Conversamos com enólogos do mundo todo para entender o porquê do encanto por vinhedos antigos
por Por Arnaldo Grizzo
Um vinhedo velho, assim como uma garrafa de safra antiga, gera devoção. Nas grossas madeiras de uma planta que resistiu à prova do tempo, dando frutos, fazendo vinhos, estão gravadas décadas, às vezes séculos, de história. Uma história verdadeiramente “viva”, renovada a cada safra, a cada gole do preciso líquido produzido pelas uvas geradas por uma vinha velha.
“Vinhedos antigos têm grandes histórias atreladas a eles. O mais antigo da Califórnia sobreviveu a duas guerras mundiais, à Lei Seca, à Grande Depressão, ao boom do vinho branco, à mania do White Zinfandel, à Grande Recessão, principalmente porque havia famílias dedicadas a cultivar essas vinhas e porque elas produziam grandes vinhos”, conta David S. Gates Jr., vice-presidente de operações dos vinhedos da Ridge.
Assim como os consumidores, os enólogos também se deixam levar pelos encantos de uma vinha velha. “Filosoficamente, o encanto delas advém das lembranças remetidas pela idade da vinha”, pondera o enólogo Miguel Ângelo Almeida, da Miolo Wine Group, que possui as vinhas mais antigas do Brasil, em Santana do Livramento, na vinícola Almadén. “A nossa vinha mais velha foi plantada em 1977, portanto são 37 anos de histórias enraizadas”, conta.
Andrés Caballero, gerente de enologia da Viña Santa Carolina, concorda: “Para os enólogos, um vinhedo antigo representa a tradição, o espírito e a essência da enologia. Portanto, trabalhar neles é um desafio muito interessante”.
A primeira questão levantada sobre as vinhas velhas é exatamente o seu conceito, assunto de pouco consenso. O que podemos chamar de vinhas velhas? Se considerarmos que, em meados do século XIX, a vitivinicultura mundial atravessou uma de suas piores crises – com regiões inteiras sendo devastadas pela praga da filoxera, que literalmente dizimou vinhas e chegou a levar algumas variedades de uva à extinção – é de se supor que as parreiras mais antigas não tenham muito mais de 150 anos.
“Elas [vinhas velhas] não são boas porque são velhas, elas são velhas porque são boas”, diz Kevin Glastonbury
Mas há alguns “fósseis” mais velhos do que isso. Algumas remontam a 1500 (veja box), mas, seriam objetos de estudo e admiração – incapazes de produzir quantidades relevantes de fruto. Acredita-se, porém, que algumas das mais antigas videiras ainda produzindo estão na França. Uma delas é a “vinha de Sarragachies”, no sudoeste francês, que tem mais de 200 anos e é propriedade da família de Jean-Pascal Pedebernade. Ela foi declarada monumento histórico do país em 2012. Outra, que data de 1850, está no vale do Loire e pertence a Henry Marionnet. É a única “anciã” que produz um vinho de vinhedo único (chamada Provignage) de míseros 3.600 metros quadrados, da esquecida casta Romorantin.
Porém, a verdade é não existe uma legislação a respeito da idade das vinhas em nenhum país do mundo. Somente a Austrália (sim, no Novo Mundo) tem algo parecido com uma definição legal. Mais do que isso, lá eles criaram uma classificação de seus vinhedos antigos (veja box).
Todavia, um número mágico para boa parte dos enólogos é 40. “Em termos vitícolas, consideramos uma vinha velha a partir dos 40 anos”, diz Ana Rato, da Ramos Pinto. Luis Pato concorda, mas acredita que o conceito muda dependendo da cor da uva. “Para uva tinta, julgo que vinha velha deve ter mais de 40 anos e, para uva branca, a parreira deve ter mais de 25”, aponta o produtor que trabalha com vinhas de pouco mais de 90 anos na Bairrada, de um vinhedo curiosamente chamado Barrosa, quase homônimo à região australiana onde estão alguns dos mais antigos parreirais do mundo.
