Com técnicas modernas, o restaurante Eñe apresenta a releitura de clássicos e ousadias gastronômicas
Fábio Farah Publicado em 25/06/2007, às 10h28 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44
O chef brasileiro Flávio Miyamura e o sommelier Danny Obregon, como anfitriões da casa, receberam ADEGA para um banquete.
Foie Gras: receita medieval |
“Tartar de Ostra em sua Pérola Vermelha”: o nome pretensioso da primeira entrada esconde uma criação simples. Dois tomates-cereja sem pele são apresentados sobre conchas, recheados com tartar de ostra temperado com sal, pimenta e limão. A crocância do tomate encobre a textura da ostra e o sabor de mar inunda a doçura do tomate, em um interessante jogo de sensações gustativas que surpreende. O frescor agradável da criação é intensificado pela cava “Juvé i Camps Reserva Vintage Brut 2003”, sugerida por Danny. O casamento aguça o paladar para impressões mais intensas.
É o que ocorre na entrada seguinte: “Terrine de Foie Gras com Mini Salada de Rúcula”. Ela parece uma intrusa francesa em um menu-degustação com sotaque espanhol. O chef Flávio esclarece: “Esse prato foi resgatado do Grande Livro da Cozinha Catalã. É a mais antiga coletânea de receitas da região”. Apesar de medieval, a preparação do prato segue técnicas contemporâneas desenvolvidas pelos espanhóis.
“Jarret de Vitela com Cogumelos” |
O Foie Gras, em terrine apenas no nome, marina por uma hora em sal, curry, cravo e canela. Depois, é cozido em vinho tinto até que seu meio atinja 45ºC. O cozimento a baixa temperatura, acompanhado por um termômetro, é o segredo de sua preparação. Apesar de estar cozido, a textura do Foie Gras possui a mesma cremosidade de seu estado cru. O sabor de especiarias é marcante e, junto com o adocicado do Foie e do vinho, contrasta com o amargor e o frescor da rúcula. A escolha para harmonizar com essa receita medieval, relida pelo Eñe, foi o Tokaji “Chateau Megyer 2000”. O sommelier levou em consideração os sabores e as texturas do prato. E se saiu muito bem.
O primeiro prato principal insinua o casamento entre a culinária espanhola e os elementos brasileiros que fascinaram os irmãos Martinez: “Corvina com Purê de Mandioquinha”. “Como primamos pelo frescor da matéria-prima, não importamos peixes da Espanha”, justifica o chef. O escolhido foi a corvina, uma espécie nacional que, quando grelhada, apresenta-se firme e suculenta.
“Flan de Café com Banana Crocante” |
No caso do Eñe, ela está com o centro ligeiramente cru – o ponto considerado ideal – e acompanhada por um purê de mandioquinha (outro elemento nacional que encanta chefs estrangeiros), com a textura um pouco mais espessa do que os purês convencionais. É um prato simples para ressaltar o sabor da corvina e a simplicidade da mandioquinha. A harmonização, ousada, deixou de lado a dupla clássica: peixe com vinho branco. Foi indicado o “Pago de Santa Cruz 2001”, vinho de corpo médio, com taninos delicados no fim de boca. Não é a combinação que eu escolheria, mas não decepcionou.
Apreciei a seqüência. Além de preparado, meu paladar ansiava por um prato mais encorpado. E se satisfez com o “Jarret de Vitela com Mix de Cogumelos”. O prato expõe o cuidado com a matéria-prima (representada pelo Jarret), essencial para uma cozinha de qualidade. “Eles são super pequenos para a carne ficar a mais tenra possível”, diz o chef. Após selada com sal e pimenta, a carne é colocada em um saco a vácuo com manteiga, tomilho e caldo de carne, e cozida a baixa temperatura (60 a 80ºC), em um forno a vapor, durante seis horas. O Jarret chega à mesa inteiro, e, ao ser servido, quase desmancha no prato, mostrando uma cocção impecável. Ela é guarnecida por um mix de cogumelos que imprime um interessante sabor terroso à composição. Os sabores se deram bem com o “Alion 2002”.
Antes da sobremesa principal, o chef apresentou um “Flan de Café com Banana Crocante” para limpar o paladar. E o fez com personalidade. As lascas de café sobre o flan, suave, imprimem-lhe textura e realçam a intensidade do café. A banana, com sua deliciosa crocância, é um espetáculo à parte. Eu poderia ter encerrado muito bem a refeição com o “Alvear – Pedro Ximénez 2004”, escolhido pelo sommelier para harmonizar com a sobremesa. Mas uma seqüência gastronômica espanhola ficaria incompleta sem o tradicional “Creme Catalão”. A versão do Eñe tem a textura mais macia do que os originais – “quase como um chantilly”, nas palavras do chef –, além de um delicioso toque de açúcar mascavo, com suas notas de mel e terra. Uma dose do licor digestivo Patxaran, da região basca, coroou o banquete.
Cozinha
Harmonização
Entrada: R$ 8 a R$ 54
Prato Principal: R$ 26 a R$ 65
Sobremesa: R$ 10 a R$ 12
Vinho/taça: R$ 15 a R$ 38
Vinho/garrafa: R$ 53 a R$ 1680
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