Em exercício de futurologia, tentamos imaginar quais seriam as notícias que gostaríamos de publicar nos próximos anos
Por Arnaldo Grizzo Publicado em 12/10/2015, às 00h00 - Atualizado às 01h24
Da mesma forma que muitas vezes nos pegamos em pensamentos nostálgicos sobre nosso passado, “como as coisas eram boas”, “como a nossa infância foi feliz”, ao mesmo tempo, também tendemos a sonhar com um futuro melhor, com uma vida melhor.
Em 10 anos, ADEGA presenciou muita coisa no mundo do vinho. Acompanhamos o boom dos vinhos naturais, o ressurgimento de técnicas ancestrais como o uso de ânforas e até os vinhos laranjas; ficamos de olho na mobilização da indústria nacional para defender seus direitos, mas também na pronta resposta dos consumidores que não querem pagar mais; vimos os críticos internacionais exaltarem os produtos brasileiros, estamos observando uma mudança profunda, porém paulatina, no gosto do consumidor e no estilo dos vinhos... Enfim, muita coisa aconteceu, está acontecendo e vai acontecer ainda.
E o que vai acontecer? ADEGA então aponta aqui 10 notícias que gostaríamos de publicar nos próximos anos. Algumas, como todos os sonhos costumam ser, provavelmente são muito utópicas, outras, nem tanto. Todas, porém, seriam muito bem vindas.
Depois de anos de discussões, idas e vindas no Congresso, enfim a legislação brasileira passará a considerar o vinho não mais como bebida alcoólica simplesmente, mas também como alimento. A proposta de alteração da lei passou por todos os trâmites no legislativo nacional, foi aprovada pela Câmara dos Deputados e também pelo Senado, e, finalmente, o presidente a sancionou. Reflexo direto disso, obviamente, foi um corte drástico na incidência de impostos sobre o produto, que deixou de ser taxado como “bebida quente” e artigo de luxo (sobre os quais incidem as maiores alíquotas). “O Brasil deve se tornar um dos mercados mais competitivos do mundo para os vinhos, equiparando preços com Estados Unidos e Reino Unido por exemplo. Esperamos, com isso, ter um aumento de demanda considerável e chegar ao patamar de consumo de países como França, Itália ou Argentina”, disse um importador. O aumento na demanda poderá vir ainda de outro projeto que, segundo congressistas, tem tudo para ser aprovado: a inclusão do vinho na cesta básica de alimentos.
Depois de diversos anos de intensas pesquisas sobre os benefícios do vinho para o corpo humano, cientistas do mundo todo chegaram à conclusão que substâncias encontradas na bebida são realmente capazes de curar o câncer e também doenças neurológicas, como Alzheimer, por exemplo. Os pesquisadores isolaram e observaram a atuação dos mais diversos polifenóis presentes nos vinhos (tanto tintos quanto brancos) e, depois de diversos experimentos, viram – como se suspeitava há anos – que alguns deles são capazes não somente de prevenir essas doenças, mas também curá-las. Com essa descoberta, o próximo passo é a criação de medicamentos com base nessas substâncias. Laboratórios farmacêuticos de todo o planeta já estão investindo nisso e os cientistas acreditam que os remédios devem estar no mercado em breve. Porém, enquanto isso, eles afirmam que as pessoas podem ingerir vinho moderadamente. “O consumo não apenas previne as doenças, mas também ajuda no tratamento”, alega um dos autores do estudo.