Pode parecer contraditório, mas muitos enólogos do Novo Mundo, apontam 50 anos como o referencial da “velhice”. David S. Gates Jr. é um deles: “Referimo-nos a vinhas velhas como tendo 50 anos ou mais. Essa marca é aproximadamente 2,5 vezes a média de expectativa de vida dos vinhedos da Califórnia”.
Outros enólogos, contudo, sugerem números diferentes. Alejandro Galaz Viñalz, da chilena Ventisquero, cujas vinhas mais antigas têm 15 anos, acredita que “velhas” são as parreiras com mais de 25 ou 30 anos. “São plantas que encontraram uma homogeneidade de produção de fruta, não somente do ponto de vista de quantidade, mas também das características organolépticas do vinho”, diz. Seu conterrâneo, Marcelo Retamal, da De Martino, tem visão parecida: “Não creio que haja uma quantidade de anos exata para dizer que passamos de uma vinha jovem para uma velha. Essa é uma transição e uma acomodação do vinhedo em sua paisagem. Uma vinha jovem, nos primeiros anos, tem produção mais errática. Já vinhedos de 10 anos ou mais começam a entregar boas qualidades”.
“Os espanhóis, em seus tratados de viticultura, dizem que as raízes terminam de se adaptar ao solo depois de 15 anos e então passam a desenvolver os grandes vinhos”, diz Roberto Gonzalez, enólogo da argentina Nieto Senetiner – que possui vinhedos de mais de 120 anos, com 60% das plantas originais (que vieram da Europa).
“A idade por si só não conta a história toda. O fato de essas vinhas terem persistido é um testemunho de sua qualidade”, crê Ted Seghesio
Mas, segundo o engenheiro agrônomo Pablo Minatelli, da Bodega Norton, a definição do tempo de maturidade da planta é complexa. Ele explica que diversos fatores interferem na expectativa de vida de uma videira, como o sistema de condução (que determina um espaço de crescimento), a poda (que a obriga ano após ano a gerar novas estruturas) e os sistemas de manejo do solo (como irrigação, por exemplo). “Se a estes efeitos se soma a necessidade de uma produção economicamente rentável, a consequência final é que, diante de todo esse manejo, o ciclo de vida da planta é necessariamente reduzido. Estima-se que uma videira tem um período útil entre 25 e 35 anos. Se esse é o ciclo de vida, podemos estimar que até o quinto ano, o objetivo fundamental é formar a estrutura da planta. Então, há um período de dois a três anos para conseguir um equilíbrio vegetativo-reprodutivo. Logo, no oitavo ano podemos considerar que temos uma planta equilibrada. Ainda assim, se perguntamos a um enólogo, ele seguramente preferirá idades acima de 15 anos”, atesta Minatelli.
Vinhedo Provignage data de 1850 e produz a esquecida casta Romorantin
“Vinhedos antigos têm grandes histórias atreladas a eles. O mais antigo da Califórnia sobreviveu a duas guerras mundiais, à Lei Seca, à Grande Depressão, à Grande Recessão...”, conta David S. Gates Jr
Por fim, nem mesmo os franceses, conseguem chegar a um consenso. “Depende do vinhateiro. Raramente utilizamos essa terminologia [vinhas velhas], apesar de termos muitas vinhas antigas”, conta Jacques Desvernois, enólogo da Maison Paul Jaboulet Aîné, no vale do Rhône, que considera 40 anos uma idade razoável para catalogar um vinho como sendo de vinhas velhas. “Infelizmente, não existe uma definição legal para rotular um vinho assim. O que é velho?”, pergunta Etienne Hugel, produtor alsaciano. “Velho é relativo. Pessoas como eu? Certamente, não. Apenas avançamos em qualidade e sabedoria”, brinca.
