Monte rosa

Antes considerada área inóspita, Château Montrose se tornou uma das maiores referências do vinho de Saint-Estèphe

Arnaldo Grizzo Publicado em 02/12/2010, às 17h05 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47

Quem passa por esta região de Saint-Estèphe até encontra algumas rosas (que são comuns nos vinhedos do mundo todo), mas certamente não é por isso que o lugar possui o nome de Montrose (mont rose - monte rosa). Diz-se que a colina - conhecida como "Lande d'Escargeon", uma terra arenosa e repleta de pedregulhos, cuja vegetação era de pequenos arbustos selvagens - ganhava uma coloração levemente magenta e os marinheiros que passavam pelo rio Gironde a chamavam de "mont rose".
Durante séculos, aquele lugar era uma terra quase inóspita. Ao contrário dos grandes Châteaux de Bordeaux, que possuem histórias longínquas (que se perdem no tempo) em termos de viticultura, Montrose não. Até o começo do século XIX, não havia nada plantado lá. Nada mais além da charneca, planta extremamente resistente, aguentava o clima e a pobreza do solo local. Porém, o dito "príncipe dos vinhos", Nicolas Alexandre Ségur - que na época controlava simplesmente os Châteaux Lafite, Latour, Mouton (Rothschild) e Calon-Ségur -, acreditava nesta região, que fazia parte de seus domínios em Calon. Mas seus esforços estavam concentrados nos seus já consagrados Châteaux, sempre presentes na corte de Luís XVI.

Em 1778, a propriedade foi então vendida para Etienne Théodore Dumoulin. Assim como Ségur, ele também não investiu no potencial desta terra árida para plantar vinhedos, mas seu filho, que herdou o mesmo nome do pai, percebeu que esse pedaço de chão repleto de areia, cascalho e uma vegetação resistente era, na verdade, um terreno espetacular para o cultivo de vinhas. Dumoulin pai morreu em 1808 e o filho só assumiu controle total da propriedade em setembro de 1812, quando conseguiu comprar as partes de seu irmão e irmã. Em 1820, ele construiu o pequeno Château e áreas para manejo do vinho.

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Etienne Dumoulin foi o primeiro a investir seriamente na propriedade, já no começo século XIX, percebendo o grande potencial que a região, até então inóspita, tinha para o cultivo da vinha e produção de vinho

Sucesso e mudança de nome
Cinco anos depois, já com repentino sucesso, Dumoulin adotou o nome Montrose para a região, no lugar de Escargeon. Apesar disso, seu vinhedo ainda era considerado parte da grande propriedade de Calon- Ségur. Com cerca de 40 hectares, o proprietário investiu muito nos anos seguintes e, quando ocorreu a histórica classificação de 1855 dos vinhos de Bordeaux, Montrose acabou como Second Cru, um grau acima de Calon-Ségur. Na época, a propriedade já tinha alcançado 96 hectares.
Apesar do sucesso do Château, os filhos adotivos de Dumoulin não tiveram interesse em continuar o legado do pai, vendendo as terras para Mathieu Dollfus, um empresário de visão, que ajudou a expandir o Château, montando novas adegas e instalações vinícolas e implantando uma política de divisão de lucros com os funcionários. As formas atuais da propriedade vêm desta época.

Depois da morte de Dollfus, que teve de enfrentar a devastadora crise da filoxera, Montrose passou às mãos da família Charmolüe em 1896, através da figura de Luis Victor, que havia nascido no Château Figeac, em Saint-Émilion. Ele também era herdeiro dos châteaux vizinhos, Cos d'Estournel (que assim como Montrose é um Second Cru e são os dois Châteaux mais famosos de Saint-Estèphe) e Pomys, além de outras propriedades em Bordeaux. Três gerações dos Charmolüe se passaram e tiveram de enfrentar diversas crises, incluindo as guerras mundiais, o que fez diminuir área de cultivo.

Em 1933, por exemplo, um incêndio queimou parte do Château e a safra do ano anterior foi quase que toda perdida nas chamas - e quem sabe até sendo usada para apagá-las.
Em maio de 2006, a propriedade foi vendida para os irmãos Martin e Olivier Bouygues - donos de um enorme grupo industrial francês, que atua em diversas áreas - que se diziam apaixonados pelo vinho de Montrose. A principal mudança que eles fizeram no Château foi contratar Jean Bernard Delmas, ex-enólogo do aclamado Haut-Brion, que estava aposentado, para tomar conta do vinho da propriedade.

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Boa parte das vinhas de Montrose fica perto do rio Gironde e possuem média de idade de 40 anos. O blend do vinho principal tem 65% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot, 4% Cabernet Franc e 1% Petit Verdot. O segundo vinho (La Dame de Montrose) tem mais Merlot no corte, o que faz com que ele seja menos intenso

Terroir e vinho
Montrose tem hoje um vinhedo único de 95 hectares.
O solo é uma mistura de cascalho, com areia e um pouco de argila. A propriedade fica numa colina com vista para o estuário do rio Gironde, que é responsável por manter o clima com temperaturas amenas, sem grandes alternâncias, o que é um dos diferenciais do Château.
As vinhas (boa parte delas às margens do rio) possuem cerca de 40 anos, com 9 mil plantas por hectare e rendimento de 50 hectolitros. A colheita, que geralmente ocorre um pouco mais cedo do que nas outras regiões do Médoc, é feita à mão e o envelhecimento do vinho principal (Château Montrose) é em barricas (60% novas) durante 18 meses. Para o segundo vinho (La Dame de Montrose, cuja primeira safra data de 1986) são 12 meses de descanso em 20% de barricas novas.

Montrose é um vinho rico, intenso e complexo, com fruta madura concentrada, toques apimentados e de tabaco nos aromas. O potencial de guarda é estupendo e especialistas apontam que as safras mais antigas atingem seu auge só depois de 20, 30 ou 40 anos. Muitos dizem que, para realmente se deliciar com este vinho, é necessário comprar, "esquecer" a garrafa na adega e abri-la depois de 50 anos para sentir todo o potencial.
O blend tem cerca de 65% de Cabernet Sauvignon, 30% Merlot, 4% Cabernet Franc e 1% Petit Verdot. O La Dame possui uma porcentagem maior de Merlot, sendo menos intenso que o primeiro vinho. Ao total (somando os dois vinhos) são produzidas 500 mil garrafas por ano nesta área que já foi considerada inóspita.