En Primeur

Para quem quer aproveitar e garantir bons vinhos com preços de oportunidade, comprá-los ainda em barrica é um modo interessante

Arnaldo Grizzo Publicado em 15/06/2009, às 13h02 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46

Muitos enófilos gostam da máxima: "Em termos de investimento, o vinho é o de melhor liquidez possível. Você o abre e bebe". Porém, há muita gente que investe, não apenas para degustá-lo futuramente, mas para ganhar algum dinheiro com sua valorização. Existe até acompanhamento de índices de mercado (com apostas especulativas e tudo mais) para acompanhar as oscilações. Há ainda algo como uma espécie de "mercado de Futuros", conhecido como En Primeur.

"Primeur" pode ser traduzido como "novo", "jovem", "algo que está no começo". No entanto, como isso se traduz no mundo do vinho? Simples, é a compra de fermentados que ainda estão em barrica, alguns anos longe de se tornarem produtos finalizados, e só serão engarrafados e disponibilizados para o mercado futuramente. Ou seja, é como uma aposta em um mercado de Futuros.

Financiamento do Château

Esta prática é muito comum especialmente para os vinhos de Bordeaux. Os grandes Châteaux, que produzem vinhos de renome - especialmente os Grand Crus Classés -, costumam vender antecipadamente uma parte de sua produção anual. Alguns meses após a colheita, os proprietários convidam seus négociants para provar o fermentado ainda em barricas. Jornalistas e outros formadores de opinião também costumam ser convidados.

Após a prova, os Châteaux vendem uma parte para os negociantes (as allocation), que vão atrás de outros compradores pelo planeta. Esta prática serve para que os vitivinicultores financiem sua produção. Dependendo do ano, isso pode significar até 80% do faturamento do Château. Ou seja, é como uma empresa vender ações em Bolsa para se capitalizar.

Diz-se que o comércio de vinhos en primeur é tão antigo quando a vitivinicultura em Bordeaux. Contudo, esse sistema de negócio, conhecido como Place de Bordaeux, é algo que funciona efetivamente desde a década de 1970 e nos últimos anos tem aparecido nas manchetes de todo o mundo, cada vez mais ansioso por adquirir bons vinhos aos melhores preços possíveis. E não somente os Bordeaux, mas de algumas outras regiões como Borgonha, Vale do Rhône e até Porto e ícones do Novo Mundo.

Como funciona?

Após adquirir suas alocações (basicamente uma determinada quantidade de produto que o Château vai fornecer pelo preço estipulado), o negociante vai em busca de compradores. Um Châteu costuma lidar com diversos mercadores, que possuem diferentes cotas dependendo de seu relacionamento com os donos, nível de compra anual, etc.

Os proprietários definem seus preços, baseados em tendência de mercado e nas avaliações dos especialistas (o que forma a Place de Bordeaux), e os negociantes tentam ganhar um ágio em cima disso. Caso não consigam revender os produtos, são eles que arcam o prejuízo de todo o valor que compraram do Château. Ou seja, neste negócio, há um sério risco ao negociante. Portanto, antes de comprar é sempre preciso conhecer bem o mercador.

Os interessados procuram os negóciants e asseguram suas compras. Terminada esta fase, só resta esperar. Em Bordeaux, os vinhos de uma safra geralmente só serão colocados no mercado dois anos depois. Ou seja, você está comprando uma garrafa dois anos antes de ela efetivamente existir. Ou seja, quando os vinhos são postos no mercado, terão outro preço (costumeiramente maior do que o da compra en primeur).

Como comprar no Brasil?

Se você quer comprar algum vinho en primeur no Brasil deve procurar importadoras que façam este meio campo. Atualmente, só há duas atuando neste mercado, a World Wine e a Grand Cru. Eles compram dos négociants e revendem aqui. Para ter acesso aos mercadores, é preciso ter um bom histórico de compras e bons relacionamentos.

"Todo dia recebemos ofertas de vários negociantes. Mas, em Bordeaux, antes de mais nada, é uma compra de oportunidade. Oferecem 10 caixas de um Châteu a um bom preço e você tem que reagir muito rápido. E, principalmente, a importadora tem que ter saúde financeira para poder fazer isso (pois também corre o risco de não conseguir revender os vinhos num primeiro momento)", conta Matthieu Péluchon, diretor de vendas da World Wine.