Controvérsias à parte, é inegável o fascínio das vinhas velhas sobre os enólogos. “Elas dão ‘essência’, concentração e caráter aos grandes vinhos. Sem elas não se pode fazer um grande vinho. É simples assim”, diz o gerente técnico do braço chileno da Baron Philippe de Rothschild, o francês Emmanuel Riffaud.
No entanto, boa parte dos enólogos e viticultores entende que a idade por si só não é sinônimo de qualidade. Kevin Glastonbury, enólogo sênior da Yalumba, vinícola australiana que ajudou a definir o conceito de vinhas velhas em seu país, lembra uma frase da qual não se recorda o autor: “Elas [vinhas velhas] não são boas porque são velhas, elas são velhas porque são boas”. Lá, mesmo trabalhando com videiras de Shiraz plantadas em 1854 e Grenache em 1889, eles não “proferem que vinhas velhas naturalmente significam um vinho melhor”. “Acreditamos que se tudo estiver certo (local, clima, condução, vinificação etc), então uma vinha velha pode produzir um vinho mais intenso, equilibrado, consistente”, aponta Glastonbury.
Seu colega, Peter Gago, enólogo-chefe da Penfolds – que possui um vinhedo de Cabernet Sauvignon (Kalimna Block 42 vineyard) plantado em meados da década de 1880 –, segue o mesmo raciocínio. “Vinhas velhas naturalmente se ‘autorregulam’, elas invariavelmente têm um menor rendimento – sempre com frutos menores, cascas mais grossas, sabores mais intensos...”, conta e conclui: “As vinhas velhas certas, nos solos corretos, em um bom ano (climaticamente), podem produzir algo mágico!”.
“Não é porque é velho que é bom”, pontua Cecilia Torres, enóloga da Santa Rita. “Uma vinha velha tem relação com a variedade, que está bem adaptada a um lugar, com uma qualidade intrínseca. É como as pessoas. Não dá para prever quão longe elas vão chegar, mas pode-se intuir pela genética e se está bem adaptada. Se temos um vinhedo jovem, provamos e vemos que ele pode evoluir, pensamos que devemos dar tempo a ele. Mas há alguns com muita idade que sabemos que nunca vão ser bons”, define Cecilia.
Marcelo Retamal conta uma história: “Há uns 15 anos, fiz um vinho de um Cabernet Sauvignon no Chile que tinha mais de 150 anos. Era incrível ver essas parreiras. No entanto, o vinho não era bom. O Cabernet estava plantado em um lugar muito quente e isso não é bom para a variedade. Ou seja, vinhos de vinhedos antigos não são garantia de qualidade. Dependerá do terroir”.
E vem da Califórnia, nos Estados Unidos, uma visão mais ponderada. “A idade por si só não conta a história toda. O fato de essas vinhas terem persistido é um testemunho de sua qualidade. Isso significa que a variedade certa foi plantada no local ideal no que diz respeito à geografia, clima e solo, e que alguém reconheceu que essa vinha merecia ser preservada. A idade aumenta a qualidade original das vinhas”, conclui o enólogo Ted Seghesio.
Então, quais as vantagens de uma vinha velha? “Uma produção equilibrada, regular e homogênea que aporta uma maturação de todos os frutos ao mesmo tempo, ou seja, não encontramos em uma mesma videira uvas maduras e outras não maduras”, afirma Xavier Sort, da Miguel Torres. Já Francois Bezuidenhout, enólogo da MAN Family Wines, da África do Sul, ressalta a importância do menor rendimento. “Quanto mais velha a planta, menor a colheita. Isso significa que há menos frutos na vinha e, como resultado, sabores, aromas, ácidos, açúcares, tudo se concentra no fruto para gerar um vinho mais concentrado e interessante. Geralmente, a mineralidade e finesse desses vinhos também são notáveis quando comparados com vinhos feitos de vinhas mais jovens”, revela.
