Château Margaux celebrou 200 anos com nova adega e grandes vinhos
Por Steven Spurrier Publicado em 13/09/2015, às 00h00 - Atualizado em 10/02/2021, às 15h48
Château Margaux, um dos mais clássicos de Bordeaux
Em uma esplendorosa manhã de domingo, no dia 14 de junho – segundo dia da Vinexpo em Bordeaux –, 480 convidados, incluindo 275 jornalistas de 37 países foram recebidos no Château Margaux pela proprietária Corinne Mentzelopoulos e sua família para um tour pela nova adega e instalações da vinícola criadas pelo arquiteto internacionalmente famoso, Lord Norman Foster, para celebrar o aniversário de 200 anos do Château, certamente uma das residências privadas mais impressionantes e memoráveis de Bordeaux.
Cerca de 90% dos atuais 78 hectares de vinhedos correspondem aos mesmos da classificação de 1855, algo raro em Bordeaux
O co-anfitrião foi Philippe Casteja, presidente do Conselho dos Grands Crus Classés, 160 anos depois de a renomada classificação ter sido criada em 1855. Apesar de ter havido muitas e muitas mudanças de donos e vinhedos das 88 propriedades classificadas no Médoc e Sauternes durante esse período, houve apenas uma única mudança no ranking estabelecido, com o Mouton-Rothschild subindo de Second para Premier Cru em 1973. A classificação de 1855 foi estabelecida por ordem do imperador Napoleão III, que desejava apresentar os melhores produtores do império francês na Exposição Universal de Paris naquele ano. Cento e 60 anos é um longo tempo na história da produção do vinho e a região de Bordeaux sofreu com diferentes guerras, pragas, calamidades climáticas e econômicas que ameaçaram a sua sobrevivência, mas hoje a qualidade produzida pelos Crus Classés é melhor do que nunca, com Margaux, juntamente com outros três Premier Crus de Médoc, liderando o pacote inquestionavelmente.
Os vinhedos do Château Margaux datam de meados do século XVII sob tutela da família d’Auledes e, no começo dos anos 1700, os vinhos já eram dos mais procurados do Médoc. A famosa família Fumel manteve esse reputação até que o Château foi confiscado durante a Revolução Francesa, sendo comprado em 1802 pelo Marquês Douat de Colonilla. Foi o marquês que incumbiu o arquiteto Louis Combes de construir o impressionante e elegante castelo de influência palladiana (da escola do arquiteto italiano Andrea Palladio), que foi concebido para ser uma peça central aristocrática cercada pelo vilarejo agrícola devotado à produção do vinho.
A construção começou em 1811 e foi terminada em 1815. O Château parece atemporal e a visão de Louis Combes, apesar da passagem do tempo, ainda estava em seu lugar quando Lord Foster foi convidado a construir o novo “chai” em 2011. Como ele explicou em seu discurso sugestivo e modesto na abertura, sua ideia original era criar algo novo – alguns podem pensar nos trabalhos de Frank Gehry em Marques de Riscal ou Christian de Portzamparc no Cheval Blanc –, mas, quanto mais ele visitava a propriedade e olhava os registros históricos, mais era atraído de volta para 200 anos atrás.
Novo "chai" de Margaux foi idealizado por Lord Norman Foster, com o telhado de dossel apoiado por elegantes colunas em forma de árvores
O resultado é uma harmonia total (um elemento chave em um grande vinho) com o passado. A nova construção estende o vilarejo agrícola – ela não compete com o castelo, que permanece como “protagonista” de Margaux. Mas diferentemente dos prédios históricos, o telhado de dossel é apoiado por elegantes colunas em forma de árvores, que tocam o chão levemente, puxando o olhar para cima através das vigas para o céu. Olhando para baixo, somente assim é possível perceber que o interior é moderno.
Tal concepção atemporal contradiz os caprichos que o Château Margaux sofreu desde que Louis Combes o completou 200 anos atrás. A propriedade mudou de mãos frequentemente no século XIX, com a qualidade do vinho permanecendo alta, epitomada pela famosa safra de 1900, quando a propriedade estava sob comando da família de banqueiros parisienses Pillet-Will. Nos anos 1920, ela foi adquirida por um consórcio, cujo membro mais importante foi a família Ginestet que, em 1949, tornou-se o principal acionista. A década de 1950 viu três safras serem rebaixadas – 1954, 1956 e 1958 – e, com catástrofes similares em 1963 e 1965, os Ginestet decidiram vender um Margaux não safrado, que não foi um sucesso.
As grandes esperanças no mercado norte-americano depois da excelente safra 1970 e da boa 1971 (como a reação do mercado chinês às safras 2009 e 2010) foram frustradas por um 1972 chuvoso e uma recessão de 1973 a 1975. Foram anos complicados para Bordeaux e os Ginestet – que também eram donos de uma importante empresa “négociant” – foram forçados a vender o Château. Houve pouco interesse. Toda a propriedade e estoque foi finalmente vendido para o empreendedor grego Andre Mentzelopoulos pelo que agora parece um preço ridiculamente baixo de 72 milhões de francos em 1977 (cerca de US$ 57 milhões em valores corrigidos hoje).
Corinne Mentzelopoulos lembra: “Meu pai foi ver Pierre Ginestet e almoçou no Château, que tinha ficado desocupado por três anos. Depois do almoço, eles apertaram as mãos pelo negócio e foi isso. Ele simplesmente se apaixonou pelo lugar e começou a investir dinheiro de uma hora para outra, antes do boom dos anos 1980.
