtor x importador", "importador x importador", "produtor x produtor", enfim "VINHO x VINHO" - está desperdiçando talento, tempo e dinheiro que poderiam ser canalizados para colocar o vinho na taça e na mesa de mais e mais brasileiros.

Neste momento, o Governo Federal analisa o aumento do imposto de importação para 55% como salvaguarda ao vinho nacional. No jogo político, é válido lutar por seus interesses, mas temo que as pessoas que analisam essa questão não conheçam o vinho e sua história (passada e recente) para entender o retrocesso que isso representa. Na entrevista desta edição, Sylvie Cases cita o exemplo da Índia que, ao fechar seu mercado, acabou por estagná-lo - pode- -se dizer até estrangulá-lo. E não precisamos ir longe, nosso país liderava a América Latina na qualidade de vinhos brancos há algumas décadas, mas o protecionismo nos atrasou em pelo menos duas décadas nesse desenvolvimento.

Medidas desesperadas poderiam ser compreensíveis há alguns anos, com os estoques abarrotados de vinho brasileiro e consumo decrescente de vinhos de mesa. Mas hoje não. Afinal, o consumo de vinhos brasileiros vem crescendo - o consumo de vinhos de mesa aumentou em 15 milhões de litros apenas em 2011. No campo dos vinhos finos, desde de 2009, a queda de consumo se reverteu em crescimento ininterrupto. E, nos espumantes, os dados são ainda mais incríveis, com crescimento acima de 100% em cinco anos.

Nós, em ADEGA, até por conviver intensamente com os produtores brasileiros, sensibilizamo-nos pelas dificuldades daqueles que precisam de recursos para modernizar suas cantinas, reconverter seus vinhedos e que, muitas vezes, são vítimas de injusto preconceito. Por outro lado, vemos com orgulho,os vinhos brasileiros ganhando espaço nas prateleiras de outros países ao mesmo tempo que importadores nacionais passam a distribuir nossos vinhos lado a lado com os melhores do mundo.

Estamos ganhando terreno e conquistando corações e mentes brasileiras para o vinho em geral, mas, com essas medidas, colocamos tudo a perder. Além da dispersão de esforços, a desunião impede a criação de uma agenda positiva. Obrigar os brasileiros a admirar apenas obras de arte brasileiras não incrementará a qualidade artística do país, nem aumentará o número de pessoas que apreciam arte. A exposição a estilos e mensagens instiga a mente e o espírito das pessoas, encoraja e estimula os artistas nacionais, e termina por aumentar o "consumo" da arte no país.

Trabalhemos para gerar desoneração e estímulo econômico para investimentos em vitivinicultura de qualidade no país em invés de instalar a censura pelo bolso. Não façamos a dança da chuva na véspera da colheita.

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