No entanto, o agrônomo Pablo Minatelli, da Norton, apesar de acreditar nessas qualidades, questiona se isso é característica exclusiva das vinhas velhas. Segundo ele, uma planta cultivada sofre intervenção contínua sobre as suas estruturas e a prática mais “dolorosa” para ela é a poda. “Ela causa uma lesão interna na estrutura dos vasos de condução – que a planta precisa reparar a cada ano. A poda quebra a continuidade que deve existir entre as raízes e parte aérea. A comunicação entre essas duas partes torna-se mais tortuosa, e a velocidade com que a raiz vai alimentar a parte aérea é mais lenta”, diz. Assim, essas plantas estão mais limitadas a responder ao meio ambiente e, por conseguinte, produz-se um estresse. “Esse sinal de estresse pode estar ligado a uma resposta natural da planta para produzir mais fenóis e, consequentemente, pode-se deduzir que essas uvas tenham uma concentração ligeiramente mais elevada do que nas plantas jovens. Enquanto isso, essa má comunicação entre parte aérea e a raiz pode causar algumas expressões vegetativas menores e também afetar o desenvolvimento de flores e, portanto, ter cachos mais esparsos, menos bagas (menor produção, naturalmente)”, conclui, mas pontua: “Deste ponto de vista, parece mais fácil alcançar o equilíbrio desejado com plantas mais velhas. No entanto, é improvável que esse equilíbrio seja assegurado e mantido. Plantas mais jovens precisam de mais intervenção, e se essa intervenção for bem fundamentada e tecnicamente monitorada, então não há diferença no produto final”.
“Vinhas velhas dão melhor qualidade de uvas, vinhos mais aromáticos e concentrados e, além disso, também têm maior regularidade na produção durante os anos. Têm menos efeito da safra”, aponta Juan Roby
Trabalhando com vinhas de Malbec que datam de 1906, Juan Roby, enólogo da Lagarde, na Argentina, aponta a constância com um fator fundamental das vinhas velhas. “Elas dão melhor qualidade de uvas, vinhos mais aromáticos e concentração e, além disso, também têm maior regularidade na produção durante os anos. Têm menos efeito da safra”, conta. Sophie Barmès, da Domaine Barmès Buecher, na Alsácia, reforça: “São vinhas menos sujeitas às condições meteorológicas e que dão uma qualidade consistente ano a ano”.
Para Jacques Desvernois, o bom enraizamento das vinhas velhas suscita uma melhor gestão hídrica que, consequentemente, leva à constância nas safras. “A cada excesso, a vinha é mais ‘estável’ e não sofre, o que lhe permite ter um ciclo normal e uma maturação ótima. Por exemplo, em caso de seca como ocorreu em 2009, não há sintoma de folhas mortas, a maturação continuou, enquanto que uma vinha jovem se ‘bloqueia’ e dá uvas cozidas”, diz.
Equilíbrio e constância parecem ser as chaves para as vinhas velhas e não é à toa que os enólogos procuram vincular a elas a questão do terroir. “Vinhas velhas desenvolvem uma harmonia certa e palpável com seu entorno (terroir), gerando qualidades especiais na fruta que normalmente produzem vinhos excepcionais, de grande qualidade e identidade”, aponta Christian Sotomayor, da Valdivieso. Segundo Luis Pato, é graças às raízes profundas que se consegue ter uma pura expressão do terroir: “Um vinhedo velho tem as raízes mais instaladas no terreno e logo recolhe maior quantidade das características do solo onde está plantado”.
Já Guillaume Deschepper, responsável pelos vinhedos de Michel Chapoutier no Rhône, evidencia a questão do terroir ao mesmo tempo que questiona o efeito “vinhas velhas”. Para ele, a diferença de funcionamento das vinhas velhas em relação às jovens se dá em grande parte à melhor capacidade de regulação da qualidade da safra. “Essa melhor capacidade é resultado da possibilidade de mobilizar as reservas de carboidratos contidas nas partes perenes da vinha (tronco e raízes). Essas reservas são constituídas ao longo da vida da planta e parcialmente mobilizadas a cada ano no início do ciclo vegetativo para determinar a área foliar que, quando autônoma (aproximadamente perto da floração), assegura, através da fotossíntese, a produção de açúcares necessários para o funcionamento da planta e a posterior constituição do potencial qualitativo da safra”, explica.
