O quinto

Château Lynch-Bages é um Cinquième Grand Cru Classé, mas seu vinho é comparado com os de classificação superior

Aguinaldo Záckia Albert Publicado em 24/01/2012, às 09h01 - Atualizado em 10/02/2021, às 16h04

 

O Château Lynch-Bages na AOC Pauillac

Situada bem no centro do Médoc, a AOC (Appellation d'Origine Contrôlée) Pauillac abarca 1.200 hectares às margens do estuário do Gironde. Sobre esse solo pobre, pedregoso e de drenagem perfeita vicejam vinhedos nos quais a uva Cabernet Sauvignon reina e exprime suas melhores qualidades. Outras tintas permitidas no corte bordalês, como a Merlot, a Cabernet Franc, a Malbec e a Petit Verdot, também são cultivadas obedecendo a ordem de importância mencionada.

O Château Lynch-Bages se situa bem às portas da cidade de Pauillac englobando cerca de 100 hectares dessa comuna. O clima ameno da região se une à qualidade do solo para que encontremos ali um terroir de exceção. O paralelo é o 45 e a cidade de Bordeaux fica 50 km ao sul. O Oceano Atlântico, que está bem próximo, e o estuário do rio Gironde desempenham um papel fundamental na regulação do clima. O microclima especial é completado por um terceiro elemento, a floresta de Landes, que forma uma barreira natural contra as intempéries que possam vir do oeste. Os invernos são frios, com raras nevascas; as primaveras, normalmente úmidas; os verões, quentes; e os outonos, banhados por muito sol. Esses são os elementos fundamentais para que se produzam vinhos de muita elegância.

Das origens aos nossos dias
A terra de "Batges" (ou seja, Bages, nome do pequeno povoado encostado em Pauillac onde se situa o Château) aparece mencionada pela primeira vez no século XVI, denominando o vinhedo da família Déjean, notários e comerciantes de Bordeaux. Mas a grande história vitivinícola se inicia mais propriamente dois séculos depois, em 1728, quando o Cavaleiro Pierre Drouillard, tesoureiro geral de Guyenne (território sudoeste da França), compra a propriedade de Bernard Déjean. Sua filha, Elizabeth, herda a propriedade em 1749, com a morte do pai, e vem depois a se casar com Thomas Lynch, cuja família controlará a empresa por 75 anos. Os Lynch são de origem católica-irlandesa e se estabeleceram em Bordeaux no século XVI devido a motivos políticos.

"Cru de Lynches" era o nome da propriedade em 1824, quando foi mais uma vez vendida para o recém-chegado comerciante de Genebra, Sébastien Jurine. Foi durante a gestão de seu filho que o Château foi incorporado ao famoso "Classement de 1855" na categoria de Cinquième Grand Cru Classé. Durante os anos seguintes, o vinho ganhou grande prestígio graças ao seu contínuo aumento de qualidade.

O nome atual, "Lynch-Bages", surge em 1862, quando os irmãos Cyrou, negociantes bordaleses, compram o Château e instituem esse nome no rótulo. A família Cazes, proprietária atual, só entrará na história nos anos 1930. O agricultor Jean-Charles Cazes, que cuidava na época dos vinhedos do Château Ormez de Pez, na vizinha Saint-Estèphe, acaba comprando as duas propriedades às vésperas da eclosão da II Guerra Mundial.

Os Lynch, de origem irlandesa, se estabeleceram em Bordeaux no século XVI por motivos políticos

Embora tenha passado o comando dos negócios aos filhos Jean-Charles e Sylvie em 2001, quando completou 65 anos, o carismático Jean-Michel Cazes é a personalidade que melhor representa o Château. Ele é muito simpático e tem grande afinidade com o Brasil. Em um encontro em 2009, ele confessou que sua mulher era portuguesa, seu filho morava e trabalhava no Brasil e, durante sua juventude, costumava visitar o Rio de Janeiro, onde se tornou grande amigo do pianista Sérgio Mendes, nos tempos áureos da Bossa Nova.

Em 2003, a família Cazes, proprietária do Château resolveu revitalizar a vila de Bages. Hoje, ela é mais um atrativo da região, com rico enoturismo

O renascimento da Vila de Bages
Durante a conversa, ele falou longamente de um projeto seu, iniciado em 2003. A pequena vila de Bages se situa bem ao lado do Château e, em épocas passadas, era bastante povoada com vinhateiros, pequenos proprietários e ferreiros, que costumavam se encontrar no café de uma tal Madame Gasqueton. Infelizmente, como aconteceu com a maioria das pequenas vilas francesas, a população acabou emigrando para as grandes cidades em busca de melhores oportunidades e o vilarejo, em 1950, já estava abandonado.

Apesar de ser um Cinquième Cru, sua qualidade e preço se comparam com níveis superiores

Em 2003, buscando construir um local para estocar seus vinhos, Cazes foi aconselhado a derrubar o casario antigo para a construção do edifício. Muito ligado às suas tradições do Médoc, a Jean-Michel ocorreu restaurar toda a vila ao invés de destrui-la, construindo ali um fascinante ponto de enoturismo. Bages tornou-se então a "Village des Saveurs et du Vin", sempre cheia de visitantes de todo o mundo, inclusive franceses da região. Foram criadas várias casas de comércio, como a boulangerie "Au Baba d´André", onde se compram deliciosos pães, o fascinante Café Lavinal, um restaurante amplo e decorado com muito bom gosto, onde se pode comer muito bem e a bom preço, e o belíssimo Bage's Bazaar, refinada butique de vinhos e de objetos artísticos, além de outros núcleos de atividades de gastronomia, vinho, cultura e arte. Um local que merece ser visitado.

Os vinhos
Como a Classificação de 1855 é imutável (com raras exceções), o Château Lynch-Bages mantém a sua classificação de Cinquième Cru, mas sua qualidade e seu preço de mercado estão sempre colocados em níveis superiores.

O vinho principal é composto majoritariamente de Cabernet Sauvignon (75 a 85%), mesclado com a Merlot (10 a 15%), a Cabernet Franc (5 a 10%) e a Petit Verdot (2%). Ele consegue aliar estrutura e fineza, elegância e longevidade, mostrando opulência nos primeiros anos e maturidade e complexidade no seu auge. No mercado brasileiro, os preços de boas safras recentes variam de R$ 550 (2007) a R$ 850 (2005) por garrafa.

O segundo vinho, nascido em 1976, é o Echo de Lynch-Bages (denominado Lynch-Bages Averous até 2008), elaborado com uvas de vinhedos mais jovens. A presença da Merlot e da Cabernet Franc no corte é consideravelmente maior. É um vinho sedutor, rico em aromas, e necessita de tempo de guarda menor para mostrar suas potencialidades. Foi criado para ser um "eco" do primeiro vinho do Château.

Existe também o Blanc de Lynch-Bages, criado em 1990 e feito a partir das castas Sauvignon Blanc, Sémillon e Muscadelle e é vinificado em 50% em barricas novas, 20% em barricas de segundo uso e 30% em cubas de aço inox. Representa uma parte bem menor da produção total. É bem apreciado e tem preço mais baixo, mas é difícil encontrá-lo no Brasil.