Seguindo uma tendência mundial e também uma maior conscientização, o consumo de vinho no Brasil vem crescendo vertiginosamente nos últimos anos. Se até meados da década de 2010 o consumo no país não alcançava os 2 litros per capita anualmente, agora chegamos a patamares que poucos imaginavam ser possível em um país de proporções continentais e com mais de 200 milhões de habitantes. Nossa média hoje está acima dos 50 litros per capita e tende a atingir patamares ainda mais altos, superando a média francesa, por exemplo, que, há muitos anos, gira em torno dos 45 litros per capita anuais. O aumento do consumo deve-se a uma forte promoção da bebida por parte da indústria (tanto produtores quanto importadores) apoiada pelo governo. Com isso, o vinho vem tendo uma disputa acirrada com a cerveja no que tange à preferência nacional. “Nossa indústria hoje é tão forte quanto a da cerveja, mas queremos ser ainda mais competitivos”, afirma o representante da associação de produtores e importadores do Brasil.
Este ano certamente representará um marco na história dos vinhos de Bordeaux. Dias antes do que seria o início da campanha en primeur – em que os Châteaux colocam seus vinhos da safra do ano anterior à prova e, depois das avaliações, estipulam os preços com que vão vender as alocações aos negociantes da Place de Bordeaux –, a associação dos produtores anunciou que, a partir de agora, os vinhos não mais serão comercializados dessa forma. Desde o século XVII, os produtores vendem seus vinhos antecipadamente para os negociantes, que pagam e assumem a comercialização posterior. No entanto, há muitos anos o processo, arcaico, vem sendo questionado. Em 2013, o primeiro passo para essa ruptura foi dado pelo Château Latour, que não mais vendeu seus vinhos en primeur desde então. Depois disso, outros produtores começaram a se movimentar para seguir o exemplo. Agora, com estoques, finanças e sistemas de distribuição bem estabelecidos, os Châteaux devem passar vender seus vinhos diretamente aos clientes, sem intermediários e, consequentemente, ágio.
Compreender o rótulo de um vinho quase sempre foi tarefa para experts. Cada país, ou melhor, cada região, possuía um modelo e havia poucos pontos em comum entre eles. Com isso, o consumidor, muitas vezes, não era capaz de identificar informações básicas que esclareceriam o produto e ajudariam na hora da compra. Agora, porém, essa realidade deve mudar. Em reunião com representantes de todos os países onde há vitivinicultura, a OIV (Organização da Vinha e do Vinho) definiu os parâmetros que serão usados em todos os rótulos de vinho. “A rotulagem precisa trazer todas as informações necessárias para o consumidor de forma clara e isso nem sempre ocorria”, afirmou o presidente da organização. Com a anuência de todos os participantes, definiu-se que rótulos e contrarrótulos obrigatoriamente detalharão variedades e seus percentuais aproximados, além dos processos enológicos, grau de dulçor, características organolépticas mais representativas etc.
Com o crescimento vertiginoso do consumo, há algum tempo, o governo brasileiro decidiu diminuir e, em alguns casos, até mesmo a extinguir, as alíquotas de impostos aplicadas sobre o vinho, tanto nacional quanto importado. Dessa forma, o mercado brasileiro atualmente é o mais competitivo do mundo. Se no começo dos anos 2000 o país já estava entre os que maior número de rótulos ofereciam ao consumidor, com mais de 10 mil – quantidade inferior apenas aos Estados Unidos e Reino Unido –, agora assumimos a liderança no que tange aos preços. Segundo um levantamento internacional, o Brasil é hoje o país que aplica os valores mais competitivos nas vendas de vinho. Isso é benefício direto da alta demanda, que faz com que os produtos, nacionais e estrangeiros, cheguem ao consumidor com preços equivalentes ao que ele compraria nos países de origem. “O Brasil é um mercado maduro, que contempla vinhos de todas as faixas de preço, com espaço para todos. Por isso, é preciso trabalhar bem o marketing dos produtos para conquistar o consumidor”, alega um produtor francês.