Ele trouxe Emile Peynaud e, da época das grandes safras de 1982 em diante, tanto o vinho quanto o Château foram restaurados” (citação do livro “The Complete Bordeaux”, de Stephen Brook).
Andre Mentzelopoulos morreu em 1980 e sua viúva Laure e a jovem Corinne assumiram. Preciso fazer um adendo neste ponto. Pouco depois, Corinne fez um curso de vinhos com Michel Bettane em minha escola em Paris, L’Academie du Vin – isso é algo que ela ainda costuma mencionar. Em 1982, a adega com temperatura controlada foi construída para as barricas de segundo uso e, no ano seguinte, o jovem graduando de Montpellier, Paul Pontallier, foi contratado como diretor, posição que mantém até hoje.
As melhores safras do Châteaux Margaux(de 1982 até 2013) |
|
Cinco estrelas Quatro estrelas |
Três estrelas Duas estrelas Outras safras clássicas: |
Pontallier diz: “A qualidade e originalidade de nossos vinhos ainda estão relacionados ao nosso terroir especial e nosso trabalho é mostrar sua melhor expressão possível. Tenho dito que enologia é a parte fácil de Margaux, mas não quero soar complacente, por isso temos nossa própria equipe de pesquisa e estamos constantemente buscando novas técnicas para fazer melhor”. Qualquer um que tenha degustado as safras recentes e “emagrecidas” do Pavillon Blanc comparadas aos vinhos exagerados de 2009 e 2010, vai perceber a verdade nessa afirmação.
Raro para um Cru Classé de Médoc, cerca de 90% dos atuais 78 hectares de vinhedos correspondem aos mesmos da classificação de 1855. Três quartos do vinhedo é de solo profundo em cascalho e argila grossa, o que é ideal para o Cabernet Sauvignon. O mesmo vale, obviamente, para os solos de Latour, Lafite e Mouton-Rothschild, o que faz a comparação desses quatro Premier Crus “en primeur” tão fascinante. Não acho que alguém possa (e certamente não deve) confundir cada um dos três grandes Pauillac e, assim que se considera a estrutura e a finesse, não há erros quanto a Margaux.
De 1982 até 2013, Margaux teve oito safras consideradas excepcionais
O jantar – não foi o único que Corinne Mentzelopoulos deu naquela semana, mas foi o primeiro e mais prestigiado – foi precedido (como todos os jantares dos Grand Crus Classés de 1855 são) de uma degustação de Premier e Second Crus de Sauternes de safras recentes. Comecei com dois pares de Barsac: um Doiusy-Vedrines 2009 de textura rica e um Doisy-Daene 2005 mais leve, tipicamente elegante – ambos Second Crus. Então dois soberbos Premier Crus: um Climens 2008 lindamente estruturado e um Coutet 2007 bem exótico e de cor âmbar. Em seguida, meus três Sauternes Premier Cru favoritos: um Rayne-Vigneau 2009, impressionante e ainda muito jovem, e dois esplêndidos 2005, Rieussec e La Tour Blanche, ambos maravilhosos agora e pelas próximas duas décadas.
Os aperitivos foram servidos em frente ao Château e, para o jantar, as portas foram abertas e os hóspedes caminharam para uma sala de jantar externa extremamente elegante e de proporções magnificas, com uma atmosfera de “fête champêtre” de proporções aristocráticas.
O menu – sopa de alcachofras na trufa, brioche trufado, galinha d’Angola com cogumelos, queijos, Vacherin com frutas exóticas – foi concebido e preparado pelo famoso chef três estrelas parisiense Guy Savoy. Junto com os dois primeiros pratos, vinhos da classificação de 1855 foram servidos aleatoriamente nas mesas – o rótulo dependendo de quem fosse o anfitrião de cada mesa. Tive a sorte de estar na mesa com Martin e Melissa Bouygues, proprietários do Château Montrose, e Frederic Engerer, do Château Latour, então fomos servidos com esses dois vinhos das safras 2006 e 1995.
O ano de 2006 é uma safra clássica no Médoc, um pouco subestimada devido a 2005, mas ainda assim clássica. Ambos os vinhos mostraram seu pedigree perfeitamente. O Latour estava mais suave do que eu esperava e o Montrose, a primeira safra de Martin Bouygues, ainda firme, com grande futuro. Os 1995 estavam soberbos, com o Montrose bem fino e equilibrado e o Latour extraordinariamente fresco e perfumado. Ambos devem ir para adegas de colecionadores.
Apesar de ser difícil de ficar melhor do que isso, o Margaux 1985 servido em magnum conseguiu. Minha resenha: “buquê extraordinário com elegância pura, riqueza incrível e classe, além de estar cheio de juventude aos 30 anos. Um vinho realmente grande, uma epítome de Margaux”. Poucos discordaram que esse foi o vinho da semana. A refeição terminou com a pompa do Château d’Yquem 1988, âmbar, cheio de energia e riqueza espantosamente controlada.
Os hóspedes permaneceram por lá muito após o jantar ter terminado. Há dois anos, no Mouton-Rothschild, houve uma queima de fogos, mas não aqui: essa noite no Château Margaux ficou gravada para sempre em nossas memórias.