Produtores da rica região do Douro, em Portugal, se unem para alcançar mercados internacionais e se rendem à tecnologia de ponta, produzindo cada vez melhores vinhos de mesa.
Marcelo Copello Publicado em 29/06/2006, às 14h27 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h43
O Douro, no nordeste de Portugal, é uma das mais belas regiões vinícolas do mundo. Estende-se por uma área de cerca de 250 mil hectares, ao longo das margens do rio que lhe dá nome e de seus afluentes. Embora a presença da vinha na região remonte a 4 mil a.C., a produção de vinhos só tomou impulso a partir do século XVIII, quando o vinho do Porto foi criado e a região se tornou a primeira do mundo a ser demarcada e delimitada.
Uma rica história e antigas e rígidas leis tornaram o Porto um dos maiores vinhos do mundo. Tal prestígio, entretanto, nunca se estendeu aos demais vinhos do Douro, com honrosas e relativamente recentes exceções do Barca Velha e do Quinta do Côto Grande Escolha. Esse panorama está em plena transformação.
As razões para a histórica falta de reputação internacional dos vinhos de mesa do Douro são muitas. Em primeiro lugar, a imagem da bebida portuguesa no mercado internacional sempre foi ofuscada pelo vinho do Porto. Castas de sabores diferentes e nomes impronunciáveis por consumidores anglo-saxões dificultam a penetração em importantes mercados, como os EUA e o Reino Unido. Além disso, até os anos 90, o Douro não possuía tecnologia e nem mãode- obra para a produção de bons vinhos de mesa, item no qual o Porto é menos exigente.
As dificuldades naturais de produção de vinhos na região são grandes. As vinhas, muitas com mais de 70 anos de idade, estão plantadas em estreitas encostas com inclinações de até 45°, impedindo a mecanização da colheita. Os rendimentos são baixos, da ordem de 30 a 50 hectolitros por hectare, e o custo para a plantação de novos vinhedos é alto, cerca de US$ 40 mil o hectare. Soma-se a esses um outro fator - a propriedade da terra está pulverizada por cerca de 33 mil viticultores, 80% dos quais possui menos de 0,5 hectare. Dessa forma, produzir vinhos de qualidade em escala torna-se difícil na região. A solução foi partir para a alta qualidade em produções pequenas.
Ser pequeno no mundo do vinho, porém, pode significar desaparecer em meio a milhares de outros pequenos produtores. Por isso, alguns desses pequenos produtores chegaram a se organizar para agir em bloco. É o caso de Quinta do Vale Meão, Niepoort, Quinta do Valado, Quinta do Vale D. Maria e Quinta do Crasto, que singelamente se autodenominam "Douro Boys". O resultado veio logo, pois seus vinhos já foram notados pela mídia internacional. Os "Douro Boys" são apenas um exemplo (já seguido por outros), seja na qualidade dos vinhos, seja na iniciativa de marketing. A cada dia surgem novos vinhos de alta qualidade no Douro, em diversos estilos, dos mais tradicionais aos mais modernos.
Seguindo essa, premissa rótulos durienses de respeito têm aportado por aqui com saudável freqüência. Um dos mais afamados desta turma é o Chryseia, fruto da joint venture entre a casa Symington e o enólogo Bruno Pratts, antigo proprietário do Château Cos d'Estournel. O Chryseia é comercializado via negociantes de Bordeaux, logo não há exclusividade em sua importação, chegando aqui pelas mãos tanto da Mistral, quanto da Terroir. Outro protagonista desse enredo é Dirk van der Niepoort, que não só faz vinhos excepcionais na empresa da família (Niepoort), como dá conselhos e influencia muitos produtores da região. Dirk faz parte da gangue de Christiano Van Zeller, que assina com Sandra Tavares o Quinta do Vale Dona Maria, outra referência na região. Por fim, é impossível contar a história contemporânea dos vinhos do Douro sem lembrar do Quinta do Vale Meão. Este "vinhão" é conhecido como "Barca Nova", por ser produzido em vinhedos que, por muitos anos, originaram o vinho ícone português Barca Velha.
