Cecília Torres, da Viña Santa Rita, ofereceu uma vertical exclusiva para ADEGA do ícone Casa Real
Eduardo Milan Publicado em 13/07/2012, às 07h48 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h48
Degustar um vinho emblemático, por si só, é uma ocasião especial. Uma degustação vertical desse vinho, então, é única. A presença do enólogo responsável por sua elaboração torna a experiência memorável. E a equipe de ADEGA viveu isso. Uma das maiores personalidades do vinho chileno, Cecília Torres, enóloga-chefe da Viña Santa Rita e responsável por elaborar um dos vinhos mais emblemáticos daquele país, o Casa Real, trouxe quatro safras (2002, 2004, 2007 e 2008) para avaliarmos.
Ao conversar com Cecília e provar seus vinhos, descobre-se verdadeiramente como um vinho se torna um ícone e como ele evolui com o tempo e com a visão do enólogo. A história dela, uma mulher que à frente de um dos três maiores grupos de vinhos do Chile, e do Casa Real praticamente se confundem, já que a enóloga trabalha em Santa Rita desde o início de sua carreira, em 1980, e é responsável pela elaboração desse tinto desde a primeira safra, em 1989. Atualmente, ela se dedica só à feitura desse ícone e dos desafios que o cercam.
Todas as safras, apesar de diferentes entre si, apresentam um estilo, uma identidade comum
De acordo com Cecília Torres, a área selecionada para a produção da primeira safra de Casa Real – de 40 hectares, denominada Carneros Viejo – deve-se à qualidade dos taninos de suas frutas. Até hoje, não se faz qualquer irrigação e a produção máxima é de 3.500 caixas por safra |
Como nasce um ícone
O Casa Real pode ser considerado um Single Vineyard. Isso porque desde sua primeira safra é elaborado somente em anos considerados excepcionais a partir de uvas de uma mesma parcela de vinhedo de Cabernet Sauvignon, numa área de cerca de 40 hectares denominada Carneros Viejo - situada a 500 metros do nível do mar, em Alto Jahuel, bem próxima à vinícola, no Alto Maipo – escolhida especialmente pela qualidade dos taninos de suas frutas. Como as vinhas são antigas, com cerca de 60 anos, a produtividade é bastante baixa. Cecília Torres diz que as vinhas rendem, na melhor das hipóteses, um quilo de uva por planta.
A “mãe” do Casa Real acompanha toda a colheita de perto, determinando o momento em que cada parcela deverá ser colhida. “Não é fácil mostrar a pureza e o potencial da Cabernet. As vinhas têm 60 anos, e há algumas muito bonitas, muito equilibradas, mas outras que estão mais verdes, ou mais vigorosas... Então tenho que fazer três colheitas para poder conseguir a qualidade que quero”.
Um dos motivos de tanto cuidado com a vindima é simples. Eles não “consertam” a uva. O papel do enólogo é ser o condutor do processo. “Em alguns vinhos, podemos consertar um problema da fruta aumentando ou diminuindo a temperatura da fermentação, por exemplo, mas a genética da uva continua lá. No Casa Real, no entanto, não quero e não posso ‘arrumar’ nada. A única coisa que posso fazer é tratar as uvas com carinho, dar bom dia, boa noite... De resto, não faço nada, pois não acho necessário. O enólogo precisa, em primeiro lugar, garantir a boa colheita e, depois, cuidar das uvas”, explica.
Isso tudo, obviamente, reflete-se na qualidade do produto final e funciona como uma espécie de elo de ligação entre todas as safras, que, apesar de diferentes entre si, apresentam um estilo, uma identidade comum. “O Casa Real 2002, por exemplo, é um clássico, esse é o que sempre dizem ser ‘um Bordeaux’. Tem notas de couro, de especiarias, é muito típico, mas também tem algo de menta. Não parece um vinho chileno. Os vinhos Casa Real têm um fio condutor, as diferenças são bem poucas”.
Ao falar sobre as últimas safras, Cecília lembra que os vinhos são da mesma planta e estão no mesmo solo, e, por isso, as diferenças entre eles são basicamente climáticas. “O 2002 tem muita riqueza, mais calor, mas não é tão robusto quanto o 1995, isso é notável, é um vinho muito complexo. O 2008 vai chegar a esse nível, consigo perceber que ele será grande. Ele tem finesse. Já o 2007 é mais corpulento, mais tânico, talvez mais masculino. E o 2008 é mais feminino. Mas todas as safras são clássicas, pois esse é um vinho clássico”.
#Q#Reflexo do Chile
É inegável que o Casa Real seja um vinho emblemático. Não só por sua qualidade, mas por tudo o que representa. Ele é um vinho de terroir e, por ser um vinho de terroir, precisa ter três coisas: “O vinho tem que ser de grande qualidade, para ser apreciado em todas as partes do mundo; capacidade de envelhecer; e, por último, precisa ter caráter único, personalidade marcante, para que provem e digam: isso é Casa Real, não Almaviva, ou Bordeaux, ou Califórnia. Essa é uma das razões pela qual não modificamos o vinho”.
Verifica-se uma grande consistência da representação do terroir, das notas frutadas e terrosas, da ótima acidez, dos taninos muito finos e maduros, além do corpo sedoso e da profundidade ímpar, talvez reflexo das vinhas velhas plantadas em pé-franco
Resumidamente, pelo fato de ser elaborado a partir de uma única cepa – Cabernet sauvignon – colhidas sempre de uma mesma pequena área, e vinificado sempre do mesmo modo – vinificação clássica, com fermentação em tanques de inox e envelhecimento em barricas de carvalho sempre francês –, sob a batuta da mesma enóloga, o Casa Real acaba representando um reflexo do vinho chileno no tempo. O que salta aos olhos – e ao paladar – é a grande consistência da representação do terroir, das notas frutadas e terrosas, da ótima acidez, dos taninos muito finos e maduros, além do corpo sedoso e da profundidade ímpar, talvez reflexo das vinhas velhas plantadas em pé-franco.
No futuro, Cecília deseja elaborar um blend de Cabernet sauvignon, Cabernet Franc e merlot que fique à altura do Casa Real. Para a enóloga, o Chile não é o país de uma única uva, mas de várias. “O Chile é um país jovem, ainda está buscando uma identidade. alguns falam da Carignan, outros citam a Carménère como a uva emblemática, mas eu, como já estou no ramo há muito tempo, vejo o Chile como um tremendo paraíso para a vinicultura. Temos a possibilidade de fazer um bom Cabernet sauvignon, merlot, Carménère... acho que há espaço para a Cabernet e para outras variedades, não precisamos escolher uma – e não tem sentido fazer isso. a nossa riqueza é a diversidade. acredito no Chile, e dizer que ele é o país da Carignan, ou da Carménère, seria privá-lo de oportunidades”.
Uvas à parte, provavelmente nenhum outro ícone chileno além do Casa Real consegue pontuar as nuances e a evolução de características de terroir com tanta clareza e consistência. Clareza que talvez seja da própria enóloga que evolui conjuntamente com o vinho que elabora.
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