“É falacioso isolar o fenômeno ‘vinhas velhas’ das propriedades físicas do solo e do saber do vinhateiro. As vinhas velhas se exprimem tanto quanto as condições de cultivo permitem”, diz Guillaume Deschepper
Segundo ele, as diferentes restrições ambientais (estresse hídrico recorrente, baixas temperaturas) podem limitar a atividade fotossintética. Assim, os rendimentos arrefecem e, por sua vez, limitam os açúcares disponíveis no fim do ciclo, que serão colocados em reserva. Dessa forma, uma vinha velha há, em teoria, vantagem de reserva sobre uma jovem. “Considera-se, porém, que essa parte da explicação do ‘fenômeno vinhas velhas’ é no máximo próxima dos 30 anos, pois, depois disso, o aumento das partes perenes correspondem tanto ao aumento do volume de madeira morta quanto à constituição de novos tecidos de reserva”, conta Deschepper, que gerencia vinhas de 60 a 100 anos em Hermitage.
Ele lembra que a idade avançada das vinhas é acompanhada geralmente de sistemas de raízes mais profundos – desde que haja um solo que permita tal perfil (rochas soltas ou fissuradas) e que a videira tenha evitado, ao longo da vida, o conforto de um desenvolvimento em superfície (como implica, por exemplo, a irrigação por gotejo). “Os sistemas de raízes mais profundos limitam os efeitos das chuvas tardias sobre a diluição das uvas e a sensibilidade sanitária (botrytis). Permitem também uma alimentação hídrica mais regulada, assegurando um funcionamento fotossintético ótimo, que implica em açúcares disponíveis para as reservas”, afirma e conclui categórico: “Por essas razões, é falacioso isolar o fenômeno ‘vinhas velhas’ das propriedades físicas do solo e do saber do vinhateiro. As vinhas velhas se exprimem tanto quanto as condições de cultivo permitem. Caso contrário, devemos falar mais do efeito ‘rendimento’ que do efeito ‘vinhas velhas’. De fato, depois dos 30 anos, o ganho qualitativo ligado à idade não pode ser explicado senão pela diminuição do rendimento devido ao esgotamento da planta. Sob essas condições, em safras difíceis, as reservas (que se renovam parcialmente de açúcares produzidos na fotossíntese) são alocadas para uma menor colheita e seus efeitos positivos são maximizados”.
Com a idade, assim como as pessoas, as vinhas se mostram mais “sábias”, mas, o paralelo com o homem parece também seguir no sentido de elas precisarem de mais cuidados, já que estão mais frágeis e susceptíveis a doenças devido ao desgaste natural da “velhice”. “São vinhas geralmente mais densas e ‘tortuosas. Como um homem, uma vinha velha demanda mais atenção, mas enriquece com o tempo”, aponta Etienne Hugel.
Como um homem, uma vinha velha demanda mais atenção, mas enriquece com o tempo”, aponta Etienne Hugel
“É preciso cuidar delas desde a poda até a colheita para que sigam produzindo no ano seguinte com o mesma qualidade e, como os humanos, com a idade, elas se adaptam menos às mudanças bruscas de manejo”, diz Emmanuel Riffaud. Para Ted Seghesio, “são vinhedos que não podem ser replicados, portanto é necessário monitorar sua saúde”.