Um grande destaque é Vinha de Lordelo 2003, de Alves de Souza. Esse impressionante cult wine foi elaborado pela primeira vez na safra de 2003, a partir do vinhedo mais antigo da Quinta da Gaivosa, a Vinha de Lordelo; até então suas uvas eram misturadas em outro vinho. As plantas de mais de 100 anos são cerca de 30% Tinta Roriz, 20% Touriga Nacional, 10% Tinta Amarela, 10% Sousão e o restante de outras dezenas de castas autóctones do Douro, algumas em processo de extinção.
#Q#É importante notar que a modernização dos vinhos do Douro não passou pela adoção de castas estrangeiras, muito menos pelo abandono de técnicas tradicionais, como a pisa de uvas em lagares. Ao contrário, castas tradicionais como a Sousão voltam a ser procuradas e os lagares ganharam pisa mecânica e controle de temperatura computadorizados. É a releitura dos velhos métodos à luz da tecnologia de ponta. Ao visitar essas quintas e descobrir tamanha evolução, constata-se que a história do vinho de mesa do Douro está apenas por começar.
Provei cerca de duas dezenas dessas novidades para ADEGA. Encontrei uma tropa de ótimo nível, o que tornou difícil a escolha dos destaques:
Quinta do Vale D. Maria 2002, (Expand,
R$ 189). Feito com a salada duriense de
castas: Tinta Amarela, Rufete, Tinta Barroca,
Tinta Roriz, Touriga Francesa, Touriga
Nacional e Sousão. Rubi-violáceo escuro. Ótimo ataque, lembrando violetas, baunilha e outras especiarias doces, frutas compotadas, frescor de menta e ervas. Paladar de bom corpo, com ótima acidez, boa persistência. Envolvente na boca, com muita classe. Apesar do bom corpo, nessa turma está mais para a elegância do que pra força. da prova. Para meu gosto e para beber hoje, o melhor da prova.
Reserva Vinhas Velhas 2003, Quinta do Crasto (Qualimpor, R$ 122). A Quinta do Crasto consegue imprimir personalidade a seus vinhos. Tendo provado recentemente outro excelente vinho da casa (o Touriga Nacional 2003), não foi difícil reconhecer esse às cegas. Cor violácea muito escura. Aromas que lembram violeta, especarias doces, baunilha, minerais e chocolate ao leite. Palato que consegue aliar o caráter do Douro à modernidade, é denso e macio (14,5% álcool) e fácil de beber. Bom custobenefício.
Brunheda Vinhas Velhas 2001, Vale da Corça, (Adega Alentejana, R$ 270,10). Uma mistura de várias castas, oito autóctonas, fica 20 meses em barricas francesas novas. Rubi muito escuro com reflexos granada. Aromas onde a madeira aparece bastante,
com caramelo, alcaçuz, tostados, chocolate amargo, passas, menta e outras ervas frescas. Paladar poderoso, muito concentrado, macio ma non troppo, com 13% de álcool, final longo. Pronto, porém se beneficiará de longa guarda.
Vinha de Lordelo 2003, Quinta da Gaivosa (Decanter, R$ 339,25). Fica 10 meses em barricas de carvalho francês. Vermelho violáceo impenetrável. Ótimo ataque aromático, com muita violeta, frescor de menta, esteva, compotas, tostados, café, cacau amargo e seco, alcaçuz. Paladar poderoso, concentrado, parede de taninos muito finos, macios, com uma aresta de seriedade equilibrados com seus 15% de álcool, com boa profundidade, com camadas de sabor, longo. Impressiona bastante, um vinhão, um dos melhores tintos lusos que já passaram por minha taça.
Outros vinhos testados:
• Quinta do Ventozelo Reserva 2000 (Casa
Aragão).
• Quinta do Ventozelo 2001 (Casa
Aragão).
• Quinta do Vallado 2003 (Expand,
R$ 89,50).
• Quinta dos Quatro Ventos Colheita 2003
(Ecos, R$ 75,00).
• Quinta dos Quatro Ventos Reserva 2002 (Casa
Santa Luzia, R$ 175,00).
• Quanta Terra 2003 (Adega Alentejana,
R$ 141,20).
• Quinta de la Rosa Reserva 2004, (Expand,
R$ 180,00).
• Quinta do Vale Meão 2002 (Mistral, US$ 115,00).
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