#Q#
Sistema en primeur é muito antigo e serve para financiar a produção dos Châteaux

Se você quiser comprar, terá de pagar o valor das garrafas, geralmente, no ato. Então, vai ter de esperar dois anos para que o vinho seja engarrafado e o Château resolva comercializá-lo. Neste momento, você terá de desembolsar mais um valor referente à importação do produto, cuja taxa está por volta de 70% atualmente. "Não é uma pegadinha comercial, é para mostrar o quanto é difícil.

Os impostos são carregados", garante Péluchon, que afirma ter alguns fermentados que a importadora compra e sequer oferece aos consumidores. "Apostamos na valorização do vinho. O próprio Château Pétrus, que compramos todo ano, não oferecemos", diz.

Os Châteaux e negociantes geralmente costumam vender somente caixas fechadas (com 12 garrafas), o que pode ser mais do que um consumidor convencional gostaria de obter. Contudo, em algumas oportunidades, é possível comprar menos garrafas de importadores.

Vale a pena?

Depois de saber o quão complicado é esse sistema e as taxas envolvidas, você deve estar se perguntando: será que vale a pena? Para quem gosta de bons vinhos e quer garantir que vai poder prová-los no futuro, vale. Este é o caso do publicitário e dono de restaurante, Marcos Alves. Ele se encantou pelo mundo do vinho há cerca de 10 anos e, desde 2006, compra através do sistema en primeur. "Bordeaux é o grande vinho do mundo e é para quem tem paciência, pois ele só vai estar bom de 8 a 15 anos depois. E, você não achará um vinho antigo no mercado brasileiro", garante.

Quem pensa como ele é Marcelo Moraes, diretor de uma gestora de private equity: "Daqui a 10 anos, estes vinhos não vão estar em prateleira alguma". Moraes diz ainda que gosta de comprar safras especiais a um preço acessível, então, investiu nos anos 2000, 2003 e 2005. O executivo do setor bancário, Carlos Hitoshi, também acha que "vale a pena comprar produtos que você não vai encontrar depois. Quero ter algo raro".

Vale como investimento?

É complicado dizer se vale investir (esperando retorno financeiro) em vinhos en primeur. Teoricamente adquiri-los dessa forma é mais barato do que comprá- los quando eles já estão no mercado. Teoricamente porque, como todo mercado de Futuros, o do vinho também pode sofrer oscilações. Mundo afora, há quem invista pesado nisso. O mercado inglês e também o asiático, ultimamente, são os grandes players desse jogo.

"O sucesso do en primeur é que todos ganham dinheiro. Não tem um negócio no mundo que seja tão bom quanto esse. A ideia é fazer um bom negócio comprando o vinho antecipadamente", diz Péluchon, que completa: "O papel da Inglaterra é muito forte e funciona como uma outra Place de Bordeaux. Eles apostam na valorização do produto".

O segredo, segundo especialistas, é saber comprar em safras não muito badaladas e entender quais produtores menos renomados estão mudando e focando na qualidade de seus produtos.

Há até mesmo uma "Bolsa de Valores" do vinho, denominada Liv-Ex (London International Vintners Exchange - Câmbio Internacional de Negociantes de Vinho de Londres), criada em 1999, que monitora as oscilações de preços de vinhos pelo planeta e compõe um índice que serve de referência para os mercadores e consumidores - e que também pode receber apostas especulativas, como um índice de ações normal em Bolsa. Segundo cálculos da Liv-Ex, desde 2001, seu índice "100 index" (que acompanha o preço dos 100 principais vinhos) teve média anual de 16% de retorno de investimento.

Quem define o preço?

A alternância de preços dos fermentados, ao contrário de mercados de ações, não costuma ser muito alta. Ela depende de fatores como as notas de avaliação de especialistas, especialmente Robert Parker. Se o norte-americano aumenta ou diminui um ponto, o impacto é bastante grande no valor de mercado de um vinho. Parker, aliás, percorre toda a região de Bordeaux para provar os vinhos em barrica, pontuando-os ano a ano, acompanhando sua evolução (vide Box sobre degustação de vinhos em barrica).

Fora isso, o fator raridade também influencia, ou seja, quanto mais o tempo passa, menos garrafas sobram no mundo, pois vão sendo bebidas pelos seus compradores. E, obviamente, deve-se considerar a janela de degustação de um fermentado, que atinge seu ápice em determinado período e, depois disso, sua qualidade teoricamente começa a cair quanto mais o tempo passa.

