O irmão menor cresceu

Considerado o princípe dos vinhos do Piemonte, o Barbaresco desenvolveu-se e disputa o poder do rei Barolo

Marcelo Copello Publicado em 29/08/2007, às 09h34 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44

Uma das mais tradicionais e aristocráticas regiões da Itália, o Piemonte, é famoso por seus potentes tintos. Esta região no noroeste do país, próximo à Suíça e à França, produz anualmente 300 milhões de litros de vinho, provenientes de 58 mil hectares, cultivados por 35 mil produtores. Lá, as uvas tintas dominam, ocupando 70% da área cultivada, onde se destacam Nebbiolo e Barbera. Nas brancas reina a aromática Moscato.

Os principais produtos da região são conhecidos como “os três ‘B’s”: Barolo, Barbaresco e Barbera. Os dois primeiros são elaborados a partir da Nebbiolo, uma cepa muito sensível ao terreno e ao clima, tardia, colhida em fins de outubro, quando a névoa (nebbia, em italiano) toma conta da paisagem, batizando a cepa. Documentos do século XI já referiam-se a uva “Nebiùl”. A uva Barbera matura antes, na metade de setembro, tem muita cor e boa acidez.

Carinhosamente, os produtores locais referem-se ao Barolo como “rei”, ao Barbaresco como “príncipe” e ao Barbera como “princesa”. O primeiro, por ter sido chamado por Voltaire de vinho dos reis e rei dos vinhos, além de ser também o mais prestigioso, potente e longevo vinho da região. O Barbaresco seria o “príncipe”, por ter o mesmo caráter do Barolo (elaborado com a mesma uva, a Nebbiolo), embora, em geral, com menos estrutura e longevidade, além de historicamente ter ocupado um segundo plano. O Barbera justifica sua alcunha por seu caráter mais fresco e frutado. Na Itália ele é comumente chamado no feminino “La Barbera”.

Nos ocupamos hoje do príncipe Barbaresco, que até meados do século passado era conhecido como o fratello minore (irmão menor) do Barolo, mas que cresceu e hoje rivaliza com o “rei” em qualidade e prestígio. O nome Barbaresco vem de uma pequena cidade da região, cujo símbolo é uma bela torre de 36 metros de altura construída no ano 1000 d.C.. A origem da palavra Barbaresco é Barbarica Silva, nome dado pelos romanos à floresta de carvalhos que cobria a região.

Este irmão menor começou a crescer em importância em 1961, quando Angelo Gaja assumiu a direção da empresa de seu pai e decidiu fazer de seu Barbaresco um grande vinho, voltado para exportação. Gaja investiu em qualidade e em marketing e tornou-se uma grife de alto luxo, o nome de maior prestígio em toda a Itália. Outros produtores vieram atrás e hoje ninguém ousa chamar o Barbaresco de “irmão menor”.

Em 1966, por meio de um decreto presidencial, o Barbaresco tornou-se um vinho de Denominação de Origem Controlada (DOC). Em 1967, iniciaram-se a vinificação e a comercialização dos vinhos de Barbaresco de vinhedos únicos (a exemplo dos Grand Crus franceses), com alguns vinhedos alcançando fama, como Martinenga, Pora, Rabajà etc. Finalmente, em 1980, um novo decreto elevou o Barbaresco à DOCG (Denominazione d’Origine Controllata e Garantita), grau máximo dos vinhos italianos de origem controlada.

Dentre os regulamentos da DOCG Barbaresco, destaco: deve ser elaborado 100% com uvas Nebbiolo, das variedades “Michet”, “Lampia” e “Rosè”, provenientes de vinhedos demarcados, nas comunas de Barbaresco, Neive, Treiso e Alba (em San Rocco Senodelvio); o rendimento máximo dos vinhedos é de oito toneladas de uvas por hectare; os vinhedos precisam ser colinares com solos argilo-calcáreos; os sistemas de plantio, condução e poda devem ser os tradicionais, para não modificar as características da uva; o rendimento máximo de vinho por quilo de uva não deve ultrapassar 70% na vinificação e 65% após o envelhecimento; a vinificação e o envelhecimento devem ser feitos na zona demarcada pela DOCG; a vinificação e o amadurecimento devem seguir métodos tradicionais; o amadurecimento deve ser de, no mínimo, dois anos, sendo ao menos um ano em barris de carvalho ou castanho, a contar do dia 1º de janeiro do ano seguinte da colheita; se o período de amadurecimento for de quatro anos, ou mais, a denominação “riserva” pode ser usada; após o amadurecimento, o vinho deve passar por uma prova de degustação; o teor alcoólico mínimo deve ser de 12,5%, a acidez total mínima de cinco por mil e o extrato seco mínimo, 23 gramas por litro; a denominação “Barbaresco” deve constar, em evidência, no rótulo, com caracteres inferiores a 2/5 de qualquer outro que conste no rótulo ou na garrafa.

Hoje um bom Barbaresco não deve nada a um bom Barolo. A uva que dá origem a ambos é a Nebbiolo, de cultivo delicado, que requer muita atenção. A exemplo da Pinot Noir na Borgonha, a Nebbiolo raramente adapta-se bem fora do Piemonte. São raríssimos os Nebbiolos de qualidade fora do norte da Itália. Sua colheita é tardia, geralmente em meados de outubro, com ciclo vegetativo longo, sendo a última das castas piemontesas a amadurecer. Na zona de Barbaresco existem quase 500 hectares de Nebbiolo, a altitudes entre 300 e 400 metros, que geram cerca de 2,5 milhões de garrafas. Os solos, em geral, correspondem a uma formação geológica chamada “terreno Tornoniano”, sedimentos compostos de calcário azulado e cascalhos, de ótima drenagem e favoráveis ao cultivo da Nebbiolo.

