A terceira edição do Encontro Mistral trouxe ao país nomes representativos de praticamente todas as regiões vitivinícolas importantes do planeta.
Marcelo Copello Publicado em 30/06/2006, às 08h21 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h43
Philippe Menguy e Bruno Zaratin |
O Encontro Mistral já havia acontecido no Brasil em 2003 e 2004; em 2006, o evento aconteceu entre os dias 29 e 31 maio, em São Paulo, e nos dias 1 e 2 de junho, no Rio de Janeiro. Nesses cinco dias, as 3200 pessoas que compareceram ao evento puderam levar ao pé da letra a palavra "encontro", degustando preciosidades de 13 países e conversando com quem as elabora.
#R#Enquanto esse fato não chega a ser novidade, um outro aspecto geralmente passa despercebido: o encontro entre os próprios produtores, que torna ainda mais evidente a riqueza de sabores e culturas que só o vinho proporciona. ADEGA então reuniu para uma conversa dois importantes nomes, que representam duas faces bem distintas do mundo das borbulhas. De um lado, o francês Philippe Menguy, diretor da Bollinger, uma das mais prestigiosas casas de Champagne; do outro, o italiano Bruno Zaratin, diretor da Cà del Bosco, premiado produtor de espumantes da velha bota, da região de Franciacorta, no norte do país. Degustamos nesse bate-papo inusitado dois espumantes safrados das duas casas: o Bollinger Grande Année e o Cà del Bosco Brut, ambos da colheita de 1997. Leiam os principais trechos:
O brasileiro está aos poucos descobrindo os espumantes, graças à qualidade do produto nacional. Como vai o mercado mundial para a Bollinger e para a Cà Del Bosco?
Philippe Menguy: A Bollinger exporta cerca de 73% de sua produção, ou mais de 2 milhões de garrafas ao ano. Estamos crescendo 10 a 15% ao ano, graças aos novos mercados, como a China.
Bruno Zaratin: Nosso mercado é crescente, mas nossos números são modestos, produzimos apenas 1,5 milhão de garrafas, no total, entre espumantes, tintos e brancos.
O Sr. Zaratin poderia nos dar alguns dados sobre o seu Franciacorta?
Bruno Zaratin: É elaborado com 68% de Chardonnay, 20% Pinot Bianco e 12% Pinot Nero (ou Pinot Noir). O Chardonnay fica 3 meses em barris novos de carvalho. Permanece sobre suas borras por 39 meses para ganhar cremosidade e tem apenas 3 gramas de açúcar por litro.
Eu pediria então que o Sr. Menguy o comentasse, nos dando a visão de um francês, produtor de champagne, sobre esse espumante italiano.
Philippe Menguy: Essa não é uma tarefa fácil, pois é algo totalmente diferente. O nariz é fino e complexo, o paladar é estruturado, longo e muito fresco. É menos ácido que um champagne, com certeza de uma região de mais sol. Seu equilíbrio é estupendo. Arriscome a dizer que seu potencial de guarda é de mais 5 ou até 10 anos.
O Sr. Zaratin gostaria de acrescentar algo?
Bruno Zaratin: Só acrescentaria a nítida mineralidade, conseqüência das raízes profundas e do solo com grande variedade de composições. Gostaria de lembrar que, se comparados aos champagne, os Franciacorta são novos no mercado, por isso precisamos nos esforçar para conquistar nosso espaço. Somos obcecados pela qualidade, e observamos cada detalhe. Por exemplo, enquanto a maioria das vinícolas testa suas rolhas por amostragem, nós testamos uma a uma, com um scanner a laser, que verifica a superfície de cada rolha. As rolhas com grande porosidade têm maior suscetibilidade a problemas de fungos e são recusadas.
Passemos então ao champagne.
Philippe Menguy: O Bollinger Grande Année 1997 é elaborado com 65% de Pinot Noir e 35% de Chardonnay, 100% fermentado em barris usados (ao menos 5 anos de uso), com 7 gramas de açúcar por litro. Ele só teve seu dégorgement (separação das borras do espumante) em dezembro de 2004, ficando seis anos sobre suas borras, o que lhe dá complexidade e cremosidade.
Agora pediria uma visão italiana, de um produtor de bollicine(nome italiano para os espumantes) sobre esse orgulho francês engarrafado.
Bruno Zaratin: No nariz, o toque de fermentos é muito maior e a Pinot Noir aparece bastante. Nós, se colocarmos mais Pinot Noir no Franciacorta teremos um indesejado um toque amargo, pois a uva Pinot Noir se desenvolve diferente lá. Seu paladar tem mais estrutura e acidez. Apesar de 7 gramas de açúcar, o resultado final é mais seco, graças à imensa acidez. Estou impressionado com sua profundidade e complexidade. Ao que parece, esse 1997 pode ser guardado ao menos mais 10 anos.
O Sr. Menguy gostaria de acrescentar algo?
Philippe Menguy: 1997 foi um ano quente; esse é um champagne mais maduro e concentrado. Optamos por barris velhos para dar aos vinhos, não aromas de carvalho, mas a micro-oxigenação e conseqüente potencial de guarda. Todos os nossos vinhos topo de gama podem envelhecer 10, 20 ou até 30 anos. No Grande Anée, as uvas são 100% de vinhedos próprios, todos classificados como première cru.
Como esses são espumantes eminentemente gastronômicos, peço que cada um recomende um prato para seu vinho.
Bruno Zaratin: Para o Cà Del Bosco, sugiro frutos do mar fritos. A acidez do vinho se contraporia ao óleo da fritura e sua untuosidade casaria com paladar marinho do prato.
Philippe Menguy: Recentemente experimentei esse Bollinger com um prato de cordeiro de carne rosada, mal passada com um molho leve, da própria carne, ficou espetacular. Mas é bom lembrar que não é qualquer espumante que se casa bem com um prato estruturado como um cordeiro, para tal é preciso um grande champagne, de preferência um Bollinger!