Fatores como o preço do terroir e a oferta no mercado influenciam o valor da garrafa e ajudam a compor o mito de alguns rótulos
Sérgio Inglez De Sousa Publicado em 18/10/2007, às 12h44 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44
Não raramente encontramos pessoas que depois de algumas leituras sobre vinho tornam-se professores sem grande consistência e, em suas aulas, não se cansam de enaltecer a qualidade dos inatingíveis “Château Pétrus”, o melhor bordalês do Pomerol, “Romanée Conti”, o mais mitológico da Borgonha, ou “Cheval Blanc”, a maior expressão de St Emilion. Eles são indiscutíveis néctares da enologia mundial.
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O principiante, ainda resumido às limitações da sua escassez de conhecimentos, passa a seguir cegamente esses preconceitos do mestre, ilusoriamente um conhecedor das instâncias superiores do mundo do vinho.
É certo que estes vinhos, por mais caros que sejam, quando colocados em degustação às cegas nem sempre arrebatam os primeiros lugares, embora isso não represente qualquer desmerecimento. Para o deleite de um apreciador consciente de vinhos, a qualidade está na taça, no momento e na companhia, descartando rótulos e indicações retumbantes. Aí sim repousa a realidade do vinho.
Para comprovar esta tese está a famosa “Cata de Berlin”, realizada na Alemanha em janeiro de 2004, degustação às cegas de vinhos de grande qualidade das vinícolas chilenas Caliterra, Seña e Chadwick, de Premiers Grand Crus Classés, de Bordeaux, e de supertoscanos.
O painel, baseado na opinião de degustadores de alta qualificação, tornou- se um marco internacional pelo choque que causou com seus resultados, abalando as verdades indiscutíveis do mundo do vinho, acostumado a ouvir a repetição automática de frases de adoração para os intocáveis primeiros vinhos do mundo.
O valor de um vinhedo influência o preço - e o mito - de alguns rótulos |
Foram 40 jornalistas europeus especializados que, em evento coordenado pelo empresário chileno Eduardo Chadwick e pelo respeitado Steven Spurrier, conselheiro editorial da revista inglesa Decanter, colocaram o vinho “Chadwick 2000” em primeiro lugar e o “Seña 2001” em segundo lugar. Os demais vinhos seguiram-se alternadamente.
Este modelo de degustação foi repetido em São Paulo, em novembro de 2005, com 40 degustadores de renome nacional, também sob a coordenação de Steven Spurrier e Eduardo Chadwick, chegando à seguinte classificação:
1) Margaux – Bordeaux – França (R$ 1.200,00)
2) Château Latour 2001 – Pauillac – Bordeaux – França (R$ 2.000,00)
3) Viñedo Chadwick 2000 – Chile (R$ 430,00)
4) Guado ao Tasso Bolgheri DOC Superiore 2000 – Toscana – Itália (R$ 400,00)
5) Seña 2001 – Chile (R$ 350,00)
6) Seña 2000 – Chile (R$ 330,00)
7) Don Maximiano 2001 – Chile (R$ 250,00)
8) Viñedo Chadwick 2001 – Chile (R$ 450,00)
9) Château Lafite-Rothschild 2000 – Pauillac – Bordeaux – França (R$ 2.900,00)
10) Sassicaia Bolgheri DOC 2000 – Toscana – Itália (R$ 680,00)
Este quadro de resultados não decreta definitivamente o melhor vinho do grupo, mas aponta, com a clareza da análise de 40 experts, a aprovação maior ou menor de cada amostra naquela ocasião.
A explicação para esta hierarquização, resultante de um episódio específico, vem do jogo entre o mito e a realidade.
O valor de um vinho consiste em uma série de fatores de distintas naturezas. Como verdade definitiva, todos esses bons vinhos demonstram uma indiscutível alta qualidade. A determinação de seus preços é baseada, normalmente, em elementos alheios ao valor do produto em si.
A diferença entre eles está – além dos detalhes de um processo mais ou menos artesanal de elaboração – no valor da propriedade onde se encontram implantados e na exigüidade de oferta. O metro quadrado da reduzida área dos vinhedos do “Romanée Conti” (menos de 20 mil metros quadrados) o torna o mais caro vinhedo do mundo! Quem compra o vinho tem que pagar também por isso. Estes fatores fazem do Romanée Conti um mito, enquanto sua indiscutível alta qualidade representa a realidade.
Vinhos como o americano “Hillside Select Shafer Cabernet Sauvignon”, os chilenos “Alma Viva” e “Don Melchor”, os italianos “Barolo Percristina” e o “Brunello di Montalcino Col D’Orcia”, os australianos “Yalumba The Reserve Cabernet Sauvignon/Shiraz” e o “Petaluma Coonawara Cabernet Sauvignon/ Merlot” somam-se à galeria da realidade dos vinhos de alta qualidade e mesclam-se no rol dos valores maiores ou menores de acordo com a intensidade do fator mito de cada um.