Os que romperam com o passado
Redação Publicado em 29/05/2008, às 06h25 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45
A influência italiana em Medoza começou com a chegada de Cesar Cipoletti |
Além das questões geográficas e de terroir, dois fatos históricos ocorridos há cem anos encarregaram-se de definir a província de Mendoza como a região vinícola por excelência na Argentina. Dois desses fatos envolveram a Itália.
Influência italiana
O primeiro foi a contratação do engenheiro italiano Cesar Cipoletti para desenvolver o sistema de irrigação dos solos mendocinos – até então estéreis e secos – a partir das águas do degelo dos Andes. O Dique Cipoletti, no município de Luján de Cuyo, testemunha a ação do engenheiro, imortalizado por uma estátua no local, ao lado de seu teodolito.
O segundo foi a chegada massiva de imigrantes italianos a Buenos Aires, muitos deles conhecedores de vinhas e vinhos. O governo de Mendoza chegou a pagar um Peso aos agentes de colocação por cada imigrante que se fixasse na província. O resultado foi uma superprodução escandalosa: em 1914, sem um consumo correspondente, vinte milhões de litros tiveram de ser jogados fora para ajustar estoques.
Qualidade limitada
A partir dessa lição, a relação produção/ consumo/estoques normalizouse razoavelmente, com altos e baixos, segundo as crises políticas repetidas no país. Durante os sessenta anos que se seguiram, o consumo de vinho elevou consistentemente, levando os argentinos a se tornarem, em meados do século vinte, o quarto maior consumidor per capita de vinhos do mundo e o quinto maior produtor.
Não entrava em consideração a questão qualidade e a exportação era pequena.
Os produtores argentinos voltavamse para o gigantesco mercado interno e para consumidores pouco exigentes, dados inclusive ao costume de adicionar água ao vinho.
A história mudou nos anos 80 com a significativa redução do consumo interno, a necessidade de moeda forte e, conseqüentemente, de exportar – enfrentando uma concorrência externa acirrada, ávida por qualidade.
Um caso exemplar
Um caso de caráter individual ilustra a mudança. Se você dialoga com um mendocino que passou dos cinqüenta, há de saber das incertezas que cercam a biografia de Hector Greco (1928 – 1988), empresário portenho radicado em Mendoza.
Dedicado ao imenso mercado argentino de vinhos populares, ele movimentou uma dinheirama que soube multiplicar em tempos inflacionários: assumia dívidas que devolvia desvalorizadas para armazenar a bebida que revendia valorizada. Rico e influente, foi proprietário de jornal e dono de um banco que acabou falindo quando suas próprias empresas eram devedoras da instituição. Com a vigência do regime militar, passou a ser vigiado e investigado, acabando preso por mais de um ano.
A ruptura aconteceu em 1988 com investimentos locais e externos |
Quando de sua morte em acidente de carro, aos 60 anos, estava tão encrencado em processos legais que seus familiares pouco herdariam da fortuna que conseguira amealhar. Seu desaparecimento simboliza o fim da era dos vinhos argentinos medíocres, em grandes volumes, para o consumo interno, denominada “era Greco”.
De 1988 em diante viria a ruptura com o passado. A vitivinicultura mendocina passaria a receber os investimentos, locais e externos, em melhoria que a colocariam no lugar de destaque que agora ocupa no mercado internacional de vinhos de qualidade.
No campo, procurou-se a diminuição do rendimento dos vinhedos. A casta Malbec, que encontra em Mendoza o seu habitat ideal, ultrapassou em quantidade e qualidade a Bonarda, até então absoluta devido a alta produtividade. Investe-se em irrigação por gotejamento e proteção antigranizo. Novas cantinas são construídas dentro dos procedimentos mais modernos com uso de cubas de inox com cintas de refrigeração.
Novos tempos
Enólogos e vinicultores argentinos como Nicolás Catena (bodega Catena Zapata), Santiago Achával (bodega Achával Ferrer), Susana Balbo (Domínio del Plata), Roberto de la Motta, entre outros, apresentam produtos surpreendentes e passam a receber avaliações positivas e prêmios internacionais.
Juntam-se a eles estrangeiros como Michel Rolland (Clos de los Siete), Michael Halstrick (Norton), Jeffrey Stambor (Navarro Correas), Alberto Antonini (Nieto Senetiner), Jacques Lurton (Lurton), Juan Carlos Jara (Bodegas Séptima) e assim por diante, compondo uma longa lista.
É assim que, já em 1995, a Wine Spectator incluía o Catena Cabernet Sauvignon 1993 entre os cem melhores vinhos do mundo. Em 2004, o Malbec Finca Altamira, da Achável Ferrer, recebe 92 pontos dessa influente revista americana.
Nações amigas
Algumas das antigas propriedades que conseguem sobreviver aos novos tempos – Weinert, Lagarde, La Rural, Trapiche, Bianchi, entre muitas outras – se modernizam no campo e na cantina. E com os investimentos estrangeiros, a Mendoza contemporânea é uma verdadeira organização de nações amigas: Áustria na Norton, Portugal na Finca Flichman, França na Terrazas e em várias outras, Espanha na Séptima, Itália na Achaval Ferrer, os EUA na Peñaflor, a Grécia na Krontiras e assim por diante, além dos países vizinhos, o Chile na Trivento e o Brasil na Finca Don Otaviano.
Uma ruptura com o passado e um salto formidável em menos de vinte anos.