Ao focar na Touriga Nacional, Portugal pode estar dando um passo na direção do sucesso comercial, mas também pode acabar com algumas de suas maiores riquezas
Christian Burgos Publicado em 08/11/2010, às 13h58 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47
Em julho, tive a oportunidade de ir a Portugal para visitar a CVR Lisboa. Em, breve partirei para mais uma viagem, desta vez para a CVR do Alentejo. Neste ano, nossa equipe, com Luiz Gastão Bolonhez, visitou o Alentejo e o Douro, e, com Eduardo Milan, andou pela CVR Vinhos Verdes. Por que ir tanto a Portugal? Tendo a racionalizar que é devido à participação do vinho português no mercado brasileiro, mas, intimamente, devo dizer que a amizade que une brasileiros e produtores portugueses é mais importante do que isso.
Como é de costume, por trabalho e por prazer, na volta das viagens nos reunimos (e regado aos vinhos que trazemos) compartilhamos ideias e impressões com outros membros de nosso time. Na última passagem por terras lusitanas, tive a oportunidade de conversar com a direção da ViniPortugal e conhecer a nova estratégia de comunicação da entidade: associar a imagem de Portugal à casta Touriga Nacional.
"Nada temos contra a corrente, só não queremos seguir com ela, Carlos Campolargo, produtor de vinhos na Bairrada"
Modelo Malbec / Argentina?
Na reunião em que se debatia isso, um alarme interno soou. Como se daria isso? Mimetizando o sucesso do modelo Malbec e Argentina (que por minha conta expando para o modelo Shiraz e Austrália). Independentemente da qualidade das castas ícone de cada país, Portugal tem a seu favor o fato de a Touriga Nacional ser uma uva autóctone. Muito embora isso não seja garantia de exclusividade, pois a Touriga Nacional vem se disseminando em outros países, com destaque para Austrália, e com presença inclusive no Brasil. Sendo assim, será que numa onda mundial de Touriga Nacional, Portugal seria o principal beneficiário?
Poucos sabem que o início da recente revolução vitivinícola portuguesa se deu de maneira muito profissional, com a contratação de um estudo pelo guru de marketing, Michael Porter, a fim de analisar a situação e sugerir rumos para o vinho português. Conhecido como Plano Porter, e avaliando a história recente de Portugal no mundo do vinho, devo considerar a implementação do plano um sucesso (embora muitos portugueses questionem essa opinião). O que ninguém questiona é a necessidade de um novo plano, dessa vez elaborado por mãos portuguesas.
#Q#Após novo plano garantia de sucesso?
O problema é que, da maneira como percebo, Portugal pode estar adotando um caminho de sucesso imediato, mas com prováveis resultados negativos no longo prazo. É fato que Portugal deva perseguir o aumento de seu espaço no mercado mundial de vinhos e que, ao ter de escolher um casta para promover, a espetacular Touriga Nacional seja uma decisão inquestionável.
O questionamento é: escolher uma única casta e associá-la a imagem país é o caminho correto? Acho que não. Acredito que, com o sucesso dessa ação de marketing, os vinhos de Touriga Nacional rapidamente se tornarão best sellers. Mas temo que isso fará com que a demanda pela uva aumente, e que produtores passem a preterir outras cepas autóctones, ou, no extremo, substituí-las pela Touriga Nacional, levando algumas castas à extinção.
Uma moda varietal de Touriga Nacional pode
diminuir o histórico peso dos cortes
Em sua história vitivinícola, Portugal veio descobrindo outras variedades que se adaptaram com galhardia a terroirs particulares, como a Baga na Bairrada, e a Alicante Bouschet no Alentejo, só para citar duas. Uma guinada rumo à Touriga Nacional levaria a uma diminuição da qualidade média da Touriga Nacional, tanto por pressão por quantidade, quanto pelo estímulo ao cultivo da Touriga em terroirs que se mostraram perfeitos para outras uvas. Além disso, uma moda varietal poderá diminuir o histórico peso dos cortes nos vinhos portugueses e também dos consagrados vinhos de vinhas velhas em detrimento aos varietais de Touriga Nacional.
Todos de acordo?
Desde minha volta de Portugal, tivemos dezenas de conversas com produtores portugueses e nenhum respondeu estar de acordo com esse plano de ação. Mas, mesmo assim, sua implementação parece iminente. Um desses produtores me disse acreditar que a grande degustação de dezembro em Portugal, reunindo especialistas do mundo todo, será o palco para uma espécie de lançamento consagrado da campanha, visto que esses especialistas degustarão e certamente se maravilharão com a Touriga Nacional.
Todo país gostaria de, como a França e a Itália, ter uma imagem tão identifi cada ao vinho, que a participação de seus vinhos no mercado mundial fosse muitas vezes automática. E, para mim, justamente de uma adaptação da linha italiana viria o modelo para Portugal no longo prazo. Pois a Itália é o único país do mundo que rivaliza com Portugal no que tange a castas autóctones com qualidade para produzir vinhos de grande qualidade. Gostaria de estar errado nesses prognósticos negativos, mas, como tudo no mundo do vinho, precisaremos de alguns anos para descobrir.