Os Barbarescos são, em geral de cor granada, com aromas típicos de madeira (onde por lei permanecem, ao menos um ano), canela, nós moscada, alcaçuz, frutas vermelhas, violetas, amêndoas ou avelãs torradas, couro, tabaco, defumados. O sabor costuma ser seco e estruturado, com taninos presentes na juventude e aveludados com o tempo. Os provenientes dos arredores da cidade de Treiso são, geralmente, mais estruturados, enquanto os de Neive, mais elegantes. O Barbaresco é um vinho de guarda, pode ser estocado de oito a 30 anos, alguns podem ir além, conforme safra e estilo. Como a maioria dos vinhos italianos, o Barbaresco tem vocação gastronômica, crescendo se acompanhado pelo prato certo. Combinações garantidas são: pratos a base de tartufo branco ou funghi porcini (cogumelos secos), carnes assadas e grelhadas, como cordeiro ou caça (javali) e queijos fortes, como Grana Padano, Pecorino ou Parmigiano Reggiano.

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Adega testou 11 Barbarescos disponíveis no mercado. Confira os resultados:

Barbaresco 2003
Salvano, Piemonte-Itália (La Casa di Bacco, R$ 165). Amadurecido 12 meses em barricas de carvalho. Granada claro com reflexos alaranjados. Bom ataque no nariz, com frutas vermelhas, (morango, cereja, ameixa), florais (violetas), tostados, couro, baunilha, balsâmicos. Paladar de médio corpo, macio com 14% de álcool e taninos ainda presentes, acidez moderada. Um Barbaresco de médio corpo, mais pronto, gastronômico, beber ou guardar.

Barbaresco Montubert 2000
Icardi (Enoteca Fasano, R$ 298). Pequena empresa familiar, com 65 hectares espalhados por várias regiões do Piemonte, que elabora tintos e brancos sempre em pequenas quantidades e com muita personalidade. Granada claro com reflexos alaranjados. Intenso no nariz, com complexidade e evolução, mostrando muitas especiarias doces, baunilha, canela, cravo, couro, frutas secas, chocolate, defumados. Paladar de médio corpo, seco, sério e elegante, taninos finos, 14% de álcool e bom equilíbrio. Em um ótimo momento.

Barbaresco 2004
Livio Pavese (Casa Flora/Porto a Porto, R$ 114). vermelho granada entre claro e escuro, com reflexos na transição entre rubi e alaranjado. Aromas elegantes e limpos, nos quais a fruta (cereja) vem na frente, com florais e especiarias. Paladar seco, de médio corpo e elegante, bem equilibrado com 14% de álcool, taninos finos, secos, ainda levemente presentes, boa acidez. Um Barbaresco mais leve e jovem muito equilibrado e agradável gastronômico, vinho que se bebe várias taças sem perceber.

Barbaresco Martinenga 1996
Marchesi di Grésy (Terroir, R$ 375). Granada claro com reflexos alaranjados. Nariz delicioso, com complexidade e já com bastante evolução, aromas de frutas secas (cerejas), tabaco, alcaçuz, cedro, couro, defumados, musgo, minerais, trufas. Paladar de bom corpo, boa acidez, 13% de álcool, longo e equilibrado. Um Barbaresco excelente, em estilo clássico.

Barbaresco Bric Turot 2000
Prunotto (Expand, R$ 288). Amadurece 12 meses em barris de 500 litros e uma pequena parte em barricas bordalesas de segundo uso. Granada entre claro e escuro, com reflexos alaranjados. Intenso e elegante no nariz, com geléias de ameixa e cerejas, especiarias (canela, cravo, pimenta), musgo, tabaco, baunilha, violetas, alcaçuz, chocolate, toque balsâmico. Paladar de bom corpo, taninos finos e presentes, boa acidez, longo. Um Barbaresco que tem muito a mostrar, agora e por mais alguns anos.

Barbaresco Maria Adelaide 2001
Bruno Rocca (World Wine/LaPastina, R$ 530), o top da casa, homenagem a avó do produtor, de 95 anos, lançado nesta safra. A próxima, ainda não disponível no Brasil, será 2004. Elaborado a partir de vinhas de 40 anos, passa 18 meses em barricas francesas 50% novas. Granada escuro, ótimo ataque aromático, com madeira, fruta passa, geléias, chocolate, caramelo, alcaçuz, musgo, violetas. Paladar concentrado, com 14,5% de álcool, taninos volumosos, amplo e longo. Grande vinho, para longa guarda.

Barbaresco Masseria 2003
Vietti (Mistral, US$ 169,50). Amadurecido por dois anos em barricas e tonéis de carvalho. Vermelho granada escuro, com reflexos rubi. Aromas complexos, fruta intensa, convivendo com aromas de madeira, tostados, terciários, como couro, especiarias (alcaçuz, canela), bosque, balsâmicos, chocolate, tabaco, toque floral. Paladar estruturado, seco, 14% de álcool, bons taninos presentes, profundo e longo.

Barbaresco 2001
Pio Cesare, (Decanter, R$ 310,50). Amadurecido por 30 meses em carvalho, sendo 30% em barricas francesas (30% novas, o restante de dois a seis anos) e 70% em tonéis de 2 a 5 mil litros de carvalho francês. Sua cor granada oscila entre o claro e escuro. Ótimo ataque no nariz, muito fino e bem definido, com especiarias (alcaçuz, baunilha, cravo), frutas cristalizadas, violetas, tostados, musgo, pelica e um toque de borracha queimada. Paladar de bom corpo, boa acidez, taninos jovens ainda presentes, conjunto de grande equilíbrio e elegância.