Para se ter uma ideia do preço que um grande vinho pode alcançar com o decorrer do tempo, uma caixa de Château Latour de 1982, considerada uma das melhores safras de Bordeaux da história, foi vendida en primeur por cerca de R$ 800 e atualmente vale mais de R$ 28 mil. Neste caso, parece não haver dúvida de que é um bom negócio, mas deve-se lembrar que existe um custo de armazenagem e conservação do produto, seja deixando-a sob custódia do Château, do negociante, seja na sua própria adega de casa.

#Q# Lucro ou prazer?

Para os investidores, o segredo é a paciência: esperar grandes vinhos (es-pecialmente os das melhores safras) atingirem o auge e vendê-los. Fora do Brasil há um mercado completamente voltado para isso, com leilões, consultores e até sites especializados. No Brasil, esse sistema ainda está engatinhando, pois são poucas as pessoas que podem comprar grandes vinhos em quantidade, e a maioria dos compradores não busca retorno financeiro, mas o prazer.

"Não compro para investir. Financeiramente, não vale, mas faz sentido para mim, por exemplo, garantir os vinhos do meu filho (nascido em 2005). O objetivo não é fazer dinheiro", afirma Carlos Hitoshi, que cita ainda outro fator importante na hora de comprar en primeur: "ter certeza da origem e de uma boa conservação do produto". Porém, ele diz que vendeu alguns de seus vinhos, mas o negócio aconteceu "por acaso".

"Nunca comprei com intenção de vender. Compro para consumir. Não para deixar de herança para meus filhos", assegura Marcos Alves. Marcelo Moraes garante que procura escolher vinhos que são do seu gosto ao comprar en primeur. "Não faço acompanhamento do custo de oportunidade. Mas, obviamente, sei quanto paguei e quanto custa na prateleira", revela.

Compradores brasileiros raramente compram en primeur pensando em investimento, mas no prazer

"Até hoje não conheço consumidor que compra para revender. Ele fica com o vinho e com a satisfação de ter feito um ótimo negócio", conta Matthieu Péluchon, que complementa: "Isso acho que diferencia o Brasil dos outros países, essa emoção, esse prazer. No Brasil, a gente compra e abre os vinhos. Um grande produtor de Bordeaux me falou que foi à Inglaterra, na casa de um grande cliente, em cuja adega havia os melhores vinhos do mundo, mas, na hora de jantar, ele serviu um Bordeaux de US$ 10. Aqui, a pessoa recebe e abre o vinho. Todo produtor que vem para cá se surpreende pelo fato de o brasileiro abrir grandes vinhos".

Por que comprar?

Comprar vinhos en primeur tem suas vantagens. Primeiramente, garantir a oportunidade de beber bons vinhos no futuro sem ter que se preocupar em correr atrás deles quando estiverem escassos e, possivelmente, com preços inflacionados. Depois, ter certeza da procedência e da boa conservação. "Os vinhos de safras antigas costumam já ter dado a volta ao mundo sem serem abertos. Você não tem como saber se ele foi bem conservado ou não", diz Péluchon.

Por fim, comprar en primeur costuma ser um melhor negócio do que comprar quando os vinhos estão indo ao mercado engarrafados. Obviamente que, por ter oscilações, é bom ficar atento aos indicadores que mostram se determinada safra será valorizada ou não. Do contrário, pode ser que não valha tanto a pena realizar a compra en primeur, mas esperar para adquiri-los engarrafados.

Este ano, as campanhas relativas à safra 2008 (a colheita na Europa é feita no fim do ano e as ofertas de en primeur começam em janeiro do ano seguinte) no Brasil devem começar no segundo semestre, após as importadoras definirem suas estratégias. Sabe-se, porém, que os vinhos en primeur da safra 2008 em Bordeaux devem ter queda de preço em relação ao ano anterior devido à crise mundial. Especula-se que o Mouton Rothschild, por exemplo, teve uma baixa de 50% no preço em relação a 2007.

Seja pela oportunidade de fazer um bom negócio, seja pelo fato de poder garantir um vinho que se tornará raro um dia, comprar en primeur pode ser uma boa opção para quem, seguramente, vai desfrutar de seu investimento, seja vendo o retorno da aplicação, seja liquidando-o da maneira mais tradicional possível - bebendo.