Guillaume Deschepper acredita, porém, que a diferença de custo de manutenção das vinhas velhas está no lugar, nas restrições topográficas e no modo de condução. “Só isso explica o custo adicional”, diz. Isso é sentido no Douro, por exemplo, onde a geografia limita a mecanização. “E como se trata de uma mistura de variedades, com comportamentos diferentes, todos na mesma parcela, é preciso tratar ou colher de forma individualizada (ou seja, uma variedade de cada vez). Além disso, fazemos intervenções fitossanitárias mais regulares e criteriosas”, conta Francisco Ferreira, da Quinta do Vallado.
Estaria na manutenção mais custosa a resposta para algumas vezes os vinhos de vinhedos antigos terem preços mais altos? Com vinhas que beiram 200 anos, Henry Marionnet é categórico em afirmar que não. “Não tenho nenhum outro trabalho, não muda nada no vinhedo. Não são caros, não tem diferença”, diz. Alejandro Galaz Viñalz compartilha dessa opinião: “Na maioria dos casos, como as plantas são mais estáveis, os trabalhos são mínimos. Os custos normalmente não são mais altos que um vinhedo tradicional jovem”. Para Roberto Gonzalez, vinhas jovens e velhas têm demandas diferentes que acabam se equiparando. “Os custos podem ser semelhantes, mas uma planta antiga pode assegurar melhor qualidade”, garante.
Adaptação à tecnologia Segundo Marcelo Retamal, a atuação do enólogo é decisiva na vida de uma vinha velha: “Esses vinhedos foram plantados em uma época em que a viticultura e a enologia eram muito diferentes. Creio que o principal problema somos, às vezes, nós, enólogos, que mudamos a forma de manejar a vinha. No fim, a tecnologia poder pedir a conta e perdemos a essência real desses vinhedos”. Para exemplificar isso, sua colega, Cecilia Torres lembra de uma experiência pessoal ruim: “Tinha um pedacinho dessas vinhas para experimentar e colocar mais tecnologia. Mudamos o sistema de irrigação e foi um desastre. As vinhas perderam o equilíbrio. Elas não entenderam nada”. |
Juan Roby segue a linha de pensamento, mas explica o custo mais alto do produto final: “Em geral, os cuidados são os mesmos do que em vinhedos jovens. A manutenção não é mais cara, a uva, sim, é mais cara porque os rendimentos são baixos”. Miguel Ângelo Almeida concorda, mas ainda assim não acredita que isso seja a explicação para um custo mais alto. “O custo de manutenção é o mesmo de um vinhedo novo, porém com uma produção estável. Como hoje todo o investimento de instalação dessas vinhas velhas já está amortizado, essa uva torna-se mais rentável que a de uma vinha nova”, pontua.
Mais custosas ou não, a verdade é que as vinhas velhas não deixam de seduzir os enólogos e, muitas vezes, os consumidores através de seus vinhos. Então surge um ponto importante: quanto tempo uma vinha é capaz de durar? Seria ela capaz de ser imortal, atravessando os tempos e produzindo vinhos cada vez melhores?
Apesar de prezar as vinhas de 60 anos para a produção de seu ícone Casa Real, Cecilia Torres sabe que elas não viverão para sempre. “Não vão viver até 100 anos. Talvez durem mais 20. Chega um limite em que a produção já não é economicamente possível”, revela, lembrando que os Châteaux bordaleses costumam replantar 5% de seus vinhedos todos os anos.
Tomás Roquette, enólogo da Quinta do Crasto, afirma que essas vinhas precisam ser mantidas com um vigor produtivo reduzido para ter equilíbrio. “Muitas vezes usamos a expressão ‘manter a vinha ligada à máquina’ como se estivesse quase a definhar, mas sempre ainda com o ‘coração a bater’”, conta, ao mesmo tempo que concorda com Cecilia Torres: “É fundamental que a qualidade obtida numa vinha velha justifique a sua existência, pois, caso contrário, se não se verificar de uma forma constante produções de grande nível qualitativo, será melhor a sua reconversão”.
Sendo assim, com a desculpa do chavão, que seja eterno enquanto dure.