Casamento que começou na década de 1990 entre Mistral e Viña Montes rompe de forma amistosa
Christian Burgos Publicado em 26/08/2022, às 10h40
O rompimento de Mistral com Viña Montes será mais comentada hoje do que a degustação de qualquer vinho chileno.
Notícias como estas, por pegarem o mercado de surpresa, parecem ter sido tomadas de forma intempestiva, mas nada mais longe da verdade.
O fato é que o relacionamento da Mistral com Montes começou no início dos anos 90, inusitadamente em uma feira de vinhos em Bordeaux, e desenvolveu-se em uma relação muito próxima, sobretudo com o finado Douglas Murray (quem teve a oportunidade de conhecê-lo não se esquece).
Douglas foi o responsável pelos anjos que permeiam a Viña Montes e seus rótulos, e que ele acreditava protegeriam a vinícola durante toda sua vida.
Além de Douglas, nos acostumamos a ver a alegre Sonia Montanares apresentando os vinhos no Brasil. Sônia cuidou muito bem do Brasil e sempre teve orgulho em nos lembrar que foi a segunda funcionária contratada pela vinícola.
Como costumo dizer, o negócio do vinho é um negócio entre pessoas e não entre empresas.
A ligação entre importadores e vinícolas se torna tão intrinsecamente conectada que uma notícia como esta parece mais o fim de um casamento. Quando essa conexão esgarça o sinal amarelo aparece.
Ciro Lilla nos contou que em um momento pararam de ser consultados e ouvidos e isso atingiu o auge quando Montes lançou um vinho na Place de Bordeaux e ele soube por terceiros.
O tubo de pasta de dentes dessa história se deu quando no fim do ano passado Montes informou a Mistral que iria descontinuar a sua linha Reserva.
O sonho de toda vinícola é crescer suas vendas em quantidade, ao mesmo tempo que vende vinhos cada vez mais caros. Uso a palavra sonho ao invés de estratégia porque qualquer estudante de economia, marketing e administração sabe que isso é uma equação não natural.
Normalmente os vinhos de base ajudam a entrada dos vinhos premium nos pontos de venda, e dão massa crítica para a operação logística e financeira.
A visão da Mistral é de que isto abalaria o equilíbrio do portfólio dos vinhos Montes no Brasil, e quem conhece o Dr. Ciro Lilla sabe que ele, além de saber muito de vinho, é um grande estrategista.
Presumo que ele percebeu a crônica de uma morte anunciada que estava sendo escrita:
Melhor que viver uma novela cujo desfecho está escrito é reorganizar seus recursos para batalhas com maior retorno (e mais prazerosas, afinal trabalhamos com vinho).
A família Lilla, elegantemente comunicou sua decisão a Montes há pouco mais de uma semana e nesta semana uma última reunião foi realizada no Brasil.
Durante nossa conversa Ciro Lilla foi pontuando “quando numa relação o parceiro não ouve, não valoriza, só reclama e acha que nada está bom, é hora de terminar. Eu não quero trabalhar assim. Nossas relações com nossos produtores são sempre muito positivas e próximas.”
Otávio Lilla nos mostrou os números do estoque de Montes na Mistral, e percebemos que permitem uma transição com calma, sem desabastecimento do mercado.
Ao mesmo tempo Los Vascos vem do portifólio da Vinci para a Mistral, e uma marca de renome que saiu para experimentar outro relacionamento deve “voltar para casa”.
As lições deste case:
- Preços mais altos e maiores vendas não são diretamente proporcionais (a menos que o crescimento de qualidade seja proporcionalmente muito maior do que o aumento de preços).
- Muitas vezes uma situação é mantida por aparência e “medo do que vão pensar”. Dói, mas às vezes, o melhor para todos é puxar o band-aid...