Foi necessária uma grande mobilização (e também conscientização) por parte dos produtores, importadores e restaurantes, mas, hoje o Brasil deu um grande passo para aumentar a venda de vinhos nos restaurantes. Depois de muitos debates, o setor resolveu se unir para promover um maior consumo através de políticas que favorecem os estabelecimentos. A primeira parte do programa deve fazer com que os preços praticados nos restaurantes, que costumavam ser muito superiores aos das lojas e supermercados, equiparem-se. “Só o fato de a garrafa ter quase o mesmo valor, tanto no restaurante quanto no varejo, já é um grande estímulo”, aponta um dono de restaurante, que ainda vai se beneficiar de um sistema de distribuição mais inteligente, podendo, assim, trabalhar com estoques menores já que a reposição é mais ágil. Outro ponto importante para estimular o consumo nos restaurantes será o desconto nas corridas de táxi para quem consumir a bebida. Um projeto de lei nesse sentido está em andamento e, se aprovado, pode ser implantado em todas as cidades do Brasil.
O mundo do vinho, enfim, encontrou a resposta para séculos de incertezas. Desde que o primeiro homem produziu vinho, a bebida sofreu com as falsificações. Até mesmo o Código Hamurabi já previa penas para quem fraudasse a bebida (na época, o grande problema era acrescentar água). Mais recentemente, casos como o de Rudy Kurniawan, deixaram o mundo todo perplexo. Agora, porém, depois de anos de investimento e pesquisa, cientistas bolaram um sistema que impede qualquer tipo de falsificação. O método, mais do que garantir que as garrafas produzidas a partir de agora nunca serão fraudadas, também é capaz de averiguar a autenticidade de vinhos antigos com 100% de acerto. “É um grande alívio poder trabalhar com a certeza de que ninguém vai poder, com uma falsificação, denegrir a imagem do seu vinho. Todos queremos consumir o que efetivamente compramos. Que esse sistema sirva de modelo para outras indústrias que também sofrem com falsificações”, afirmou o produtor de um Premier Cru Classé de Bordeaux.
Usado como conservante nos vinhos há séculos, o dióxido de enxofre teve papel fundamental na história da bebida. Acredita-se que ele seja usado desde a Antiguidade, no entanto, o primeiro documento “regulamentando” seu uso só surgiu em 1487, na Alemanha. Muito do comércio a longas distâncias se desenvolveu graças ao emprego dessa substância na conservação dos vinhos, que passaram, assim, a não deteriorar tão rapidamente. Até pouco tempo atrás, o enxofre era a única alternativa da indústria para a conservação, apesar de alguns produtores puristas abominarem a prática. Hoje, contudo, depois de muita pesquisa, cientistas e enólogos apresentaram uma alternativa ao enxofre. Assim, foi desenvolvido um método de conservação mais natural, eficaz e barato para as práticas enológicas. A técnica já está sendo empregada em larga escala e, em breve, nenhum vinho do mundo precisará passar por tratamento com enxofre. “O vinho poderá ser apreciado, sem preocupações, por aquelas pessoas que têm intolerância ao enxofre. Elas nunca mais terão dor de cabeça ao beber”, garante o cientista que desenvolveu a alternativa.
Sabe aquele temor de ter guardado um garrafa especial durante anos e anos e, ao abrir, descobrir que o vinho está estragado, bouchonné, contaminado com uma substância conhecida como tricloroanisol (TCA) que faz com que o vinho tenha um odor de mofo ou papelão molhado? Pois então, fique tranquilo, pois isso é coisa do passado. Recentemente, foi desenvolvido um equipamento prático que, além de evitar a contaminação das rolhas de cortiça pelos fungos que liberam o TCA, também é capaz de eliminar a substância quando ela já teve contato com o líquido. O sistema ainda detecta o problema nas garrafas fechadas. “A indústria da cortiça luta contra esse problema há décadas, cada vez com mais sucesso, mas estamos felizes por termos conseguido uma solução definitiva”, aponta um dos principais produtores de rolha de Portugal. “É reconfortante ter a certeza de que não perderei meu investimento e meu prazer em beber uma garrafa de vinho devido a um defeito”, confessa um dos maiores colecionadores do mundo.