Um dos clássicos de Saint-Émilion, Château Pavie passou por controvérsias após aquisição de Gérard Perse em 1998 e foi atacado como "símbolo da parkerização"
Arnaldo Grizzo Publicado em 07/10/2010, às 08h24 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47
Pavie é uma espécie de pêssego de casca felpuda. No entanto, ao provar o vinho do Château Pavie, provavelmente você não encontrará o aroma ou o sabor dessa fruta. O nome de um dos mais relevantes Châteaux de Saint-Émilion, tido como Premier Grand Cru Classé B - perdendo em status na região somente para os Châteaux Ausone e Cheval Blanc (que são A) - é, sim, devido ao pêssego, mas porque ele era muito comum no local antes do domínio das vinhas.
Aliás, o vinhedo de Pavie é um dos mais antigos de Saint-Émilion, junto com Ausone, e data do século IV. Apesar da longa história de prestígio ao longo dos séculos, o Château tem sido muito falado na mídia nos últimos anos por ser, para os críticos mais ferrenhos (especialmente os ingleses), o maior exemplo do vinho "parkerizado". Desde que o controle de Pavie mudou de mãos em 1998, e principalmente após a safra 2003, muitas das pessoas que criticam o sistema de avaliação do expert norte-americano Robert Parker atestam que o vinho de lá mudou para pior. Outros tantos, contudo, falam em seu favor e defendem as altas notas que ele deu para Pavie 2003, ao contrário dos ingleses.
Ou seja, mais do que o sabor do vinho em si, Pavie se tornou o ponto de embate entre a crítica inglesa e norte-americana. Mas, deixando as controvérsias de lado, a verdade é que Pavie sempre foi um dos principais nomes de sua região em Bordeaux. Sua privilegiada posição, ao sul da Côte de Saint-Émilion, é um dos grandes motivos de sua excelência e enorme reputação. Porém, sua fama também se deve aos proprietários que por lá passaram durante todos esses anos, até que culminasse na compra, em 1998, por Gérard Perse um milionário parisiense que vendeu suas cadeias de supermercados para formar um negócio de vinhos.
#Q#Pré Perse
As primeiras menções efetivas ao Château datam do século XIX, quando a propriedade possuiu quatro diferentes donos ao mesmo tempo: Talleman, Pigasse, Lafleur e Chapuis. A parte dos Pigasse diminuiu em 1868, quando Adolphe Pigasse morreu e sua viúva precisou vender as terras, enquanto que a família Talleman aumentou suas posses. Contudo, mais tarde, Ferdinand Bouffard, um negociante de Bordeaux, comprou as terras da família Fayard-Talleman, como hoje é conhecida, e também outras áreas em volta. Nascia propriamente o Château Pavie, assim batizado por Bouffard.
Com Gérard Perse, Château Pavie teve uma
grande mudança em seu vinho
Bouffard comprou as terras remanescentes de Pigasse e fez delas o que hoje se conhece como Pavie-Decesse, e também a parte de Chapuis, que deu origem ao Pavie-Macquin. Todas geridas separadamente. Bouffard foi um bom gestor, soube renovar a vinha, mudar a adega, mas viu seu trabalho praticamente ruir diante da filoxera que devastou o mundo vitivinícola na época. Por seu combate à praga, acabou ganhando uma medalha da comunidade.
No entanto, diante do problema da filoxera no fim do século XIX e das guerras e crises econômicas no começo do século seguinte, Bouffard vendeu a propriedade para Albert Porte em 1918, que só conseguiu mantê-la até o fim da outra guerra mundial, vendendo-o para Alexandre Valette em 1943. Foi com a família Valette que o Château alcançou a classificação atual, mas também com ela começou a controvérsia em relação ao real "valor" de seu vinho, que, com o início da administração Perse, foi ainda mais discutido.
#Q#
Pavie tem cerca de 37 hectares em bloco único com três terroirs diferentes: planalto calcário, encosta argilosa e pé de encosta areno-argilosa com cascalho |
Ameaça aos Premier Grand Crus A
Perse começou sua investida no mundo do vinho em 1993 com a compra de Monbousquet, depois Pavie-Decesse e, por fim, Pavie, onde ele certamente queria fazer um vinho que ameaçasse o status dos únicos Premier Grand Cru Classé A de Saint-Émilion, Ausone e Cheval Blanc. Com isso, ele investiu muito, construiu uma nova adega e promoveu uma reformulação sem precedentes, incluindo replantio e erradicação de vinhas.
O Château Pavie tem hoje cerca de 37 hectares em um único bloco (logo abaixo de Ausone), que pode ser dividido em três terroirs: um planalto de solo calcário, uma encosta de argila profunda e um pé de encosta com solo areno-argiloso, com um pouco de cascalho. As variedades plantadas são: 60% Merlot, 30% Cabernet Franc e 10% Cabernet Sauvignon. Todas são colhidas à mão, com um rendimento baixo, de 30 hl/ ha. Diversas melhorias foram resultado da consultoria de Michel Rolland, um dos enólogos mais famosos do planeta. Daí também vem a crítica de que seus vinhos ficaram "parkerizados", pois Rolland é amigo de Parker.
Inovações de Perse geraram controvérsias entre a crítica
inglesa e a norteamericana
A verdade é que o vinho de Pavie - que produz somente 8 mil caixas por ano - faz o gosto do mais famoso crítico de vinhos do mundo (um pouco mais concentrado, alcoólico e intenso do que seus vizinhos em Saint-Émilion) e também de alguns dos críticos de Parker, que chegaram a dar boas notas para ele em degustações às cegas. Controvérsias a parte, Pavie é um vinho que merece ser provado. Assim, quem sabe, essa discussão acabe. Ou não.