Comprando sonho

É possível largar tudo, comprar sua própria vinícola rodeada pela belíssima paisagem dos Andes e ainda viver disso?

Christian Burgos Publicado em 17/11/2008, às 09h53 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45

Acordar cedo, abrir a janela e admirar vinhedos e os picos nevados da Cordilheira dos Andes. Este ritual remete a recordações especiais para nós, amantes do vinho, que tivemos e temos a oportunidade de ficar hospedados em vinícolas do Chile e Argentina. Entretanto, convido-os a reiniciar e dar um passo adiante neste rito: acordar cedo, abrir a janela e admirar SEUS vinhedos e os picos nevados da Cordilheira dos Andes.

Ter seus próprios vinhedos e produzir seu vinho parece distante, mas este estilo de vida está bem mais perto do que se pode imaginar. Pelo menos é a proposta de alguns empreendimentos de luxo em Mendoza, que prometem tornar seus clientes produtores de vinhos de alta gama, e fazê-los ganhar dinheiro com isto.

Entusiasmado, mas cético, não resisti ao impulso de conhecer e investigar pessoalmente. Fui a Mendoza explorar um destes condomínios para aficionados por vinho, que estão conquistando clientes na Espanha, Estados Unidos, Itália e Austrália. Talvez por alguma obsessão associada ao empreendedorismo, sempre que viajo, fico curioso em saber o preço das terras, calcular se é um bom negócio, imaginar como foi no passado e como será no futuro, muito embora não tenha a real intenção de mudar de vida.

Quando cheguei a Santa Maria de Los Andes, não foi diferente. A mensagem de que não é necessário ser enólogo ou multimilionário para participar da seleta comunidade dos produtores de vinho de alta gama e ainda ganhar dinheiro com isto soou como o canto da sereia. As terras, 2 mil hectares em Alto Agrelo, aos pés da précordilheira e sob a guarda dos picos nevados do Plata e Tupungato é entusiasmante. Mas, agindo como comprador, pus-me em guarda e formulei dezenas de perguntas. Qual o preço do hectare dentro e fora do empreendimento? Tem licença de uso de água? E por aí afora.

Para quem não sabe, Mendoza é um deserto cuja vida é possível pela água do degelo ou pelos poços artesianos. O assunto é tão sério que o controle de seu uso é rigoroso e vistoriado por autoridades e vizinhos. Novas licenças de uso de água não estão sendo emitidas e, até pouco tempo, para abrir um poço tinha-se que comprar outro com licença de uso em lugar distinto e lacrá-lo. Fiquei sabendo que hoje, não se sabe por quanto tempo, nem assim. Quem tem licença, tem. Quem não tem, está fadado a ser dono de um mar de areia, sem mar.

Em Santa Maria, a quase finalizada casa de hóspedes e o futuro hotel/spa dispensam a necessidade de construir sua própria morada, muito embora qualquer um que compre no mínimo dois hectares possa utilizar parte do terreno para erguer seu lar entre os vinhedos. Outros destes wine resorts - como estão sendo chamados estes tipos de projetos - também se baseiam no ganho de escala no rateio de custos de manejo da terra, vinícola, condomínio e assessoria especializada para viabilizar pequenos vinhedos com até um hectare e infra-estrutura de condomínio de luxo.

O valor do hectare está, no mínimo, 30% mais caro que o custo médio na vizinhança, mas, de certa forma, é como comprar ações no mercado fracionário. Caso contrário, será necessário um investimento muito superior aos US$ 80 mil de um hectare para se tornar proprietário de uma vinícola.

Os incorporadores advogam que é possível tornar o investimento um negócio rentável ao produzir e vender os vinhos de alta gama que sairão da propriedade. Para mim, o mais importante é que os US$ 4 mil anuais de custo máximo de manejo por hectare, mais os US$ 1 mil anuais de condomínio podem ser custeados pela venda da produção de uvas ao preço de mercado na região.

A conta para não perder dinheiro é simples: 5.800 plantas por hectare, produzindo de 7 a 8 mil quilos de uva, vendidos a 60 centavos de dólar por quilo. Para ganhar dinheiro, a questão passa por produzir um vinho de qualidade, contando com seus dotes como enólogo e a bem vinda assessoria de Alberto Antonini.

Chego ao Brasil pensando em meu pequeno vinhedo em Mendoza, na parte mais alta da propriedade (escolhi pela qualidade do solo), nas variedades que plantarei (Malbec, é claro, e Bonarda) e na casa que construirei em outro hectare na reserva natural já na encosta da pré-cordilheira. Será que algo ao nosso alcance deve continuar sendo chamado de sonho?