Arte à mesa

Com criações sofisticadas, o francês Patrick Ferry transforma a cozinha em um verdadeiro ateliê

Fábio Farah Publicado em 24/07/2007, às 06h34 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44

"Les Senteurs Brésiliennes", trilogia do Chef P. Ferry, e as baianas, de P. Verger: encintro de duas artes

A gastronomia é uma arte. Nas mãos do chef, os elementos são esculpidos e combinados para incitar todos os sentidos dos comensais. O ritual inicia-se com a contemplação - como nas artes plásticas e na escultura - e termina com a apreciação da alquimia de sabores, a impressão digital do artista. O autêntico gourmet descobre o autor - ou sua escola -, provando a obra. Nesta edição de ADEGA, na qual a capa expõe as semelhanças entre vinho e arte, escolhi um restaurante em que a gastronomia está ligada à outra arte. No P. Verger, situado no Sofitel, em São Paulo, a arte do fotógrafo francês Pierre Verger marca presença em diversos quadros retratando a realidade brasileira em preto e branco. E, não por acaso, a paixão pelo Brasil registrada em sua Rolleiflex reflete-se nas criações de seu conterrâneo, o chef Patrick Ferry.

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O primeiro menu inicia-se com "Les Senteurs Brésiliennes" (em português, os aromas do Brasil). É uma trilogia, na qual "Canelone de Bobó de Camarão com Palmito", "Ostras Poché com Tapioca" e "Sorvete de Moqueca" combinam- se e revelam a experiência brasileira do chef. A apresentação é uma versão de nossa bandeira. Pela diversidade de elementos, o vinho escolhido foi um "Chardonnay Terrazas Reserva", com madeira presente e personalidade aromática. Um vinho "de consenso", para não encobrir - ou tornar-se inexpressivo - diante das diversas nuances de sabores. Um desafio que o Directeur de la Restauration, Carlos Campineiro, e o sommelier Alan Dias souberam responder. Degustei os "brasis" de Patrick contemplando os "brasis" de Verger, em uma esplêndida e misteriosa harmonização.

O prato principal da primeira seqüência foi "Le Agneau". Saindo da trilogia, o chef sugeriu um "Carré de Cordeiro com Caviar de Berinjela e Batatas Bouchon". A carne é preparada com uma crosta de vinho. "Essa harmonização não tem erro", afirma Campineiro, antes de servir o vinho chileno "Sideral", produzido com o corte bordalês. Carnudo, de potência aromática e persistente, o vinho harmonizou muito bem com os sabores do prato. Apesar do sotaque francês, é inevitável não comparar o prato com o "olhar" de Verger sobre a capoeira. Dois negros, capturados pela lente do fotógrafo, não disputam forças. Eles jogam capoeira da mesma maneira que os elementos potentes do prato dançam no paladar, com uma deliciosa harmonia.

O primeiro menu foi coroado com "Le Chocolat", uma nova trilogia: "Mousse de Chocolate Negro com Xarope de Especiarias", "100% Prazer de Chocolate" e "Chocolate Quente da Alta Guiana". O passeio pelas variações de chocolate é sublime. Comecei com o chocolate quente temperado com canela. Depois provei o "100% Chocolate", uma combinação de três tipos da iguaria: amargo, doce e ao leite. Finalizei com o mousse, muito bem combinado com as especiarias. Um novo desafio de harmonização, respondido com um Porto "Niepoort Tawny". Os sabores da sobremesa se sobrepuseram ao vinho, mas não consegui pensar em uma combinação apropriada àqueles sabores intensos e particulares. Algumas crianças do fotógrafo francês estampavam um sorriso feliz. Teriam elas saboreado aquela obra da pâtisserie?

Uma pequena pausa antes de um novo menu completo, composto, novamente, por uma entrada, um prato principal e uma sobremesa. Como próxima entrada, "La Tradition" (em português, A Tradição), uma trilogia de foie gras. A ballotine de foie, uma preparação clássica, pode ser comparada às obras renascentistas. Mas ganha toques exóticos com a seleção de chutneys (tomate, figo e manga). Importante destacar que Patrick aprecia cozinha indiana, marroquina e árabe e as utiliza em algumas de suas criações. Essa fusion é a arte moderna da gastronomia (a contemporânea seria a cozinha molecular). Ainda como acompanhamento para essa primeira versão do foie, um pão de especiarias grelhado. Dividindo as atenções, um escalope de foie com uma leve crosta - preparação impecável denunciando o savoir-faire do chef -, guarnecido com lentilhas verdes e molho de hibiscus. Além de um creme de champignon morille, com um pedacinho de foie em seu interior. Pela complexidade de sensações gustativas, o vinho escolhido foi um "Prosecco Sacchetto". A harmonização não decepcionou.

O prato principal do segundo menu é uma homenagem do chef aos seus companheiros de ofício. O "Retour du Marché" é outra trilogia, unindo "Atum ao Molho de Mostarda de Meaux", "Lagostim ao Molho Thermidor" e "Salmão Fresco Marinado em Calda de Beterraba". Um prato leve e complexo, harmonizado com o neozelandês "Cloudy Bay Sauvignon Blanc", escolhido por seus toques herbáceos. Após a homenagem aos artesãos do paladar, encerramos o banquete com uma homenagem aos comensais glutões: "La Gourmande". Como outras criações do chef, uma sobremesa complexa costurando, com maestria, diversos elementos como "Morangos com Manjericão", "Creme de Amêndoas" e "Maçã Cozida com Calda de Framboesa", uma releitura gastronômica da maçã do amor. Maçã do amor lembra festa junina, tradições brasileiras, Pierre Verge. Passear pela cozinha de Patrick Ferry é degustar arte.

COZINHA:
HARMONIZAÇÃO:
ENTRADA: R$ 42 A R$ 74
PRATO PRINCIPAL: R$ 68 A R$ 82
SOBREMESA: R$ 32
Avaliação
Sublime
Excelente

Muito Bom

Bom
Médio
- Fraco

P. Verger - Rua Sena Madureira, 1355 -
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