Com 18 quilômetros de caves subterrâneas, Pommery é uma das casas mais famosas na produção de champanhe
Arnaldo Grizzo Publicado em 02/06/2010, às 08h03 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46
Galerias ficam 30 metros abaixo do solo. Escada para o local tem 116 degraus |
A vida não era fácil para as mulheres do século XIX, especialmente em uma nação beligerante como a França. Quando elas próprias não morriam jovens, por complicações no parto, por exemplo, eram seus maridos que as deixavam viúvas muito precocemente ao falecerem subitamente por doenças ou nas guerras. Esse foi o caso de muitas mulheres em Champagne – que não se abateram e cultivaram um legado ainda maior do que o que seus maridos construíram. Uma dessas mulheres foi Jeanne Alexandrine Louise Mélin Pommery, a Madame Pommery.
Ela era casada com Alexandre Louis Pommery um bem sucedido mercador de algodão. Em 1856, quando Narcisse Greno perdeu seu sócio em uma casa de Champagne, Pommery se associou a ele. Contudo, ele morreu apenas dois anos depois disso. Sua viúva, Louise, mesmo com dois filhos pequenos, assumiu a posição do marido e tomou o controle da empresa. Ela se revelou uma grande empreendedora e começou a criar a imagem da marca mundo afora, na época em que os champanhes viraram sinônimo de luxo e sofisticação.
A casa produziu um dos primeiros champanhes brut da história, em 1874, para atender o mercado inglês
Em 1968, Louise Pommery resolveu construir um imponente edifício no estilo neo-elisabetano gótico, que só foi finalizado 10 anos depois |
18 km de galerias subterrâneas
Um dos grandes diferenciais da Maison Pommery certamente é sua monstruosa cave subterrânea com 18 quilômetros de túneis escavados em pedra calcária durante o período galo-romano – cerca de 2 mil anos atrás. Esses túneis, 30 metros abaixo da superfície, são capazes de abrigar mais de 20 milhões de garrafas. Para descer até lá, há uma escada de 116 degraus.
Em 1968, para se diferenciar ainda das demais casas de Champagne, Louise resolveu construir um imponente edifício no estilo neo-elisabetano gótico, que só foi finalizado 10 anos depois. Nesse meio tempo, ela começou a entender o gosto inglês (um dos principais mercados consumidores de champanhe na época – que buscava espumantes não tão adocicados quanto os que eram feitos então) e produziu, em 1874, o que viria a ser o primeiro “brut” da história (a casa Perrier Jouët afirma ter feito um brut em 1846, portanto ambas clamam terem sido as primeiras). Isso revolucionou a maneira de se fazer champanhe.
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Mecenato
Madame Pommery era visionária e sempre foi uma espécie de mecenas para artistas da época. Ela sabia que precisava criar uma imagem de glamour em torno de si mesma e, assim, de seu produto. Então, em 1882, contratou o escultor Gustave Navlet para esculpir baixos relevos nas paredes de sua imensa cave.
Em 1888, diante dos rumores de que sua casa andava com problemas financeiros, Louise comprou anonimamente a famosa pintura de Jean François Millet, “As respigadeiras”, um marco na história da arte (que hoje se encontra no Museu D’Orsay, em Paris). Durante três dias, houve grande suspense sobre quem havia adquirido a obra pela exorbitante quantia de 300 mil francos, até que Madame Pommery revelou a compra e a doou ao governo. Dois anos depois, ela morreu.
A casa ainda se aproveitou do estilo Art nouveau que nasceu no começo do século XX para fortalecer sua imagem de requinte junto ao público, sendo que o famoso vitralista e ebanista Émile Gallé, que fez trabalhos para diversas casa em Champagne, ornou peças para Pommery. Uma delas um tonel monstruoso, com capacidade para 75 mil hectolitros (100 mil garrafas).
“Quis que essa propriedade fosse como um livro aberto que enfrenta o mundo e o tempo. Deixe sua impressão sobre ele, como deixei a minha, para a posteridade. E permita que ela seja digna de respeito, do tipo de respeito que quis que essas paredes expressassem a cada dia nesse champanhe, um vinho que agora se tornou uma parte comum de nossas almas e carrega a memória de nossa arte para sempre”, teria dito Louise para resumir seu legado.
Cuvée Louise é produzida somente com uvas de vinhedos Grand Cru e em anos especiais
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Madame Pommery mandou esculpir baixos relevos nas paredes de sua imensa cave |
Terroir e vinho
O solo de Champagne, como se sabe, é calcário, ou seja, um tremendo reservatório de calor. O clima fica entre o calor continental e a frescura do Atlântico. O que permite a perfeita maturação dos três tipo de uva permitidos em Champagne: Chardonnay (que dá o toque de finesse), Pinot Noir (que dá corpo) e Pinot Meunier (que arredonda as arestas).
Toda a colheita das propriedades de Pommery (cerca de 300 hectares), essencialmente em vinhedos considerados Grand Cru, é feita à mão. Das regiões de Avize e Cramant vem a Chardonnay (cerca de 60%) e, de Aÿ, a Pinot Noir (30%) do mais prestigiado champanhe de Pommery, a Cuvée Louise, homenagem de Madame Pommery à sua filha caçula, Louise.
Este espumante, nascido em 1979, só é feito em anos excepcionais. Para cada 4 mil quilos de uva, apenas 1,8 mil litros de suco são retirados (abaixo dos 2.550 permitidos pela legislação) para garantir a pureza desta cuvée, que fica de seis a oito anos nas caves antes da dosagem (apenas 5 gramas). O estilo é leve para um millésime, mas pode envelhecer por anos.
São produzidas cerca de 5,5 milhões de garrafas (de todas as linhas, que conta com Brut Royal, Brut Rosé, Brut e Rosé Apanage, Grand Cru Vintage, Dry Elixir, Springtime “Brut Rosé”, Summertime “Blanc de Blancs”, Falltime “Blanc de Blancs Extra Dry”, Wintertime “Blanc de Noirs”, POP, além da Cuvée Louise) em Pommery por ano. Os 18 quilômetros de túneis de cave (30 metros abaixo do solo) mantém os champanhes a uma temperatura ideal. Cada túnel leva o nome dos principais mercados consumidores de Pommery no mundo.