Encontrando tendências que os números macro teimam em esconder
Por Christian Burgos Publicado em 16/03/2015, às 00h00
Duas edições atrás analisamos, com surpresa, que os vinhos importados tinham crescido significativamente em valor comparando 2014 com 2013, ao contrário do que qualquer um poderia prever no começo do ano passado.
Recentemente, recebemos os dados consolidados do setor vinícola brasileiro, proveniente do Cadastro Vinícola. A indústria de vinhos nacionais anda de lado em 2014 quando analisamos o volume geral de vinho comercializado. Uma análise de faturamento certamente nos mostraria um quadro mais positivo, mas é importante analisar o volume total para entender o que se esconde por trás do tão debatido consumo per capta do vinho no Brasil.
Em 2014, foram movimentados 322.161.234 de litros de vinho no país. Aí está incluído tudo – vinhos de mesa e vinhos finos, brancos, tintos, rosés e espumantes. Em 2013, foram 325.845.703 e, em 2007, eram 313.685.475. Um decréscimo de 1,13% frente a 2013 e um crescimento de apenas 2,7% frente a 2007 (o crescimento populacional no Brasil foi cerca de 5,8% no mesmo período). Diante desses números, o consumo per capta está andando de lado nos últimos oito anos e parece que nada está acontecendo.
Mas isso não poderia estar mais longe da verdade. Se tivéssemos acesso aos dados da produção vitícola do Brasil inteiro e não apenas do Rio Grande do Sul (ver box), e também tivéssemos acesso a dados completos e confiáveis de faturamento e não apenas de volume, o quadro certamente seria outro, e muito mais positivo. Entretanto, não estamos aqui para criar hipóteses, e sim para desvendar a profunda transformação do setor vitivinícola que fica escondida atrás do índice de consumo per capta.
O certo é que a indústria nacional vem amadurecendo, conhecendo melhor o consumidor e seu terroir. Ao analisarmos os vinhos finos e espumantes, encontramos um crescimento de 0,22% de 2013 para 2014 e de 26,44% quando olhamos para 2007.
Embora tintos, brancos e rosés tenham caído 3,98% de 2013 a 2014 e caído 3,44% de 2007 a 2014, essa queda não foi homogênea. De 2007 até 2014, os tintos cresceram 13,42%, com queda de 32,96% dos brancos e diminuição de mais de 60% de rosés. Os espumantes, por sua vez, continuam sendo as estrelas dos vinhos nacionais e cresceram 5,52% frente a 2013 e belíssimos 96,13% desde 2007. A continuar nesse ritmo, os espumantes ultrapassarão a produção somada de tintos, brancos e roses em mais três anos.
Se não olharmos bandeiras, o consumo de vinho fino como um todo no Brasil cresceu 4,8% no ano passado e 32,36% desde 2007, atingindo 116.161.036 litros, com 36.069.608 de vinhos brasileiros.
Segundo os dados, o consumo per capta está andando de lado nos últimos oito anos. Mas isso não poderia estar mais longe da verdade
Então a indústria de vinhos de mesa está sofrendo profundamente? Embora o volume de vinho de mesa tenha caído 4,19% de 2013 para 2014 e caído 8,82% de 2007 a 2014, essa análise se mostra simplista. Sem considerar que os vinhos de mesa também ganharam em qualidade e valor, um número significativo de produtores de vinho de mesa mudaram o destino de suas uvas de mesa para um nicho de mercado que apresenta números que superam o PIB chinês.
O suco de uva cresceu 13,52% de 2013 para 2014, e 336,75% nos últimos oito anos. Em 2007, o volume de suco de uva estava equiparado ao volume de vinhos tintos, brancos e rosés, e hoje é mais de quatro vezes maior, alcançando 90.253.143 litros.
O fabuloso crescimento do mercado de suco de uva, o crescimento da produção de espumantes brasileiros (com uvas brancas e Pinot Noir direcionadas para a base de espumante) e o desenvolvimento da cultura de consumo do vinho fino são as histórias escondidas atrás de um contador de consumo per capta que parece estar emperrado.
Brasil?O Cadastro Vinícola brasileiro é uma fonte histórica e confiável de dados, só que não é brasileiro de verdade. Explicamos. Seus dados referem-se apenas às vinícolas do estado do Rio Grande do Sul. No ano 2000, isso talvez fosse suficiente, mas hoje temos produção expressiva de vinhos em Santa Catarina e no Vale do São Francisco, além de novas fronteiras da produção de vinhos finos no interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Paraná. |